Resume a abordagem da Hacking para o interesse que
deveríamos ter na filosofia da linguagem e como ele vê o apogeu das ideias,
dentro dessa ótica[i]
Recapitulemos o que vimos até aqui.
Hacking divide sua obra em três fases: apogeu das ideias, apogeu dos significados
e apogeu das sentenças. Destacaremos abaixo sua abordagem para a filosofia da
linguagem e o apogeu das ideias.
A estratégia de Ian Hacking para a
filosofia da linguagem[ii].
No primeiro capítulo Hacking explicita sua estratégia de abordagem considerando
que a filosofia da linguagem associada ao significado é um ramo específico,
recente e então ele se debruça em casos de uso ao longo da história nos quais a
filosofia da linguagem se aplica e conversa com as demais áreas da filosofia,
como ética, percepção e a natureza da mente humana.
O discurso mental de Thomas Hobbes[iii].
Nos capítulos de dois a cinco ele trata do apogeu das ideias, começando por
Hobbes, que considerava a fala como uma transferência do discurso mental para o
verbal. Para ele, a linguagem tinha a tarefa de comunicar pensamentos e nós,
erroneamente, tentamos enquadrar Hobbes e os modernos na divisão das teorias do
significado proposta por Alston entre ideacional, referencial e comportamental.
Hacking aproxima a teoria comportamental de Hobbes a atual teoria intencional
de Grice. Nessa abordagem, o falante pretende que o ouvinte infira o
significado do que é dito, inserindo-se no campo da comunicação e intenção de
comunicar. Mais do que uma teoria do significado, Hobbes tinha uma teoria do
pensamento, associado ao discurso mental e às ideias. passando pela ênfase que
a elas davam os modernos, muito por conta de um discurso mental, livre de
erros.
As ideias de
Port Royal[iv]. Aqui Hacking tenta elucidar um conceito
tão amplo e tão simples: a ideia. Se por um lado, para Locke e Hobbes uma ideia
poderia ser uma imagem mental, um objeto da percepção ou mesmo uma emoção, a
Lógica, obra de Port Royal, define a ideia como tipo elementar, influenciada
pelo cartesianismo que definia a ideia como polo que nos permitiria conhecer o
mundo exterior. Ora, conhecemos ideias e só com elas estamos comprometidos,
elas medeiam entre o ego e o mundo. Para Descartes, temos uma visão de cada
ideia e as escrutinamos para saber aquelas que são claras e as confusas. Embora
fale-se da visão, não se trata de imagens, já que podem ser conceitos. Por fim
ele define a teoria das ideias dos modernos como essa classe de objetos que
medeiam entre o ego e o mundo, ideias que nos são acessíveis pela visão, mesmo
não sendo imagens e que palavras significam ideias, como uma relação causal. Ora,
nessa visão, o discurso mental encadeado de ideias é que importava à filosofia.
As abstrações do Bispo Berkeley[v].
Hacking opõe Berkeley a Locke que, ao compactuar com a filosofia atomista de Boyle,
abria caminho para a matéria e o ateísmo. Então, o idealismo de Berkeley postula
que a matéria é inerte e vai ao extremo de dizer que tudo o que existe é
mental. Mas Hacking dá atenção à relação que sua filosofia idealista tem com a linguagem,
no que tange a possiblidade da concepção de ideias abstratas. Se, Berkeley
concorda com a teoria das ideias dos modernos ele rejeita o raciocínio dos geômetras
que se utiliza de ideias abstratas em demonstrações, por exemplo, no caso de triângulos,
de uma ideia universal de triângulo. Hacking cita que para Hobbes não havia uma
ideia universal, por exemplo, de chuva, mas alguma ideia de chuva, das que caem
por aí. Mas, para Berkeley, cada qual que escrutine suas ideias não acha por
objeto uma ideia abstrata, não as vemos. Então, mesmo raciocinando em demonstrações
geométricas, usamos uma ideia particular. Ora, é possível “falar”, no discurso
público, de uma ideia abstrata, mas quando vamos para o discurso mental não há
nada que corresponda a elas. Como, por exemplo, a filosofia corpuscular de
Boyle que não passaria de perversão da linguagem, já que não há matéria pois
ser é ser percebido.
Teoria do significado de ninguém[vi].
Esse capítulo fecha o apogeu das ideias e já aborda mais diretamente o
significado, que tem Frege como ponto de partida. Conforme capítulos anteriores,
não há uma teoria do significado nos modernos, porém eles investigam a função comunicativa
da linguagem, que tem base física e biológica e se refere à tradução de ideias
em palavras pelo falante e de palavras em ideias pelos ouvintes. E é exatamente
por admitir a existência de leis físicas que podemos garantir que essa dupla tradução
é possível, já que temos os mesmos mecanismos. Podemos até discordar, mas entendemos
a mensagem. Podemos até discordar, mas a fonte de erro é nossa ideia que formamos
erradamente. Mas é suficiente que haja “aceitação comum”, que não tem a ver com
significação, mas com a possibilidade do uso público. A aceitação comum vai se
tornar, em Frege, o sentido (sinn) que é compartilhado e fruto do estoque de
conhecimentos transmitidos na historia. Nessa transição, o discurso publico
passa a ter relevância e a ideia passa a ser mera coisa privada associada ao
significado.
[i] Fichamentos de Por que a
linguagem interessa à filosofia? São Paulo: Editora Unesp, 1999. Ian
Hacking.
[ii] https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2022/12/a-estrategia-de-ian-hacking-para.html (fichamento).
[iii] https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2023/01/o-discurso-mental-de-thomas-hobbes.html (fichamento).
[iv] https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2024/01/as-ideias-de-port-royal.html (fichamento).
Nenhum comentário:
Postar um comentário