Introdução à filosofia das lógicas[i]
Conforme Haack, para além de estudar a
lógica como sendo uma teoria formal dentro da matemática ou do que auxilia o
raciocínio, impera entender seus objetivos e finalidade. Os cânones da chamada
lógica clássica, do início do século XX, se formam a base dos manuais da lógica
contemporânea, também se perguntaram sobre a tarefa de uma linguagem formal se
comparada a nossa linguagem natural (Frege) ou se debruçaram sobre a relação da
lógica com a psicologia (Peirce), a natureza da validade e questões sobre a
verdade.
É diante de tal cenário que Haack propõe o
estudo desse tipo de questão, de caráter filosófico, mas não se limitando à
lógica clássica, já que ela deixaria de fora ou mesmo abordaria equivocadamente
verdades lógicas ou argumentos válidos que seriam tratados por outras lógicas,
como as modais, do tempo, polivalentes, entre outras. Essas alternativas lógicas
levantam questões metafísicas e epistemológicas sobre como caracterizar um
sistema lógico como correto ou incorreto ou com base em quais razões.
Justamente, são as lógicas não clássicas
que colocam as questões filosóficas em nova perspectiva. Por exemplo, lógicas
polivalentes levantam questões sobre a verdade e a lógica difusa nos faz pensar
se a verdade não é uma questão de grau. Em tais problemas, há interconexões com
as filosofias da linguagem e da mente, conforme comenta Haack, e aí também
reside parte do nosso interesse porque são assuntos que temos estudado[ii].
O marco na lógica como a conhecemos hoje
remonta ao Begriffsschrift[iii], de Frege, que alavanca
o desenvolvimento de áreas como: (i) aparato lógico padrão com a sintaxe dos
cálculos sentencial e de predicado (Frege, Russell, Whitehead), semântica (Post[iv], Wittgenstein, Löwenheim[v], Henkin[vi]) e metalógica (Church, Gödel);
(ii) cálculos não clássicos – modais (C. I. Lewis), polivalentes (Łukasiewicz[vii], Post) e intuicionistas
(Brouwer); (iii) aplicação desses sistemas ao argumento informal, conectivos
sentenciais, quantificadores e conceitos de verdade; (iv) se a formalização é
importante (Carnap, Quine), se há ceticismo em relação ao simbolismo (Schiler e
Strawson) ou se deveria pender para a psicologia (Dewey[viii])[ix].
Haack elabora sobre o desenvolvimento das
áreas, comentando, por exemplo, que a formalização canônica dos cálculos não
modais nos Principia Mathematica (1920) e a elaboração da semântica de tabelas
de verdade para a lógica bivalente anteciparam o desenvolvimento formal
sistemático das lógicas modal e polivalente, embora já formulada por MacColl em
1880. E não só há interesse matemático nas modificações da lógica clássica, há questões
filosóficas, conforme já salientamos.
Haack cita uma série de interconexões
entre as lógicas e filosofia que são extremamente técnicas, mas esperamos poder
futuramente elucidar um ou outro ponto, a começar pelo mini glossário, abaixo. No
livro, ela verifica problemas do aparato lógico padrão, inicialmente (conectivos
e letras sentenciais, quantificadores, variáveis e constantes, bem como
conceitos de validade e verdade) e, a partir do capítulo 9, nas inovações
formais que geram uma reavaliação filosófica da lógica. Por fim, trata de
metafísica e epistemologia na lógica, relação entre linguagens formais e
naturais e raciocínio. Haack sublinha que o livro alerta para a prudência
epistemológica no tratamento das lógicas alternativas com especial atenção aos
formalismos.
Mini Glossário[x].
Verdades lógicas:
são um tipo de verdade que se caracteriza pela sua "força modal" e
pela sua natureza "formal". A força modal significa que elas
"devem" ser verdadeiras ou "não podem" ser falsas. A
natureza formal significa que todas as frases com a mesma forma lógica também
são verdades lógicas (https://plato.stanford.edu/entries/logical-truth/).
Argumento válido:
é aquele em que, se as premissas são verdadeiras, a conclusão deve ser
verdadeira. Em outras palavras, a conclusão é uma consequência lógica das
premissas. A validade se refere à estrutura do argumento, e não à verdade
factual de suas premissas ou conclusão (https://plato.stanford.edu/entries/argument/)[xi].
Lógica modal:
é o estudo do raciocínio que envolve expressões como
"necessariamente" e "possivelmente". Além dessa definição
estrita, o termo é usado de forma mais ampla para um conjunto de sistemas
relacionados, incluindo lógicas para crença, tempo e expressões morais (https://plato.stanford.edu/entries/logic-modal/)[xii].
Lógica temporal:
se refere a todas as abordagens formais para representar e raciocinar sobre o
tempo e a informação temporal. Em seu sentido mais restrito, é mais
frequentemente associado à abordagem de lógica modal introduzida por Arthur
Prior na década de 1950. A Lógica Temporal tem sido utilizada em diversas
áreas, incluindo a filosofia, a linguística, a inteligência artificial e a
ciência da computação (https://plato.stanford.edu/entries/logic-temporal/).
Lógica multivalorada (MVL):
é um tipo de lógica não-clássica que, ao contrário da lógica tradicional, não
se restringe a apenas dois valores de verdade (verdadeiro/falso). Em vez disso,
ela permite uma gama maior de "graus de verdade" (https://plato.stanford.edu/entries/logic-manyvalued/).
Lógica fuzzy
(ou lógica difusa): é uma extensão da lógica clássica que lida com o conceito
de verdade parcial. Enquanto na lógica clássica uma proposição é estritamente
verdadeira (1) ou falsa (0), na lógica fuzzy, o valor de verdade de uma
proposição pode ser qualquer número real entre 0 e 1 (https://plato.stanford.edu/archives/win2011/entries/logic-fuzzy/).
[i] Notas sobre os prefácios de HAACK,
Susan. Filosofia das Lógicas. Tradução de Cezar Augusto Mortari e Luiz
Henrique de Araújo Dutra. São Paulo: Editora da UNESP, 2002.
[ii] Esse negócio binário também é uma
coisa preocupante.
[iii] Begriffsschrift (traduzido
grosseiramente do alemão para "ideografia") é um livro de lógica
feito por Gottlob Frege, publicado em 1879, que estabelece o sistema formal.
Esta é geralmente considerado a obra que marca o nascimento da lógica moderna,
conforme Google Search.
[iv] John Frederic Post (August 26,
1936 - January 6, 2020) was an American philosopher and Professor of
Philosophy, emeritus at Vanderbilt University. Wikipédia.
[v] Leopold Löwenheim
foi um matemático alemão, conhecido por seu trabalho em lógica matemática.
O regime nazista o forçou a se aposentar, porque sob as Leis de Nuremberg foi
considerado apenas três quartos ariano. Em 1943, muito de seu trabalho foi
destruído durante a incursão de bombardeio sobre Berlim. Wikipédia.
[vi] Leon Henkin (Brooklyn, 19 de abril
de 1921 – Oakland, 1 de novembro de 2006) foi um lógico da Universidade de
Berkeley. Conhecido principalmente pelo "Teorema da Completude de
Henkin": sua versão semântica da demonstração da completude dos sistemas
padrão de lógica de primeira ordem.
[vii] Jan Łukasiewicz (21 de dezembro de
1878 — 13 de fevereiro de 1956) foi um lógico polonês. Reconhecido pelo seu
desenvolvimento da lógica multivalente (e lógica difusa) e seus estudos sobre a
história da lógica, particularmente sua interpretação da lógica aristotélica.
[viii] John Dewey foi um filósofo e
pedagogo norte-americano, um dos principais representantes da corrente
pragmatista, inicialmente desenvolvida por Charles Sanders Peirce, Josiah Royce
e William James. Dewey também escreveu extensivamente sobre pedagogia e é uma
referência no campo da educação. Wikipédia.
[ix] Alguns filósofos não têm
referência porque já os conhecemos neste espaço.
[x] Foi construído da seguinte forma:
procura-se o termo na busca do Google junto com “Stanford Encyclopedia of Philosophy”,
então ele nos indica o link do artigo na SEP e então passamos para o Gemini
resumir.
[xi] Ver https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2025/09/aspectos-de-logica-elementar-parte-1.html,
Aspectos de Lógica Elementar - parte 1.
[xii] Idem.
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