quinta-feira, 11 de novembro de 2021

Notas sobre Ockham

Sobre Ockham e a querela dos universais, que já por aí fundamenta a sua famosa “navalha” e abre caminho para Ciência Moderna[i]

1. Sobre sua vida. Ockham viveu na Inglaterra, por volta dos anos 1300, na alta Escolástica. Frade franciscano e classificado por Vitor como um vanguardista, foi denunciado como herege por sua luta contra a teocracia e a proposta de separar fé e razão, ficando essa a cargo da filosofia e, por conseguinte, precursora da liberdade de expressão.

2. Herança aristotélica. Porém o que nos importa aqui é verificar a contribuição de Ockham no problema dos universais, que percorre a Idade Média. Antes das obras de Aristóteles serem reintroduzidas em seu todo pela Escolástica, haviam apenas traduções de obras lógicas oriundas de Boécio e Porfírio, o último influenciado principalmente pelas Categorias[ii]. A esse respeito, se pergunta Porfírio:

- Os gêneros e as espécies têm existência real?

- Se sim, eles são materiais, imateriais ou existem só na mente?

3. A árvore de Porfírio. Vitor ressalta que se o tratado das Categorias é uma ontologia do real, do que há de mais geral na realidade, Porfírio passa para a predicação, combinando frases e a ligação entre sujeito e predicado. Daí surge a “árvore de Porfírio”, na qual as espécies são divididas dentro dos gêneros e pela qual uma espécie pode se tornar um gênero e vice-versa[iii]. Então, há uma hierarquia de universais que são espécies e gêneros, dentre eles o homem, o animal, o corpo, etc.

4. A colocação do problema. Mas, teriam esses universais uma existência real? Existe o homem ou somente existem indivíduos? Seria o homem um conceito na mente? Se Platão postulou que sim, que há formas reais, essências[iv], para Aristóteles existe a forma homem, mas em cada indivíduo, que também é matéria, com a exceção do primeiro motor[v].

5. Possíveis soluções. Pois bem, haveriam três possíveis soluções para o problema dos universais. A primeira delas é do tipo platônico, um realismo que postula que universais são entidades metafísicas subsistentes. Ou seja, além de existirem vários gatos que conhecemos, existe a forma “gato”, separada. Assim como o belo, a justiça, etc. Há o nominalismo, para o qual os universais não têm existência própria e, nesse caso, “gato” é só uma convenção, uma questão de linguagem. Por fim, para o conceitualismo, “gato” é uma abstração que a razão cria a partir das várias realidades individuais, isto é, dos gatos.

6. A resposta de Ockham.  De acordo com Vitor, Ockham se situa em um nominalismo que se aproxima do conceitualismo, pois não se trata somente de meros nomes. Isso porque, o nominalismo tende a ser relativista, ao passo que o conceito estabelece uma relação com a coisa nomeada. Para o nominalismo tanto fará uma coisa se chamar A ou B, digamos.

7. Religião, ciência e ontologia. Isso posto, para Ockham, os artigos da fé não são princípios de demonstração, e aí se contrapondo a São Tomás. E também não são auto evidentes. Deus é onipotente e não se vincula a nós: de um lado a fé e do outro a filosofia, a primeira com Deus e a segunda com os indivíduos que estudamos.

Essa argumentação está em linha com um pensamento que não se filia ao universal. Para Ockham, não se conhece a sabedoria de Deus. Há um “primado do indivíduo”: um mundo com elementos individuais desvinculados entre eles. E, também, o objeto da ciência não é universal, como em Aristóteles, já que não sabemos se há o universal. Sabemos que existem indivíduos contingentes e não há nenhum nexo necessário, metafísico, causal que os correlacionam.

É o “primado para experiência”: conhecimento de termos singulares, que passam pelos sentidos. Assim funciona o pensamento, feito de conceitos na mente, formas verbais.

8. A Navalha de Ockham. Por fim, Ockham reduz a régua ontológica aristotélica que postulava as dez categorias do real. Para ele devemos descrever a realidade sem complicação excessiva e cortar entidades que não precisam existir. Mais simples, mais próximo da verdade. É o princípio da parcimônia que faz com que as categorias se resumam a substâncias e qualidades, quiçá somente acidentes. Para Vitor, cortar o que está sobrando na teoria prenuncia a ciência moderna (como funciona) e não mais o que é determinada coisa (ciência antiga / medieva).

Nenhum comentário:

Postar um comentário