Verifica se falamos de coisas ou de fatos[i]
Hacking retoma argumentação de Russell de
que a forma gramatical S-P pode ser parafraseada pela forma lógica pela qual
“existe pelo menos um S, há no máximo um e todo S é P”. Hacking esclarece que,
para um argumento dedutivo válido, a conclusão decorre das premissas em virtude
de sua forma, caracterizada desde Aristóteles como “todo A é B, todo B é C,
portanto todo A é C”.
Não obstante isto, o fato de uma sentença
poder ocorrer tanto em premissas quanto em conclusões leva a uma crítica de
Strawson que rejeita essa forma lógica, já que enunciados poderiam ocorrer em
diferentes classes gerais de inferência. Hacking não acata essa objeção ao
dizer que o intuito de Russell vai mais além pois ele não pretende tratar
somente de inferências. Haveria uma forma lógica para uma sentença que é
subjacente a todas as formas lógicas propostas por Strawson e que permite que
ela tenha significado.
Russell estava interessado, em sua
concepção, em condições sob as quais determinada sentença é verdadeira. Em
associação com o primeiro Wittgenstein, essa concepção assere que as verdades
correspondem aos fatos, isto é, a estrutura dos fatos poderia ser investigada
pela forma lógica de sentenças verdadeiras a eles correspondentes e, com isso,
abrir um campo de metafísica especulativa.
Contudo, o próprio Wittgenstein parece
aderir, de acordo com Hacking, a um idealismo linguístico que
restringe o conhecimento dos fatos com o qual temos familiaridade aos limites
de linguagem, não à realidade dos fatos, de um mundo “lá”, independente de
linguagem. Atualizamos Berkeley que dizia que não há mundo senão o percebido,
em Wittgenstein, como o dito que ser é ser falado a respeito.
Hacking, então, remete ao século XVII
novamente para ressaltar a importância da gramática e como a linguagem pode
falar de coisas, já que a primeira é articulada e as segundas são totalidades.
O malmequer, por exemplo, é uma coisa única, mas as palavras ocorrem em
sequência[ii]. Isso fica claro pela
teoria da referência quando sentenças da forma S é P (sujeito-predicado) se
referem a coisas com propriedades e são verdadeiras se tem aquelas
propriedades. O problema é que o objeto é um todo não articulado e não coisa de
um lado e propriedade de outro.
Isso posto, Hacking postula: “O problema
da gramática geral é explicar como a linguagem articulada realiza a representação
de uma parte não articulada do mundo.” Ou seja, como as palavras se juntam na
cópula que representa o objeto? Hacking argumenta que, como não foi possível fazer
com que a cópula funcionasse da mesma maneira, surgiram diferentes gramáticas
para as diferentes famílias de linguagens. E é Wittgenstein que traz o Tractatus
para nos socorrer propondo que o mundo é feito de fatos e não de coisas e eles
são articulados como as sentenças que os representam, os objetos se encaixam.
Fica para trás o mundo das coisas e então “a proposição analisada não é sujeito
e predicado, mas uma concatenação de nomes” (p. 93). Embora Hacking entenda que
Russell ainda tenha mantido um mundo de coisas, o “isto”.
Se a forma lógica russelliana seria uma
tentativa de responder ao problema da gramática, Hacking sugere que ela pode ser uma forma gramatical profunda, o que teria um paralelo com a proposta de
Chomsky de uma gramática constituída de uma estrutura superficial projetada por
regras de uma estrutura profunda a ela subjacente. Da proposta de Russell pode
ser extraída uma lógica de primeira ordem das sentenças do inglês, como proporá
Davidson. Mas esse caminho é rechaçado pelos seguidores de Chomsky que se
mantem à estrutura sujeito-predicado, oriunda da gramática antiga. E essa é uma disputa
em aberto, de acordo com Hacking.
[i] Fichamento do oitavo capítulo de Por
que a linguagem interessa à filosofia? São Paulo: Editora Unesp, 1999. Ian
Hacking. O capítulo se chama A articulação de Ludwig Wittgenstein.
[ii] A parte a teoria das ideias e se uma ideia é uma totalidade ou articulada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário