quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Projeto Capitalismo e Esquizofrenia*


Tudo culminava para uma revolução, mas maio de 1968 marcou uma paralisação, um não acontecimento e um apressamento em se esquecer do que poderia ter havido. Mas por que não aconteceu? A pergunta é um dos motes do projeto de Deleuze e Guattari, projeto que uniu psiquiatria com marxismo no sentido de que a vida psíquica do sujeito estaria na base de sua vida social e essa vida estaria atrelada a uma subjetividade hegemônica que paralisaria a ação**; a vida psíquica se orientaria pelo desejo que teria aderido ao sistema econômico (e mesmo ao fascismo). Então, para transformar o modo de produção social [capitalista] seria preciso transformar o modo do desejo e substituir o trabalho (conceito central marxista). Assim, o projeto de Deleuze e Guattari uniu economia política e crítica social, sem deixar de lado uma linha evolutiva da metafísica ocidental oriunda de Platão, opondo a ele Nietzsche e Espinosa e também a possibilidade de outra abordagem clínica.
Três recusas
Deleuze vinha de uma crítica do conceito de imagem*** proveniente do platonismo (identidade modelo-Ideia) e também de uma crítica à representação da diferença como oposição; já Guattari praticava uma clínica ligada à psicose. Eles se unem no pós-maio de 68 para tratar de estruturalismo, marxismo e psicanálise no contexto francês daquela época. Se, por um lado, afastam-se do estruturalismo antropológico de Lévi-Strauss (em direção ao perspectivismo) e da linguística diferencial de Saussure, por outro, afastam-se também da incapacidade da proposta política marxista. Da psicanálise, questionam o aprisionamento do desejo no seio familiar pelo complexo de Édipo e a cultura psicanalítica que molda o sujeito no quadro do capitalismo contemporâneo. A proposta, então, seria de uma psicologia dos afetos que aproximaria passional e social. Deleuze e Guattari recusam a psicanálise por compreendê-la como o fundamento dos processos de reprodução social e de miséria afetiva no capitalismo. Combatendo o desejo hegeliano marcado pela negatividade, eles fundam a esquizo-análise.
A conjunção entre Capitalismo e Esquizofrenia
O capitalismo é o sistema de livre-mercado que extrapola a forma mercadoria para todas as esferas, permitindo o cálculo e a intercambialidade (como já reforçara Lukács). Ele se vale de um sistema de relações que submete a diferença à identidade abstrata do equivalente geral (o dinheiro). No capitalismo, haveria um modo de ser do desejo porque ele elevaria a identidade abstrata a uma condição axiomática, que faria com que as estruturas sociais desejantes impactassem a vida subjetiva (relação social-psíquica). Na sociedade capitalista, o desejo se submeteria a uma busca pelo idêntico, desejaria-se o mesmo e haveria um afastamento do que não é idêntico, ou seja, haveria um limite interno (o sujeito) e externo (o sistema), semelhante ao que ocorre na esquizofrenia - bloqueio interno e repressão externa (o doente reprimido...).
Se a socialização consiste em adequação de conduta, para Freud existiria um corpo libidinal antes do eu que seria reprimido pelo processo de socialização. Para Deleuze e Guattari, ele seria o corpo sem órgãos e nossa posição inicial existencial, a esquizofrenia. Esquizofrenia que é a divisão das faculdades mentais que não se sintetizam em um Eu. Com o sujeito fazendo associações livres, o desejo não consegue produzir um objeto coerente e se articular no tempo e no espaço. No fundo, a falta de unidade da esquizofrenia estaria ligada ao corpo libidinal e, aí, o desejo não se inscreveria mais no modo de determinação social hegemônico da sociedade capitalista (esta é a saída!!!). Por um lado, então, o capitalismo encontraria um limite na esquizofrenia, mas por outro, ele produziria um sujeito esquizo, ao modo de Marx: a burguesia que revoluciona os meios de produção: "tudo o que é sólido desmancha no ar". Como uma ação contraditória que destrói tudo o que a gere...
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* Aula 1 de Capitalismo e Esquizofrenia, prof. Vladimir Safatle, curso de Teoria das Ciência Humanas III, alguns conceitos. 2015.

** A própria linguagem de Anti-Édipo uma linguagem esquizofrênica.
*** Sobre a crítica ao modelo de Platão.

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