sábado, 11 de outubro de 2025

Dualidade semântica: do psicológico ao lógico

Uma jornada em busca do terceiro reino[i]

Francisco trabalha uma distinção entre lógico e psicológico na teoria fregeana, como sendo uma dualidade semântica. Nosso interesse está em entender como pode haver uma coadunação entre esses dois campos ou quais limites há entre eles. Para Francisco, a distinção entre lógico e não-lógico ocorre por meio de uma investigação semântica de sentenças da linguagem natural[ii].

Mas é como se a psicologia “atrapalhasse” o pensamento rigoroso e matemático. Há sentenças que, se logicamente contraditórias, ainda assim tem um sentido como a poética: “um campeão de perda de campeonatos” que tem uma intenção de provocar uma antítese irônica. É uma asserção da linguagem natural sem valor de verdade. Ocorre que, para Frege, não é um pensamento objetivo e pertencente ao mundo exterior, porém uma ideia subjetiva e interior e que vai variar de acordo com as afinidades individuais permitindo a própria expressão artística.

Para Frege, segundo o autor, não há psicologismo nas relações lógicas embora haja uma semântica em sentenças psicológicas expressas em determinados contextos. O sentido de uma frase é o pensamento que ela expressa[iii], mas se ela não tem referência, como na poesia ou lenda, não é verdadeira nem falsa; a ciência requer referência.

Sentenças da arte poética se utilizam da livre associação de ideias (não de pensamentos) e seguem preocupações estéticas, portanto há valor estético e não de verdade. Mas é a linguagem que estrutura essa fronteira por meio da investigação lógica porque uma investigação puramente psicológica enfoca conteúdos mentais individuais. A lógica assere pensamentos: eles têm sentido, comunicam algo, mas ela vai até o ponto em que eles tenham valor de verdade.

Conforme Francisco, há três momentos, para Frege: primeiro há o pensar, a apreensão do pensamento, depois há o julgar, o reconhecimento da verdade do pensamento e por fim há o asserir, a manifestação desse juízo. É dessa forma que procede a investigação científica e, no segundo passo, quando se reconhece o valor de verdade, é que podemos fazer asserções. Já as sentenças ficcionais não têm força assertiva, elas não têm relação com os atos mentais de julgar e asserir.

São prescrições lógicas que investigam a essência da verdade, que tem caráter metafísico, sem se ater à psicologia subjacente. Muito embora, de acordo com Francisco, Frege não negue que mesmo uma sentença assertiva científica também possa expressar um componente não lógico associado a seu sentido. No começo da investigação científica, quando estamos no campo das interrogações, há interferência de processos psíquicos, mas que vão sendo delimitados pela demonstração formal e, quando se reconhece a verdade daquele pensamento, então se descartam os processos mentais que foram apreendidos. Citando Francisco: “Não importa os processos mentais que possibilitam o ato de pensar, mas, sim, se o que pensamos é verdadeiro ou falso.” É como uma “limpeza de terreno”, podemos classificar, pois parte-se de um ato de pensar [psíquico] para se atingir uma demonstração verdadeira que permite julgamento e asserção.

Há interesse psicológico quando raciocinamos sobre leis naturais porque há processos mentais de apreensão de pensamentos que não avançaram para os atos de julgamento e asserção[iv]. Francisco cita o uso da vacina por Louis Pasteur: ele sentiu angústia ao aplicar a vacina canina em uma criança, havia dúvida, processo psíquico, porque ainda não havia reconhecimento da verdade. Porém, uma vez concluído o processo investigativo, há uma sentença que expressa o pensamento com valor lógico independente do mundo interior dos processos psíquicos[v].

Então, há componentes lógicos e não-lógicos nos processos mentais envolvidos no procedimento científico, mas a fronteira se dá quando o processo termina, quando um juízo se manifesta. Há que ter cuidado para que os processos psicológicos não desviem a ciência da busca do ser verdadeiro. Por outro lado, a lógica não se debruça sobre o processo mental subjetivo, porque ele não provoca alteração no valor de verdade de um pensamento[vi].

Uma vez que se debruçou nos aspectos psicológicos, Francisco trata agora da mente humana, como um “lugar” com conteúdos como ideias, que são interiores, e pensamentos, que são exteriores. Encontram-se, na mente humana, tanto estados perceptivos, psicológicos e subjetivos, quanto os objetivos e lógicos. Mas é ela que os organiza para que os pensamentos sejam comunicados pela linguagem, no ato de asserção [verdadeiro[vii]] que se torna público [novamente]. Francisco defende esse aspecto psíquico[viii] na comunicação humana, mas ideias podem ser sugeridas, ao passo que os pensamentos são transmitidos. Citando: “Um pintor, um cavaleiro e um zoólogo provavelmente conectarão ideias muito diferentes para o nome ‘Bucéfalo’”. Nota-se que há várias ideias e o “sentido” é apenas indicado porque elas são interiores e não podem ser comparadas, mas têm afinidades.

Francisco sublinha que Frege não formula o conceito de mente, já que é do campo psicológico, embora os pensamentos façam parte do processo mental / psíquico, assim como as ideias – lógico e psicológico estão lado a lado na mente humana. Contudo, a capacidade mental se divide em ideias, que são abstrações mentais subjetivas e interiores; componentes não-lógicos, que são interiores, mas se expressam na linguagem, porém sem valor de verdade; e a capacidade mental especial, que são pensamentos puros e assertivos usados na lógica (o terceiro reino).

A partir dessa conceituação, Frege é considerado um antipsicologista (embora platonista[ix]...), porém Francisco traz críticas consolidadas por Vassalo, principalmente a caracterização de Margolis[x] de um antipsicologismo manco, porque não explica a natureza do terceiro reino. Frege tem teses antipsicologistas, como a fundamentação dos conceitos matemáticos, a construção da linguagem lógica e a elaboração de uma teoria do significado que eram consideradas por Putnam e Margolis componentes dos processos mentais (mundo interior). Mas Frege vai separar o conteúdo lógico da investigação psicológica em nossa mente, se os pensamentos são apreendidos do mundo exterior, usamos nossa capacidade psíquica para realizar operações numéricas, por exemplo (eles não se anulam). E mesmo em uma sentença pode haver componentes psicológicos e conteúdos lógicos, mas aí a distinção é feita pela teoria semântica.

Entretanto, a criação psíquica, considerada por Frege uma imperfeição da linguagem natural, pode ser eliminada por uma linguagem formal que expressa o pensamento puro (Conceitografia, Begriffsschrift). Assim, há um mesmo sentido objetivo partilhado (p.ex., "Alfredo não está no local X no tempo T") embora possa representar diferentes ideias subjetivas (p.ex., A imagem mental de Alfredo, ou o sentimento de alívio ou preocupação)[xi]. Se os psicologistas consideravam que todos esses processos eram mentais e internos, para Frege a apreensão do pensamento não está relacionada com componentes subjetivos que são individuais e sugeridos pela linguagem ao mundo exterior, com uma base psicológica falível.

Conforme citação de Putnam destacada por Francisco, o significado não pode ser um estado mental particular, tese psicologista, porque ele é apreendido por várias pessoas, então Frege o considera uma entidade abstrata [do terceiro reino] que é pública, ainda que apreendê-lo seja um ato psicológico individual. Assim a sentença “A lua é um satélite natural da terra” é um pensamento que pode ser apreendido, não criado pela capacidade mental humana, é reconhecido como verdadeiro [cientificamente]. Mas não se pode descartar que temos capacidade criadora de processos mentais subjetivos, os da arte poética, que Putnam parece não ter levado em conta segundo o nosso autor. Cabe ressaltar a distinção de Frege para os processos mentais: 1.) psicológicos, do mundo das sensações e sentimentos (Ψ - psi), não-lógicos, entram na linguagem natural nos processos lógicos (β - beta) e lógicos, capacidade mental especial de apreensão (λ - lambda).

Haack também foca na oposição entre lógica e processos mentais ao caracterizar Frege como antipsicologista, já que não depende de como pensamos individualmente e convencemos alguém, mas de uma lógica que é objetiva e normativa[xii].

Para terminar, vamos extrair um exercício das últimas colocações de Francisco. A sentença “A penicilina é um antibiótico” não era um pensamento de Alexander Fleming (ele mesmo disse que não a inventou, mas a descobriu), mas um pensamento que ele apreendeu do mundo exterior[xiii]. Ora, nas pesquisas, ele foi conduzido pela curiosidade que desaparece quando o pensamento é julgado verdadeiro e acaba provocando mudanças no interior de quem o apreende, embora permanecendo intocado. Por outro lado, se Fleming tivesse dito: “Impressionante, a penicilina é um antibiótico”, isto é, sugerindo algo psicológico do seu mundo interior pela linguagem natural, haveria além do pensamento verdadeiro uma sugestão psicológica que não é verdadeira nem falsa, mas que pode ser partilhada porque temos ideias aproximadas[xiv].

Então: (Ψ) a curiosidade de Fleming pertence aos processos mentais, (λ) processo mental de apreender um pensamento e (β) usar um acessório subjetivo ou ideia pertencente ao mundo interior. Tais componentes mentais podem ser distinguidos analisando-se a linguagem: para fazer ciência um fato deve ser procurado (um objeto, referência), ou seja, há semântica do sentido; para estudos da alma humana, diálogo cotidiano ou psicologia, observam-se componentes semânticos de caráter subjetivo.

Para terminar, vamos marcar esse ponto apresentado por Francisco: ao distinguir entre pensamentos e ideias Frege pode fazer uma investigação das sentenças da linguagem natural que leva em conta aspectos lógicos e não-lógicos. Então, se considerado antipsicologista, ele apresenta uma teoria semântica que se divide em uma categoria lógica e outra psicológica. Nessa dualidade, Frege também precisa fazer uma análise dos aspectos interiores para separar os conteúdos, não sem negar que, se os aspectos subjetivos predominam na criação poética, por exemplo, eles aparecem no início das investigações científicas, mas devem estar ausentes nas inferências lógicas e nos resultados das pesquisas científicas.

Originou um short: Terceiro Reino



[i] Conforme Gottlob Frege: os sentidos lógicos e psicológicos nas sentenças da linguagem natural, https://revistas.usp.br/filosofiaalema/article/view/200089, de Antonio Marcos Francisco. DOI: http://dx.doi.org/10.11606/issn.2318-9800.v27i2p.31-50. Este artigo apresenta como tema principal a teoria semântica de Frege para sentenças da linguagem natural e dos processos mentais associados à sua significação. Frege se fundamenta na análise da linguagem para distinguir na mente humana os elementos lógicos de outros de aspectos psicológicos. Portanto, nossa investigação visa apresentar nos escritos de Frege a presença de uma teoria semântica relacionada ao encanto estético da arte poética e outra lógica ou associada às investigações científicas.

[ii] De acordo com o dicionário do Google (Oxford Global Languages), lógico: cujo raciocínio é rigoroso, coerente, acertado e psicológico: pertencente à psique ou aos fenômenos mentais ou emocionais.

[iii] Marcando esse ponto, grifo 1.

[iv] Nota-se Sellars aqui: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2025/08/estruturas-perceptivas-e-inferenciais.html. Estruturas perceptivas e inferenciais.

[v] Marcando esse ponto, grifo 2.

[vi] Marcando esse ponto, grifo 3.

[vii] Interessante marcamos esse ponto de que o que se torna público, as asserções, são verdadeiras.

[viii] De certa forma se contrapondo à visão de Haack, que ele cita.

[ix] Conforme citação, Russell e Wittgenstein entenderam que a asserção fregeana tem significado do ponto de vista psicológico. Mesmo na Ideografia (Begriffsschrift) pode-se encontrar uma concepção tradicional e psicologista da lógica, mantendo-se a tensão com o psicologismo.

[x] Joseph Zalman Margolis (16 de maio de 1924 – 8 de junho de 2021) foi um filósofo americano. Um historicista radical, ele escreveu muitos livros que criticavam os pressupostos centrais da filosofia ocidental e elaborou uma forma robusta de relativismo. https://en.wikipedia.org/wiki/Joseph_Margolis.

[xi] Exemplos da IA.

[xii] Para Peirce, de acordo com Haack, a lógica é normativa e prescreve como devemos pensar. Já para a Kant, a lógica descreve como realmente pensamos ou devemos pensar, nesse caso um psicologismo forte, já o de Peirce um psicologismo fraco.

[xiii] Seu valor de verdade é independente do estado psicológico de Fleming.

[xiv] Há afinidade, não identidade.

terça-feira, 30 de setembro de 2025

Homeomerias

Verifica se a neve é preta[i]

Resumo: O texto aborda as ideias filosóficas de Anaxágoras, um filósofo pré-socrático que influenciou Sócrates. Anaxágoras é conhecido por sua teoria de que todas as matérias contêm sementes de todas as outras matérias, e que a matéria pode ser dividida infinitamente (tudo está em tudo). Ele também introduziu o conceito de "nous" (espírito), que é a única substância pura e responsável pelo movimento e organização do universo.

<<O tempo estimado para leitura é de ~ 6 minutos e vale a pena pois oferece a visão inovadora de Anaxágoras sobre a matéria e o espírito>>

Anaxágoras, que passou pela Grécia no chamado século de ouro[ii] e foi acusado de impiedade[iii], é conhecido por ter levado a filosofia para Atenas e influenciado Sócrates. Ele é um dos filósofos da natureza (filósofos físicos) e se pergunta como a carne pode vir da não carne, isto é, do pão. Ora, somos feitos de carne e ossos, mas não comemos carne e ossos, comemos pão e bebemos água. A partir disso, ele acreditava que um elemento não pode ser transformado em outro, então nos alimentos deveria haver partes que produzem sangue e tendões, por exemplo.

Para ele, em cada porção de matéria, seja pão ou ferro, haveria pequenas sementes de todas as outras matérias, pedacinhos pequenos de carne, osso, ferro, sangue e assim por diante. E isso, para ele, era uma necessidade lógica. Havia infinitas coisas e infinitamente minúsculas em cada matéria, por menor que fosse ainda haveria infinitas partículas. Tudo infinitamente misturado e indistinto, todas as coisas contidas em tudo. Assim, não há vazio, há um todo pleno, mas misturado, já que em uma mínima partícula de ferro haveria infinitas incontáveis partículas de tudo[iv].

Dessa maneira, Anaxágoras rompe com o pensamento de haver um, dois ou quatro elementos, vigente na época[v]. Os elementos de Empédocles, conforme citação de Aristóteles em “Do Céu”, ar ou fogo, já seriam uma combinação de partículas que o estagirita chamou de homeomerias[vi], coisas homogêneas em si[vii]. Importa ressaltar, como Fontes nos lembra, que hoje sabemos que há em torno de cem elementos na natureza (os elementos químicos), isto é, nem tão pouco e nem infinitos.

Na discussão da época, Demócrito e Leucipo pensavam que um objeto seria dividido até o ponto do átomo porque o ser deveria ser indivisível, já Anaxágoras planteou que a matéria poderia ser dividida infinitamente. De outro lado, também não há limite de grandeza. E a matéria sempre permanece quando um corpo nasce ou morre: nada se cria ou se perde, ao contrário, se une ou se separa (conforme nota 4).

Porém, há um princípio movente, o espírito que existe sozinho, de per si. A única coisa pura, o nous, é um tipo de matéria que não se mistura e, assim, age de modo livre e dirige a vida. O nous é sutil e beira o imaterial, ele tudo permeia. Foi ele que deu o impulso inicial, como um turbilhão, movimento rotatório que vai movendo e expandindo e notamos aqui, como ressalta Fontes, a base física [dos filósofos físicos] da cosmologia de Anaxágoras. O espírito faz a matéria se mover de forma rotatória, circular e que tem a capacidade de continuar indefinidamente, aí até chegar na revolução dos astros[viii].

Diferentemente, então, das outras substâncias nas quais tudo está misturado (homeomerias), mas uma coisa se destaca por exemplo, no algodão há mais predominância de algodão, o espírito é todo igual. E é eterno, presente em tudo e transformando tudo. Segundo a interpretação de Teofrasto, haveria apenas dois primeiros princípios presentes na visão de Anaxágoras: a substância do infinito e o Espírito. Um dualista: matéria misturada [passiva] e o princípio movente indistinto.

Para Aristóteles, na Física, a visão infinita de Anaxágoras adviria de que nada nasce do não-ser, as coisas nascem a partir de mudanças qualitativas; de um contrário provem o outro sem mudar em si, apenas “mostrando outra face”, poderíamos dizer. Essa é uma visão física que se aproxima da de Parmênides, na medida que nega o não-ser, as coisas nascem do que já existe, coisas muito pequenas que nos são imperceptíveis, mas cada coisa já contém tudo, tudo já está lá. Fontes cita uma crítica jocosa de que, para Anaxágoras, a neve até poderia ser preta, porque todas as cores estariam presentes em todas as coisas, embora o branco se destaque (tudo em tudo e nada vem do nada).

Fontes nos lembra uma crítica socrática, também, de que o espírito em Anaxágoras não é um princípio inteligente porque ele age somente no início fazendo com que as coisas se separem e se consolidem: a terra se solidifica, a água se separa das nuvens, mas de forma “cega”, sem um princípio racional. O espírito, assim como a matéria, é infinito e poderia haver outros lugares como o nosso, que tenham sofrido o mesmo processo de separação, que tenham um sol, uma lua e pessoas vivendo do modo como vivemos[ix].

Por outro lado, ele acreditava que a terra era plana, já que a ideia pitagórica de que a terra é redonda ainda não tinha sido difundida. Ela flutuaria no ar, infinito, que a seguraria. Anaxágoras enfatiza o ar e o éter, que circundam o mundo[x]. Há teorizações sobre as estrelas, eclipse e outras proposições como os animais tendo surgido da umidade, ainda arcaicas dado o desenvolvimento embrionário da ciência, mas já próximas do que postula o conhecimento científico atual. Por fim, fontes ressalta que os pré-socráticos são considerados dogmáticos porque afirmam suas ideias e, nesse sentido, são pouco influenciados pelo ceticismo, embora Anaxágoras já tenha produzido uma teoria da percepção e deficiência dos sentidos.



[i] Fichamento-resumo de Anaxágoras – Espírito e Matéria: https://www.youtube.com/watch?v=FhhKDAiv4jk, canal Filosofia Clássica. Vale ver a aula para conferir as citações e sua parte visual – professor Fabrício Fontes - https://www.escavador.com/sobre/4764661/fabricio-soares-santos-fontes.

[ii] Atenas do século V, entre 480 e 404 a.C., ficou conhecida como a Era de Ouro de Atenas, sendo a última parte a Era de Péricles, foi impulsionada pela hegemonia política, crescimento econômico e florescimento cultural.

[iii] Por ter negado a divindade do Sol, pois o via como uma pedra incandescente.

[iv] A única resposta logicamente satisfatória para ele era: o pão já deveria conter sementes (ou "homeomerias") de carne, osso e sangue em quantidades muito pequenas. O processo de nutrição e crescimento seria apenas o isolamento e a organização dessas sementes que já estavam lá. Em essência, ele resolveu o problema da mudança: a mudança não é a criação de algo novo do nada, mas sim a reorganização de elementos que já existiam na mistura. (Gemini https://g.co/gemini/share/d8f7d7fd858b)

[v] Ruptura com a Tradição Elementar. Anaxágoras é classificado como um filósofo pluralista, e sua ruptura se deu contra as escolas monistas (Um Elemento): Filósofos como Tales (água), Anaxímenes (ar) e Heráclito (fogo) buscavam a Arché (princípio originário) em um único elemento e dualistas/pluralistas Limitados (Dois ou Quatro Elementos): Empédocles, por exemplo, estabeleceu os famosos quatro elementos (terra, água, ar e fogo) como os princípios básicos imutáveis da realidade. Anaxágoras, ao postular que a matéria não se resume a quatro elementos, mas sim a uma infinidade de sementes com diferentes qualidades (haveria sementes de ouro, sementes de pedra, sementes de carne, e assim por diante), introduziu um grau de pluralismo qualitativo muito mais radical. Para ele, os elementos de Empédocles eram apenas substâncias complexas e perceptíveis, e não os verdadeiros constituintes últimos e eternos da realidade. (Gemini https://g.co/gemini/share/d8f7d7fd858b)

[vi] Anaxágoras chamava essas substâncias de sementes ou espermata.

[vii] Uma homeomeria (omoioméreia) é toda parte elementar igual ao conjunto que com outras partes conforma, em onde o todo composto pelas partes é similar às partes mais elementares e indivisíveis da matéria (https://pt.wikipedia.org/wiki/Homeomeria).

[viii] Cabe ressaltar que esse movimento rotatório se expande indefinidamente e, através da força centrífuga, começa a separar e ordenar a matéria. Onde antes havia apenas a mistura, agora a matéria mais densa e pesada é jogada para o centro (formando a Terra), e a mais sutil e leve é expelida para a periferia (formando o ar, o éter e os astros). (Gemini https://g.co/gemini/share/d8f7d7fd858b)

[ix] A possibilidade de outros lugares iguais ao nosso também estaria presente na teoria de Anaximandro, conforme o autor.

[x] Ar e éter remetem diretamente à forma como Anaxágoras descreveu o resultado do grande turbilhão cósmico iniciado pelo Nous. Em sua cosmogonia, o ar e o éter surgem como as substâncias que foram separadas da mistura primordial: a Matéria Pesada (Terra): durante o movimento rotatório, a matéria densa e úmida foi forçada para o centro, resultando na formação da Terra. O Ar e o Éter, matérias mais leves e sutis (que eram originalmente "quentes, secos, brilhantes e tênues") foram expelidas para a periferia pelo movimento giratório. Essa matéria leve deu origem ao Ar (a camada mais próxima da Terra) a ao Éter (a camada mais externa e rarefeita, onde os corpos celestes se formaram). Para Anaxágoras, os astros (como o Sol e a Lua) eram pedras incandescentes que foram arrancadas da Terra e, graças ao movimento acelerado do éter, foram arremessadas para o espaço. O calor dos astros vinha da velocidade do movimento e da fricção com o éter. Portanto, o ar e o éter são elementos cruciais na física de Anaxágoras, pois representam as porções mais leves e quentes da matéria que foram separadas para formar o cosmos ordenado. Gemini https://g.co/gemini/share/d8f7d7fd858b)

quinta-feira, 25 de setembro de 2025

Aspectos de Lógica Elementar - parte 1

Aspectos de Lógica Elementar[i]

Resumo. Esse texto condensa aspectos fundamentais de lógica a partir de um resumo de um manual de lógica, o manual de Desidério e o resumo de Polónio. A lógica analisa os raciocínios, coisa típica do ser humano, coisa que usamos no dia a dia. Mas não se fala só de lógica porque aqui estamos em um espaço de reflexões filosóficas[ii].

Capítulo 1: Lógica. Polónio inicia sua análise da obra de Desidério abordando o raciocínio como “tentativa” de provar uma conclusão baseando-se em premissas. Grande parte do nosso conhecimento é obtido raciocinando-se em busca da verdade sem querer convencer alguém. Por outro lado, quando ser raciocina por meio de argumentos, primeiro visamos persuadir alguém a aceitar uma conclusão já estabelecida[iii]. Um raciocínio é composto por frases articuladas, entidades físicas que, quando usadas para asserir, são declarativas e têm valor de verdade; caso contrário são absurdas, um mero jogo de palavras. Na filosofia, o conteúdo de uma frase declarativa é chamado, embora não consensualmente, de proposição.

Um ponto de atenção, é que os raciocínios estão embutidos em discursos – há que procurá-los, verificando-se o que desempenha papel inferencial, os chamados indicadores de inferência. Por exemplo: os indicadores “logo” e “portanto” podem indicar uma conclusão enquanto que “porque” e “dado que” normalmente indicam premissas. Ocorre que há um trabalho interpretativo nessa busca já que esses indicadores podem não ser evidentes, e precisamos encontrar as premissas e conclusões para que possamos representar a expressão canônica do raciocínio, eliminando o que for dispensável ou ressaltando o que está oculto, para decidirmos se ele é bom, ou seja, cogente[iv].

Raciocínios cogentes têm validade, conceito fundacional da lógica, que significa que têm valor, isto é, a conclusão não é falsa se conhecemos as condições de verdade das premissas e sabemos que são verdadeiras[v]. Importa, mais do que saber se uma frase isolada do raciocínio tem uma verdade atual, saber as condições de verdade das premissas para que não se tenha conclusão falsa. Citando: “A validade é o que permite descobrir o que antes não se sabia com base no que se sabia”. Porém, mais do que isso, um raciocínio cogente envolve a articulação das frases, não só a verdade de cada uma delas, isto é, só ter premissas verdadeiras não é suficiente.

Para evitar que um raciocínio seja circular, então, as premissas devem ser mais plausíveis do que a conclusão. Mas, plausibilidade envolve vários fatores, já que é um juízo de probabilidade com base no contexto e informações de fundo e traz a dificuldade de se chegar a um consenso. Segundo ponto e fundamental: deve ser plausível para o interlocutor e isso envolve conhecer o que é relevante para ele e tentar provar uma conclusão que seja válida, mesmo que inicialmente não aceita por ele. Isso é persuasão e se funda em premissas que, bem plausíveis, levam inevitavelmente à conclusão.

Capítulo 2: Verofuncionalidade. Raciocínios têm uma estrutura de frases que lhe são comuns e que explicitam sua forma lógica e ela deve ser suficiente para indicar se ele é válido ou não. A lógica clássica é, assim, uma lógica formal e ela se inicia com a lógica proposicional que Desidério prefere que seja chamada de lógica verofuncional já que proposição é uma noção em disputa; e depois continua com a lógica quantificada. A lógica verofuncional se limita a validar raciocínios cujas condições de validade se dão por cinco operadores de formação de frases, ou conectivas, que são a negação (operador unário), conjunção, disjunção, condicional e bicondicional (equivalência).

Polónio destaca um ponto que Desidério chama a atenção: se os indicadores de inferência permitem formar frases a partir de frases, o papel semântico das conectivas é o de formar raciocínios, encadeamento de frases, cujo valor de verdade se determina exclusivamente pelo valor de verdade delas, que podem ser analisados por tabelas de verdade[vi]. Então, os operadores funcionam como funções matemáticas cujos valores de saída (no caso, valores de verdade) são determinados pelos valores de entrada. E esses cinco operadores verofuncionais são poderosos porque se aplicação não somente a frases binárias, com dois componentes, mas a ternárias e assim por diante.

Para se provar a validade de raciocínios verofuncionais por tabelas de verdade (ou validade), devemos reescrever o raciocínio na forma canônica, conforme dito no capítulo 1, depois as frases elementares com valor de verdade são representadas por letras minúsculas, para daí se construir sequências de tabelas de verdade para as premissas e a conclusão e, por fim, verificar se em alguma linha há conclusão falsa, o que quer dizer que há pelo menos uma premissa falsa; caso contrário, o raciocínio é válido: se todas as premissas são verdadeiras a conclusão também o é. Reverberemos junto com os autores: o exame prova que a conclusão é verdadeira e que podemos, então, tentar descobrir se as premissas são, de fato, verdadeiras e aí a conclusão também será.

Por fim Polónio trata das falácias, raciocínios que parecem cogentes, mas não o são. Ele argumenta que as tabelas de validade são instrumentos certeiros para identificar raciocínios verofuncionais[vii] sem validade, não somente mero exercício extravagante de lógica. Mas, somente a forma lógica não é capaz de provar a validade em casos em que há falta de clareza onde é capaz que nem o próprio autor saiba o que tem em mente[viii].

Capítulo 3: Derivações. A derivação, conforme define Polónio, é um processo de demonstração ou prova formal por regras de inferência, como substituição ou reductio. Por exemplo, podemos ter raciocínios com premissas inconsistentes que são chamados de vacuamente válidos[ix], mas que podem ser bloqueados mudando-se a definição de validade, porém, segundo o autor, seria difícil tratar derivações vácuas com a lógica clássica.

Capítulo 4: Quantificação. A lógica quantificada clássica estende a lógica verofuncional incluindo o raciocínio quantificado, quando se usam predicados, nomes próprios e quantificadores, além dos operadores verofuncionais, mas sem aumentar o poder inferencial. É o quantificador universal “todos” e o quantificador existencial “pelo menos um” que abreviam conjunções e disjunções. Admitindo-se um domínio de quantificação com dois particulares, quando todos têm certa propriedade, um e o outro a tem, quando pelo menos um a tem, um ou outro a tem.

Capítulo 5: Identidade. É o conceito de identidade – relação e que permite formar frases verdadeiras se atribuída ao mesmo particular, que amplia a verofuncionalidade. As frases de identidade têm a forma lógica a = b, como em “Vênus é a Estrela da Manhã”, que é uma identidade numérica e se refere a apenas um particular, mesmo que seja referido por nomes próprios diferentes. Já a identidade qualitativa refere diferentes particulares que partilham várias propriedades como dois átomos de hidrogênio[x].

Se um nome próprio se refere a um particular, ele não o faz por predicados, isso é papel da descrição definida. “Francisco” é um nome próprio que pode se referir a um particular ao passo que “o primeiro Vice-rei da Índia” é uma descrição definida que se refere a um particular usando um atributo (predicado)[xi].

Como a relação de identidade tem as propriedades lógicas de reflexão, simetria e transitividade, Polónio levanta o problema do domínio do vazio que a lógica quantificada clássica trata adequadamente. Já na identidade, a reflexividade (x = x) deixa de ser verdadeira porque, sendo uma afirmação existencial, isto é, do tipo “existe pelo menos um x tal que x=x”, se o domínio é vazio, não há nenhum x para satisfazer a fórmula[xii].

Por fim, Desidério tratará, de acordo com Polónio, da substituição de idênticos que afirma que se a = b, eles podem ser intercambiáveis em qualquer frase mantendo-a válida. É a regra da substituição de idênticos salva veritate, também chamada “princípio da indiscernibilidade de idênticos”[xiii].

Capítulo 6: Árvores. Polónio cita brevemente as árvores de verdade como ferramenta que pode provar tanto a validade quanto a invalidade dos raciocínios, coisa que as derivações não conseguem porque não sabemos se ainda haveria outra derivação a ser descoberta. Elas podem ser aplicadas nas lógicas verofuncional e clássica, além de suportar a regra da substituição de idênticos, embora trabalhe sempre por reductio[xiv].



[i] Resumo de Lógica Elementar: Raciocínio, linguagem e realidade de Desidério Murcho, por Artur Polónio em https://criticanarede.com/logicaelementar.html.

[ii] Capítulo 1: Lógica, Capítulo 2: Verofuncionalidade, Capítulo 3: Derivações, Capítulo 4: Quantificação, Capítulo 5: Identidade, Capítulo 6: Árvores, Capítulo 7: Modalidade, Capítulo 8: Além da linguagem, Apêndice: Lógica aristotélica. Aqui não trataremos dos últimos 3 capítulos: o capítulo 7 trata da lógica modal alética que é uma extensão da lógica clássica e introduz os conceitos de necessidade e possibilidade para analisar como as frases podem ser verdadeiras, distinguindo a verdade contingente da verdade necessária, com o auxílio da linguagem dos mundos possíveis. O capítulo 8 procura mostrar que o raciocínio, seja dedutivo ou indutivo, depende de provas falíveis e exige a busca contínua por erros e novas informações, ajustando crenças à realidade para alcançar o conhecimento. Por fim, o apêndice diz que a lógica aristotélica, embora inovadora e influente por séculos, possui limitações como a dificuldade em lidar com termos vazios e a distinção entre sujeitos e termos sujeitos, o que faz com que seja considerada, hoje, uma investigação de alcance limitado.

[iii] Em suma, enquanto todo argumento é um tipo de raciocínio, nem todo raciocínio é um argumento. A diferença fundamental está na intenção: descobrir a verdade versus persuadir alguém (https://g.co/gemini/share/4d29cd75b525).

[iv] Cogente: adjetivo de dois gêneros. 1. Cuja veracidade satisfaz de maneira total e coerciva o entendimento ou o intelecto (ex.: argumento cogente). 2. Que coage ou constrange. Etimologia: latim cogens, -entis, particípio presente de cogo, -ere, constranger, forçar, restringir. "cogente", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2025, https://dicionario.priberam.org/cogente.

[v] Raciocínios também têm todas as premissas verdadeiras, premissas mais plausíveis do que a conclusão e paridade epistêmica.

[vi] Conforme definição que Polónio traz da citação de Desidério: “Um operador verofuncional pode agora ser definido da seguinte maneira: Um operador de formação de frases é verofuncional se e somente se o valor de verdade da frase que o tenha como operador principal for exclusivamente determinado pelo valor de verdade da frase ou frases sem ele”.

[vii] Há raciocínios dedutivos, do geral ao particular e indutivos, do particular ao geral, por exemplo, conforme O Google.

[viii] No próximo capítulo Polónio enfatizará limitações das tabelas de validade, como quando há mais de quatro frases elementares ou a ausência de um método para, partindo de premissas chegar validamente à conclusão. Seu papel seria de clarificar conceitos como validade e forma lógica.

[ix] Em conversa com o assistente de IA da Google, parece que os raciocínios vacuamente válidos, que ocorrem na lógica proposicional, se fiam na implicação “se P, então Q” P → Q, que só é falsa se quando P é verdadeiro e Q é falso. Se P é falso, por exemplo quando as premissas são inconsistentes ou contraditórias, não importa Q, isto é, a afirmação é sempre verdadeira. É uma implicação material entre P e Q, não uma relação de causa e efeito ou algo que tenha sentido. A matéria, nesse caso, são os valores de verdade e não tem a ver com o significado da relação entre as proposições. É o caso de "Se a Terra é plana, então o céu é verde".

[xi] Conforme Polónio, Russell via as descrições definidas como conjunções existencialmente quantificadas, com uma forma lógica própria. Sobre esse tema já falamos: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2023/06/quem-e-o-homem-no-canto-da-sala-bebendo.html, https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2023/02/descritivismo.html, https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2022/07/fontes-iniciais-da-filosofia-analitica.html.

[xii] Com apoio do Gemini (https://g.co/gemini/share/2db637646756), embora haja possíveis soluções para este problema / paradoxo.

[xiii] Princípio da indiscernibilidade de idênticos: ou “Discernibilidade de Não-Idênticos”? https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2025/04/superparticulares.html.

[xiv] Conforme Gemini (https://g.co/gemini/share/0cb21fa851a0): o método é uma prova por contradição (reductio ad absurdum). Ele não constrói a derivação lógica passo a passo que leva das premissas à conclusão. Em vez disso, ele assume a negação da conclusão e tenta mostrar que essa suposição leva a uma contradição com as premissas. Se uma contradição é encontrada, a negação da conclusão é falsa, o que significa que a conclusão original deve ser verdadeira.

sábado, 6 de setembro de 2025

Sobre viseiras

Como atalhos mentais podem afetar a tomada de decisão[i]

MacKay define heurísticas como sendo alguns atalhos mentais que nosso cérebro desenvolveu para lidar com a enorme quantidade de informações que nos chega e que podem ser caracterizadas como atalhos mentais que fazem com que tomemos decisões através deles nos fazendo crer que estamos agindo com a mente desimpedida quando na verdade deveríamos estar buscando um processo cognitivo mais amplo. Dentre esses atalhos que nos impedem de atingir todo o nosso potencial, o autor destaca alguns vieses cognitivos que vamos examinar.

O viés de confirmação é uma tendência que nossa mente tem de tratar as informações de forma que confirme nossas percepções e crenças pré-existente e não de modo que as negue, e isso faz parte da natureza humana[ii]. Desse modo, parece que somos racionais e não tendenciosos, quando na realidade estamos somente replicando uma rotina sem nos questionar sobre o que estamos fazendo e por quê.

O viés de ancoramento[iii] se fia nas informações que recebemos primeiro, isto é, nossa mente trabalha de forma relativa e não objetiva. Isso pode explicar, por exemplo, o caso de estereotipar as pessoas que conhecemos já que confiamos nas primeiras impressões, ou na âncora que agarra nosso ponto de vista. Isso mostra que a primeira mensagem é sempre muito influenciadora.

O viés de conformidade vai na linha de escolher conforme as massas, mesmo que contra nosso juízo, conforme citação: “O oposto da coragem não é a covardia, é a conformidade. Até um peixe morto consegue seguir junto com o fluxo.”[iv] É o famoso pensamento de manada que suprime opiniões, fazendo com que nos autocensuremos e bloqueemos nossa criatividade individual.

O viés do sobrevivente faz com que olhemos para as pessoas que se sobressaem sem prestar atenção nos que não aparecem. Porém é uma minoria extrema que é bem-sucedida e uma fórmula de sucesso é único, dificilmente replicável.

A aversão à perda aparece depois que já escolhemos um caminho e mostra que evitamos perdas mais do que focamos em ganhos potenciais, isto é, somos avessos ao risco por medo de perder o que já temos.

MacKay conclui ressaltando que os vieses cognitivos são essenciais para o funcionamento do cérebro, mas que os compreender lança luz sobre processos decisórios. E deixa algumas perguntas que tentam nos livrar das viseiras e da conveniência cognitiva: “Por que acredito que é assim ou assado?”; “Quais são os argumentos contrários a minha opinião? Serão eles válidos?”; “Quem está influenciando minhas crenças?”; “Estou seguindo o pensamento do grupo porque realmente acredito nele?”; “O que poderei perder se fizer essa decisão? O que poderei ganhar?”



[i] Conforme https://papodehomem.com.br/os-vieses-cognitivos-que-estao-acabando-com-seu-poder-de-decisao/, acessado em 3 de setembro de 25: “Os vieses cognitivos que estão acabando com seu poder de decisão”.

[ii] Conforme a referência https://explorable.com/confirmation-bias, Confirmation Bias. No processo de descobrir um enigma, insistimos em seguir as nossas regras ao invés de, finalmente, descobrir a regra.

[iii] The weird science behind first impressions: https://thenextweb.com/news/weird-science-first-impressions. Nem todas as nossas decisões são racionais já que, quase sempre, as tomamos rapidamente ou até inconscientemente (cognição rápida). É o fatiamento fino, um conceito do livro Blink de Malcolm Gladwel e que pode ser oriundo de uma série de situações nas quais temos que ficar alertas. É um tipo de atalho mental que faz com que gostemos ou não de algo em segundos, mesmo sem julgamento racional ou consciente, conforme citação de Daniel Kahneman. Somos influenciados pelo que já conhecemos ao invés de nos abrirmos para novos fatos e tendemos a ignorar novas informações sobre as pessoas que estamos conhecendo, reforçando nosso julgamento enviesado. MacKay cita um estudo de Harvard que mostra que somos influenciados por traços faciais quando conhecemos novas pessoas e como é importante nos preparamos para causar uma boa impressão. Por exemplo, há um viés cognitivo causado pelo “efeito halo”, qual seja, parecermos amigáveis em um primeiro encontro faz com que nos abramos para os outros. Por outro lado, saber antecipadamente do que uma pessoa gosta pode nos ajudar a criar conexões ou nos reconectarmos com algum desafeto. Por fim, ser um bom ouvinte pode ajudar a conquistar amizades.

[iv] De Jim Hightower, (https://en.wikipedia.org/wiki/Jim_Hightower), nascido em 11 de janeiro de 1943 é um colunista sindicalizado americano, ativista político progressista e autor 

domingo, 31 de agosto de 2025

Física e metafísica

Entre conceitos e a realidade

Todos nós cremos saber que a física é a ciência que trata das leis da natureza. Mas, espera aí, natureza? O que é isso? Ora, é a partir dessa questão que podemos falar da metafísica. A natureza é “apenas” um conceito físico ou é de fato uma “realidade” do mundo? Massa, gravidade, elétron e tantas outras quantidades, forças e partículas. São todos termos dos quais a física se utiliza para formular suas equações, mas se trata de abstrações ou de coisas? Diga-me, o que são elétrons? Alguém já viu algum deles por aí?

Podemos remeter a origem da metafísica a Aristóteles. Conta-se que Andrônico de Rodes, ao classificar as obras do estagirita, colocou a filosofia primeira depois das obras de física, Meta[i] Física, ou seja, "depois da Física"[ii]. Se o prefixo “meta” pode significar “além” da física, isto é, algo de outra esfera, quiçá não física, na verdade isso não passaria de uma convenção: o texto “depois” da física. Nos tratados aristotélicos, a física era a filosofia natural[iii], que se ocupava das ciências em geral: matemática, biologia, entre outras, mas a metafísica examinava a realidade última do mundo[iv].

A metafísica grega, então, tinha por propósito qualificar a physis[v] e havia diversas formulações, principalmente entre os chamados pré-socráticos. Para Parmênides, o ser era uno, imutável e Heráclito postulou que tudo estava em constante mudança[vi]. Já Platão acreditava numa realidade de essências da qual o nosso mundo sensível (aqui de baixo?) seria uma mera cópia[vii].

Durante a idade média, pode ser que a metafísica tenha se confundido com a religião e, no renascimento, houve tentativas de separar física e metafísica até que os positivistas do início do século passado resolveram que ela deveria ser abolida, que se perdia em discussões infindáveis e que atrapalhavam a ciência[viii]. Mas, dá para fazer física sem metafísica? É possível defender uma teoria, como a quântica, sem falar sobre a “realidade” das coisas?

Se parece que metafísica é um mito, uma boa porcentagem dos pesquisadores atualmente a endossam[ix]. Afinal, como podemos falar da consciência do observador[x]? É um tanto complicado, porém, em um sistema quântico, as partículas estão dispersas e não temos certeza de onde elas estão, até que a vejamos. Acontece que esse ver, não é o ver da consciência, pode ser um aparelho de medição, mas é nesse momento que elas assumem um estado. Interessante né? Mas tudo isso são conceitos, apenas?

Voltemos à questão inicial: natureza, o que é? Para um povo originário austral-andino a natureza é uma divindade, para os animais é seu habitat primordial, mas, para um engenheiro civil ela é fonte de matéria-prima. Na física quântica a matéria é ondulatória, mas até que estágio, ou, até que tamanho de objeto as leis quânticas se aplicam? São questões que estão para além da física.

Um sistema físico, da mecânica moderna é determinado. Mas o mundo é determinado ou há livre-arbítrio? São perguntas que devem estar entrelaçadas, são questões de “realidade” com as quais uma física responsável deveria se comprometer. Afinal, não há ciência neutra como quiseram nos fazer crer alguns, já que o juízo de valor está na base de qualquer ação humana.



[i] Esse prefixo pode ter vários significados: “atrás, depois”; “alterado, mudado”; “além, mais alto’; “no meio de, à busca de”. Deriva do Indo-Europeu ME-, “meio”. https://origemdapalavra.com.br/palavras/meta/.

[iv] “Uma metafísica é uma teoria que visa explicar a totalidade das coisas ou do que o mundo é feito, a chamada mobília do mundo”, https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2024/11/alma-feliz.html.

[v] “A pergunta grega clássica “o que é?” revela a physis como substrato por detrás da aparência e que é uma crença básica, anterior ao discurso. Para os gregos, há uma crença na certeza do mundo de onde vem o espanto e a pergunta pelo ser. É a metafisica de Aristóteles, a teoria grega da realidade radical, teoria ontológica que mostra a substância por detrás da aparência.”, https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2021/03/girando-em-torno-da-metafisica.html.

[vi] “Conforme explica Costa, há em Parmênides uma separação entre o conhecimento que vem do ser e o erro causado pelo não ser. Conhece-se o imutável e coloca-se em xeque o mundo da mudança heraclitiano, embora para Heráclito o fundamento último por trás dessa realidade é a razão (logos).”, https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2025/02/o-problema-de-parmenides.html.

[vii] Para Platão, o mundo suprassensível das ideias é o real ao passo que nosso mundo dos sentidos é uma cópia, o que nos levaria a buscar por esse conhecimento beirando um misticismo. Porém, Russell enfatiza que na verdade sua base é lógica e entende as ideias de Platão como universais, em oposição ao particular dado pelos sentidos, e compartilhado por eles, https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2019/06/russell-platonicoi.html.

[viii] “Como principal crítica, os positivistas consideravam as proposições metafisicas como desprovidas de significado, sem conteúdo cognitivo. A base do ataque era lógica e se fundava no critério de verificabilidade da significação, para o qual proposições devem ser [francamente] verificáveis [em princípio] para poderem ter significado, como o são as da matemática e lógica e não as da metafísica”, https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2020/10/o-programa-do-positivismo-logico-i.html.

[ix] Esse dado vem de “Workshop de Filosofia da Física | Osvaldo Pessoa e Vinicius Carvalho”, que motiva essa reflexão e que pretendemos investigar: https://youtu.be/XROQzuXdt5I.

[x] O observador na Física Quântica: o que é mito e o que é ciência, https://youtu.be/D1Hyw9AbLSE.