Nós
não vemos as mesmas coisas e isso é, preferencialmente, uma questão de
linguagem[i]
Uma distinção entre ver e enxergar.
Você vê, mas enxerga? O ato de ver algo quer dizer que sabemos o que estamos
vendo (enxergamos?)? Por exemplo, uma pessoa que, não sabendo latim, olha para uma página com
um texto em latim, não compreende o que está vendo, porém ao olhar para a mesma
página em português, se conhecedora da língua, entenderá. É como quando estamos
tentando explicar algo para alguém e dizemos: “ali, ó! Não está vendo?”. E por
aí vai, com conhecimentos gerais ou específicos das mais variadas áreas, como
no contraste da experiência entre um crítico de arte visualizando uma obra e um
leigo que vai ao museu pela primeira vez. Se parece óbvio para alguns é
inalcançável para outros.
Experiência sensória e conhecimento
epistêmico. Então, há um ato fisiológico de perceber as coisas
pela experiência sensória (o que chamei de ver), mas há algo além desse ato, como postula Wilfrid
Sellars[ii], que é um tipo de conhecimento
de natureza epistêmica (o que chamei de enxergar), como uma razão ou crença justificada[iii], cuja primazia é sua
natureza inferencial. O conceito primordial de Sellars é a percepção e, para
ele, não existe percepção não conceitual.
Não se pode negar, conforme argumenta Pettersen, a natureza causal da
experiência, mas ela, por si só, não representa conhecimento porque ele requer
uma estrutura que possa articular essa experiência.
Mito do dado.
Sellars, conforme argumenta Pettersen, é um crítico do empirismo e formulou o mito
do dado: supor que as experiências sensórias per se constituem
conhecimento, isto é, supor que ver é saber (ie, enxergar). Com sua crítica, ele recusa que o
dado "cru" da experiência é a fonte do conhecimento, como quando citamos que ver um texto em latim não quer dizer que o compreendemos. No
cerne da argumentação está uma suposta ambiguidade na teoria dos dados dos
sentidos[iv], a confusão entre “estar
consciente” e “saber”.
Crenças. Na base do nosso
conhecimento há crenças, conteúdos mentais que podem ser do tipo “preferir o
vermelho ao azul” (uma simples preferência) ou “a lei da gravidade” (uma lei
científica) que, baseada em justificativa racional, é o conhecimento do tipo
epistêmico que estamos enfatizando, como “saber algo”. Podemos ver coisas e estarmos conscientes delas,
como animais ou crianças bem pequenas que não sabem exatamente o que está
acontecendo para além de dados particulares que não representam fatos
epistêmicos; particulares são experiência não articuladas epistemicamente, não
organizadas por uma estrutura conceitual.
O caminho do conhecimento.
Se a nossa experiência começa pelo objeto físico, por sentir um conteúdo
sensorial, é a partir daí que começamos a ter crenças, um começo de conhecimento,
mas que só será inferencial quando há articulação daquela experiência e se pode
fazer implicações. Mas, para o empirismo clássico (Hume, Locke e Berkeley),
sentir é uma forma de conhecer, salta-se do objeto físico para um conteúdo epistêmico
diretamente.
Nominalismo psicológico.
Para Sellars e, conforme enfatiza Pettersen, tomando por base o guia de estudos
de Brandom, é um caminho que vai do sentir (fisiológico, terminações nervosas)
para uma crença não inferencial (psicologia) e só depois que a filosofia atua,
no último passo do conhecimento, de crenças inferenciais que ordenam o mundo
pela linguagem, no que constitui o nominalismo psicológico, já que é a
linguagem que estrutura a nossa psique[v].
Ética. Estamos no campo
da ética que já está bem distante do objeto físico. É aí que formulamos
conceitos, ou mal os formulamos, como no caso do racismo. De fato, não há
diferença entre pessoas pela cor da pele, mas é uma experiência conceitual
prévia que o determina, algo cultural, não natural.
Senciência e Sapiência.
Por fim, nessa primeira aproximação de Sellars, cabe destacar a diferença entre
senciência, no campo do sentir e sapiência, já na esfera da episteme. Para o
último caso, cabe dizer que “sei que sei” (enxergo), enquanto o primeiro só sabe (vejo), mas não
sabe que sabe. Como as crianças fera[vi] criadas por animais e, quando resgatadas,
não têm nenhum conceito – uma crítica ao inatismo.
[i] Reflexão introdutória a partir das aulas de https://www.youtube.com/@brunopettersen,
Bruno Pettersen: Sellars – Empirismo e Filosofia da Mente.
[ii] De acordo com a Wikipedia, Wilfrid
Stalker Sellars foi um filósofo americano, ligado à Universidade de Pittsburgh
desde 1963 até à sua morte e que apresentou a doutrina do nominalismo
psicológico, segundo a qual todo o estar ciente é uma questão linguística.
[iii] Recupera-se, aqui, a tese
platônica de que conhecimento é crença verdadeira justificada.
[iv] Interessante que dados dos
sentidos vêm de Russell, mas ele já separa a tese de Berkeley que misturou o
dado com o sentido.
[v] Esta visão estaria associada
Husserl e Merleau-Ponty, de acordo com Pettersen.
[vi] https://pt.wikipedia.org/wiki/Crian%C3%A7a_selvagem: Crianças selvagens são crianças que logo nos primeiros anos de vida passaram a viver em completo isolamento da humanidade. São crianças que depois de pouco tempo de vida se perdem da população, vivem como animais, não falam e não andam como pessoas socializadas. Tais histórias se originaram de relatos relativamente comuns no século XVIII, que descreviam crianças encontradas no campo, tidas como sobreviventes por circunstâncias especiais, desde os primeiros anos de vida, criadas por animais, sem contato com humanos e assim se tornando selvagens.
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