Entre conceitos e a realidade
Todos nós cremos saber que a física
é a ciência que trata das leis da natureza. Mas, espera aí, natureza? O que é
isso? Ora, é a partir dessa questão que podemos falar da metafísica. A
natureza é “apenas” um conceito físico ou é de fato uma “realidade” do mundo?
Massa, gravidade, elétron e tantas outras quantidades, forças e partículas. São
todos termos dos quais a física se utiliza para formular suas equações,
mas se trata de abstrações ou de coisas? Diga-me, o que são elétrons? Alguém já
viu algum deles por aí?
Podemos remeter a origem da metafísica
a Aristóteles. Conta-se que Andrônico de Rodes, ao classificar as obras do estagirita,
colocou a filosofia primeira depois das obras de física, Meta[i] Física, ou seja,
"depois da Física"[ii]. Se o prefixo “meta” pode
significar “além” da física, isto é, algo de outra esfera, quiçá não física,
na verdade isso não passaria de uma convenção: o texto “depois” da física.
Nos tratados aristotélicos, a física era a filosofia natural[iii], que se ocupava das
ciências em geral: matemática, biologia, entre outras, mas a metafísica
examinava a realidade última do mundo[iv].
A metafísica grega, então, tinha
por propósito qualificar a physis[v] e havia diversas
formulações, principalmente entre os chamados pré-socráticos. Para Parmênides,
o ser era uno, imutável e Heráclito postulou que tudo estava em constante
mudança[vi]. Já Platão acreditava numa realidade de essências da qual o nosso mundo sensível (aqui de baixo?) seria
uma mera cópia[vii].
Durante a idade média, pode ser que a
metafísica tenha se confundido com a religião e, no renascimento, houve
tentativas de separar física e metafísica até que os positivistas do início do
século passado resolveram que ela deveria ser abolida, que se perdia em
discussões infindáveis e que atrapalhavam a ciência[viii]. Mas, dá para fazer
física sem metafísica? É possível defender uma teoria, como a quântica, sem
falar sobre a “realidade” das coisas?
Se parece que metafísica é um mito,
uma boa porcentagem dos pesquisadores atualmente a endossam[ix]. Afinal, como podemos
falar da consciência do observador[x]? É um tanto complicado,
porém, em um sistema quântico, as partículas estão dispersas e não temos certeza
de onde elas estão, até que a vejamos. Acontece que esse ver, não é o ver da
consciência, pode ser um aparelho de medição, mas é nesse momento que elas
assumem um estado. Interessante né? Mas tudo isso são conceitos, apenas?
Voltemos à questão inicial: natureza, o
que é? Para um povo originário austral-andino a natureza é uma divindade, para
os animais é seu habitat primordial, mas, para um engenheiro civil ela é fonte
de matéria-prima. Na física quântica a matéria é ondulatória, mas até que
estágio, ou, até que tamanho de objeto as leis quânticas se aplicam? São
questões que estão para além da física.
Um sistema físico, da mecânica moderna é
determinado. Mas o mundo é determinado ou há livre-arbítrio? São perguntas que
devem estar entrelaçadas, são questões de “realidade” com as quais uma física
responsável deveria se comprometer. Afinal, não há ciência neutra como quiseram
nos fazer crer alguns, já que o juízo de valor está na base de qualquer ação
humana.
[i] Esse prefixo pode ter vários
significados: “atrás, depois”; “alterado, mudado”; “além, mais alto’; “no meio
de, à busca de”. Deriva do Indo-Europeu ME-, “meio”. https://origemdapalavra.com.br/palavras/meta/.
[iii] https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2024/08/a-terceira-margem-do-rio.html,
conforme nota 7.
[iv] “Uma metafísica é uma teoria que
visa explicar a totalidade das coisas ou do que o mundo é feito, a chamada
mobília do mundo”, https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2024/11/alma-feliz.html.
[v] “A pergunta grega clássica “o que
é?” revela a physis como substrato por detrás da aparência e que é uma crença
básica, anterior ao discurso. Para os gregos, há uma crença na certeza do mundo
de onde vem o espanto e a pergunta pelo ser. É a metafisica de Aristóteles, a
teoria grega da realidade radical, teoria ontológica que mostra a substância
por detrás da aparência.”, https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2021/03/girando-em-torno-da-metafisica.html.
[vi] “Conforme explica Costa, há em
Parmênides uma separação entre o conhecimento que vem do ser e o erro causado
pelo não ser. Conhece-se o imutável e coloca-se em xeque o mundo da mudança
heraclitiano, embora para Heráclito o fundamento último por trás dessa
realidade é a razão (logos).”, https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2025/02/o-problema-de-parmenides.html.
[vii] Para Platão, o mundo
suprassensível das ideias é o real ao passo que nosso mundo dos sentidos é uma
cópia, o que nos levaria a buscar por esse conhecimento beirando um misticismo.
Porém, Russell enfatiza que na verdade sua base é lógica e entende as ideias de
Platão como universais, em oposição ao particular dado pelos sentidos, e
compartilhado por eles, https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2019/06/russell-platonicoi.html.
[viii] “Como principal crítica, os
positivistas consideravam as proposições metafisicas como desprovidas de
significado, sem conteúdo cognitivo. A base do ataque era lógica e se fundava
no critério de verificabilidade da significação, para o qual proposições devem ser
[francamente] verificáveis [em princípio] para poderem ter significado, como o
são as da matemática e lógica e não as da metafísica”, https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2020/10/o-programa-do-positivismo-logico-i.html.
[ix] Esse dado vem de “Workshop de
Filosofia da Física | Osvaldo Pessoa e Vinicius Carvalho”, que motiva essa
reflexão e que pretendemos investigar: https://youtu.be/XROQzuXdt5I.
[x] O observador na Física Quântica: o
que é mito e o que é ciência, https://youtu.be/D1Hyw9AbLSE.