Visa
pincelar um dos problemas da comunicação humana
Há um problema de comunicação que se
caracteriza pela forma (que superpõe um conteúdo, que lhe é superveniente) sobre a qual formulamos certas
opiniões que são mal compreendidas por terceiros. Se, para nós, determinadas frases
nos soam “naturais”, para os outros elas podem se fazer estranhas, quase que sem um
sentido. Mas, para início de conversa, caracterizemos sentido.
Quando falamos de sentido, nessa nossa argumentação, queremos nos fiar na tese wittgensteiniana de que o sentido se dá pelo uso, mas, expliquemos. Por exemplo, qual é o sentido de banco? Poderíamos falar sobre um banco apontando para “o banco da praça ali de trás” e isso especificaria uma referência univocamente. Ou poderíamos falar deste banco por meio uma descrição atributiva e teríamos que ser um pouco mais explícitos sobre sua localização, cor, formato, entre outras características. Por outro lado, eu poderia falar sobre um banco dentro de um contexto de conversação, por exemplo, “Quando eu estava ali no banco sacando dinheiro, observei que começou a chover”. Nesse caso, o sentido se dá pela maneira como usamos a palavra banco e ele não depende de nosso interlocutor nem mesmo já ter estado na praça e conhecer todos os bancos que lá existem, mas depende da forma como eu me expresso e da forma como ele interpreta. E o par de ações expressar-interpretar é o busílis da questão.
Ocorre que, como postulou Wittgenstein: “Para
uma grande classe de casos em que é utilizada – embora não para todos
os casos – pode-se explicar a palavra ‘significado’ da seguinte maneira: O
significado de uma palavra é seu uso na linguagem.” (p. 53, parágrafo 43, grifos do
autor[i]). Como vínhamos expondo,
vamos substituir sentido por significado e seguir a máxima wittgensteiniana de
que o significado de uma palavra se dá pelo seu uso na linguagem, em boa parte dos
casos.
Ponto dois, citando novamente: “os jogos
de linguagem apresentam-se como objetos de comparação, os quais, por
meio de semelhanças e dessemelhanças, devem lançar luz sobre as conexões de nossa
linguagem.” (p. 106, parágrafo 130, grifos do autor). Os usos, de acordo com o autor,
estão inseridos em jogos de linguagem, mas cada um se articula de determinada
maneira: há o jogo de linguagem entre os colegas de trabalho e, ali, as
palavras têm seus significados determinados naquele contexto de
entendimento e há o jogo de linguagem familiar, diverso do primeiro, entre
outros.
Dito isto, entendemos que habitamos uma
pletora de jogos de linguagem com palavras, formulações e encadeamentos que se
conjugam cada um a seu modo e eles tendem a se especializar sempre cada vez mais
dentro de cada núcleo. Vejamos as conversas em família, como variam! A conversa
da família A chega a parecer, em alguns casos, quase que outro idioma se comparado com a conversa
da família B, já que com o desenvolvimento de cada jogo de linguagem sinais vão
sendo usados para significar coisa que vão se consensuando entre seus usuários,
mas se afastando de um uso geral. E é nesse ponto que surge a nossa questão, quando
um usuário do jogo de linguagem da família A estreita relações e diálogos com um
usuário da família B. Como cada usuário está familiarizado com seu jogo de
linguagem, determinada ordem de sinais ou o uso de determinados sinais traz
falhas de interpretação e elas podem beirar o incomunicável. Não que eles não
possam mais conversar, mas algumas formulações devem ser moduladas ou reformuladas para que se chegue em um diálogo possível.
Até porque, o uso de determinadas palavras
de determinados modos pode soar aviltante ou desrespeitoso no jogo de linguagem A sendo perfeitamente natural no jogo de linguagem B. Ocorre que, etiquetas a
parte, não há regra geral, mas um aprendizado mútuo baseado em situações e suas
consequências que nos levem a padrões, não de uso, mas de mal uso que suscitam erros de comunicação que levarão a necessidade do uso de uma infinidade
de palavras, ordenamentos e formulações para correção e retorno ao ponto
anterior ao problema, gerando desgaste e perda de tempo, e humor.
[i] WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. Tradução de Giovane Rodrigues e Tiago Tranjan. São Paulo: Fósforo, 2022.
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