Sobre Ockham e a querela
dos universais, que já por aí fundamenta a sua famosa “navalha” e abre caminho
para Ciência Moderna[i]
1. Sobre sua vida. Ockham
viveu na Inglaterra, por volta dos anos 1300, na alta Escolástica. Frade franciscano
e classificado por Vitor como um vanguardista, foi denunciado como herege por
sua luta contra a teocracia e a proposta de separar fé e razão, ficando essa a
cargo da filosofia e, por conseguinte, precursora da liberdade de expressão.
2. Herança aristotélica. Porém
o que nos importa aqui é verificar a contribuição de Ockham no problema dos
universais, que percorre a Idade Média. Antes das obras de Aristóteles serem
reintroduzidas em seu todo pela Escolástica, haviam apenas traduções de obras
lógicas oriundas de Boécio e Porfírio, o último influenciado principalmente pelas
Categorias[ii]. A esse respeito, se pergunta
Porfírio:
- Os gêneros e as espécies têm existência
real?
- Se sim, eles são materiais, imateriais ou
existem só na mente?
3. A árvore de Porfírio. Vitor
ressalta que se o tratado das Categorias é uma ontologia do real, do que há de
mais geral na realidade, Porfírio passa para a predicação, combinando frases e
a ligação entre sujeito e predicado. Daí surge a “árvore de Porfírio”, na qual
as espécies são divididas dentro dos gêneros e pela qual uma espécie pode se
tornar um gênero e vice-versa[iii]. Então, há uma
hierarquia de universais que são espécies e gêneros, dentre eles o homem, o animal,
o corpo, etc.
4. A colocação do problema. Mas,
teriam esses universais uma existência real? Existe o homem ou somente existem indivíduos?
Seria o homem um conceito na mente? Se Platão postulou que sim, que há formas
reais, essências[iv],
para Aristóteles existe a forma homem, mas em cada indivíduo, que também é
matéria, com a exceção do primeiro motor[v].
5. Possíveis soluções. Pois
bem, haveriam três possíveis soluções para o problema dos universais. A
primeira delas é do tipo platônico, um realismo que postula que
universais são entidades metafísicas subsistentes. Ou seja, além de existirem
vários gatos que conhecemos, existe a forma “gato”, separada. Assim como o
belo, a justiça, etc. Há o nominalismo, para o qual os universais não têm
existência própria e, nesse caso, “gato” é só uma convenção, uma questão de linguagem.
Por fim, para o conceitualismo, “gato” é uma abstração que a razão cria
a partir das várias realidades individuais, isto é, dos gatos.
6. A resposta de Ockham. De acordo com Vitor, Ockham se situa em um nominalismo
que se aproxima do conceitualismo, pois não se trata somente de meros nomes.
Isso porque, o nominalismo tende a ser relativista, ao passo que o conceito
estabelece uma relação com a coisa nomeada. Para o nominalismo tanto fará uma
coisa se chamar A ou B, digamos.
7. Religião, ciência e ontologia. Isso
posto, para Ockham, os artigos da fé não são princípios de demonstração, e aí
se contrapondo a São Tomás. E também não são auto evidentes. Deus é onipotente
e não se vincula a nós: de um lado a fé e do outro a filosofia, a primeira com
Deus e a segunda com os indivíduos que estudamos.
Essa argumentação está em linha com um
pensamento que não se filia ao universal. Para Ockham, não se conhece a sabedoria
de Deus. Há um “primado do indivíduo”: um mundo com elementos individuais
desvinculados entre eles. E, também, o objeto da ciência não é universal, como
em Aristóteles, já que não sabemos se há o universal. Sabemos que existem indivíduos
contingentes e não há nenhum nexo necessário, metafísico, causal que os
correlacionam.
É o “primado para experiência”:
conhecimento de termos singulares, que passam pelos sentidos. Assim funciona o
pensamento, feito de conceitos na mente, formas verbais.
8. A Navalha de Ockham. Por
fim, Ockham reduz a régua ontológica aristotélica que postulava as dez
categorias do real. Para ele devemos descrever a realidade sem complicação
excessiva e cortar entidades que não precisam existir. Mais simples, mais
próximo da verdade. É o princípio da parcimônia que faz com que as categorias
se resumam a substâncias e qualidades, quiçá somente acidentes. Para Vitor, cortar
o que está sobrando na teoria prenuncia a ciência moderna (como funciona) e não
mais o que é determinada coisa (ciência antiga / medieva).
[i] Notas de Guilherme de Ockham |
História da Filosofia | Prof. Vitor Lima | Aula 14. Conforme Youtube,
acesso em 9/11/2021: https://www.youtube.com/watch?v=FIVqjQJ1oSQ.
[ii] Já versado aqui: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2016/05/o-tratado-das-categorias-de-aristoteles.html.
[iii] Para ilustrar: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/pt/0/0b/%C3%81rvore_de_Porf%C3%ADrio.jpg.
[iv] No primeiro tópico: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2015/12/platao-guisa-de-introducao.html.
[v] Isto é, Deus: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2016/06/teologia-aristotelica.html.
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