quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

Só sei que nada sei

Esse texto traz notas sobre o diálogo Teeteto[i]

Podemos perceber, no diálogo do Teeteto, a aplicação do método maiêutico de Sócrates que visa a parturição de um conhecimento novo por Teeteto, jovem, mas promissor aprendiz. A questão principal de Sócrates é exatamente tentar delinear o que é o conhecimento e ele luta contra a concepção estabelecida por Protágoras de que conhecimento é percepção, conforme 1.) “Penso, portanto, que aquele que conhece qualquer coisa, percebe o que conhece; e, como aparece no momento, o conhecimento não passa de percepção” (Teeteto falando, p. 70) e 2.) “... a que Protágoras costumava apresentar ... o ser humano é a medida de todas as coisas” (Sócrates falando, p. 70).

Em boa parte do diálogo de Platão, Sócrates vai lidar com essa concepção vigente e chegará mesmo a fazer Teeteto parir essa opinião, de que percepção é conhecimento, mas logo irá subtrair esse primogênito por se mostrar equivocado(p. 86). Há alguns pontos, que podemos destacar, contrários a essa tese e começamos por verificar que ela se baseia na percepção que é diferente em cada pessoa e, também, sobre coisas individuais, e cada indivíduo irá ter uma a sua visão. Ocorre que, o que aparece está em constante mudança tornando difícil o conhecimento, isso estaria no campo do fenômeno e não do ser. Sócrates localiza esse debate na tradição, com Protágoras, Heráclito e Empédocles defendendo que as coisas estão em fluxo constante contra Parmênides, para quem a realidade é uma e imóvel, com a célebre citação de que o ser é e o não-ser não é[ii].

A argumentação é longa e passa por pontos como a análise do movimento e se ele é a causa do ser pois tudo o que existe está em movimento, que pode ser um movimento local ou dos astros, mas também, nesse sentido, nada aparece como ele, pois muda. Sócrates também considera o ponto de vista do nosso interior, isto é, há a percepção do eu e o objeto percebido no mundo, mas volta a reforçar que as coisas que aparecem não são, por conta do fluxo do vir a ser, reforçando a diferenciação entre percepção e conhecimento.

Um ponto interessante na argumentação é que, para Sócrates, ao basear o conhecimento na percepção individual, Protágoras faz com que cada um seja dono de sua verdade e com isso agrada a sua plateia. Mas a verdade para um pode ser falsa para outro, o que deixaria a questão aberta para disputas. Ao questionar a percepção, Sócrates também traz o problema do conhecimento pelos sentidos e argumenta que por eles não se chega na apreensão do ser e da verdade, mas pelo raciocínio, que seria uma atividade da alma que pode atingir as coisas que são.

Há, então, a hipótese de o conhecimento ser um tipo de opinião verdadeira, investiga-se como se forma uma opinião e suas possibilidades de erro bem como a divisão entre conhecer (epistemologia) e ser (ontologia) e se distinguirá entre uma opinião falsa e uma opinião do que não é. Aqui podemos lembrar que muitas vezes a causa do erro é uma opinião sobre algo que não conhecemos, ou imaginamos que conhecemos ou de algo a que associamos um pensamento errático a uma percepção.

A argumentação é longa e complexa e não teríamos condições de fazer um aprofundamento, trata-se de uma primeira aproximação dos principais pontos que nos chamaram a atenção. Mas, parece que a indicação de Sócrates de conhecimento passa pela capacidade de definir algo por uma característica que o torne distinto dos demais, conforme p. 166:

“conclusivamente, aquele que possui a opinião correta sobre qualquer coisa e acrescenta a isso uma compreensão da diferença que a distingue das outras coisas terá adquirido conhecimento dessa coisa, da qual detinha anteriormente somente opinião.”

Embora, ao final, Sócrates afirme que “A conclusão é que nem a percepção, Teeteto, nem a opinião verdadeira, nem a explicação racional associada à opinião verdadeira poderiam ser conhecimento” (p. 169). Porém, Teeteto continua grávido e pode seguir estimulado a continuar tal tipo de diálogo, mas “munido da sabedoria de não pensar que sabes aquilo que não sabes” (p. 169).



[i] Notas sobre o diálogo Teeteto (ou do Conhecimento). PLATÃO. Diálogos I – Teeteto, Sofista, Protágoras. Tradução de Edson Bini. São Paulo: Edipro, 2007.

[ii] Sobre Parmênides, nota de rodapé 77 e https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2025/02/o-problema-de-parmenides.html. 

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