Veremos como Deleuze propõe uma
subversão do platonismo pela chave do simulacro em oposição ao modelo
original-cópia. *
Duas ironias
Para reverter o platonismo é
preciso mostrar sua motivação. Reverter o platonismo seria acabar com o mundo
das ideias e o das aparências? O método de Platão é o de dividir, distinguir entre
original e cópia, modelo e simulacro. Mas aí aparece a primeira ironia: não se
trata de dividir o gênero em espécies, mas separar o puro do impuro, o
autêntico do inautêntico a partir de uma dialética da rivalidade que distingue
o verdadeiro pretendente dos falsos. Porém, nos textos em que Platão trata do
método da divisão, quando se está quase atingido a seleção surge o mito como
que suspendo esse processo. E esta é a segunda ironia: porque o mito será a
fundação, o modelo pelo qual os pretendentes serão julgados. O mito, então, dá
um critério de seleção e medida das pretensões, daí surgindo o modelo de
participação eletiva, conforme se segue.
Nos textos sobre a divisão (Fedro,
Político e Sofista**) o último define o simulacro: o não ser, o falso
pretendente. Nessa busca Platão descobre que o simulacro não é só uma falsa
cópia, mas que ele põe em questão até mesmo as noções de cópia e modelo, pois acaba-se
por não se distinguir o método de Sócrates do método do sofista...
Cópia
Deleuze argumenta que a distinção
entre cópia e simulacro não é equivalente, porque elas são duas espécies de
imagens diferentes: a cópia é a semelhança, o simulacro a perversão. Podemos
dizer que, em Platão, há um "triunfo das cópias", já que o verdadeiro
motivo platônico seria o de selecionar os pretendentes entre cópias
bem fundadas e simulacros feitos de dessemelhança. A semelhança entre Ideia e
imagem é o critério concreto porque a imagem se assemelha interior e
espiritualmente; a cópia é menos coisa do que imagem da coisa. Daí que ao
simulacro resta pretender por debaixo do pano.
Simulacro
Mas há um outro modelo possível. Ao
se degradar o simulacro, deixa-se escapar que há uma diferença de natureza entre
cópia e simulacro. Se a cópia é imagem dotada de semelhança, o simulacro é
imagem sem semelhança.O simulacro é um efeito de semelhança exterior, é
produzido sobre uma disparidade, sobre uma diferença. Modelo dessemelhante
diferente do Mesmo.
Deleuze se utiliza de um recurso literário para caracterizar
o simulacro: o de contar várias histórias em uma, o que cria séries
divergentes, heterogêneas, constituindo um caos e uma ressonância interna
própria ao simulacro. As séries heterogêneas se complicam no caos e a diferença
se inclui nele, embora haja uma semelhança entre as séries. Seguem-se as duas
fórmulas:
- "Só o que parece difere":
- pensar a diferença a partir de uma similitude preliminar;
- mundo das cópias e representações.
- "Somente as diferenças se parecem":
- pensar a similitude como produto de uma disparidade de fundo;
- mundo dos simulacros.
Pela segunda fórmula não se prejulga a partir de uma identidade
preliminar, a semelhança é produto de uma diferença interna. Reverter o
platonismo é elevar o simulacro ao mundo da representação subvertendo-o,
negando original, cópia, modelo e reprodução: não há mais hierarquia. Há
semelhança no simulacro, mas exterior, a partir das séries divergentes
interiorizadas. Sem hierarquia o falso pretendente triunfa, não em relação a um
suposto modelo de verdade (do Mesmo, do Semelhante) e torna impossível a ordem
das participações. Engolindo todo o fundamento o fio se perde e, aí, como
distinguir Sócrates e o Sofista?
Eterno Retorno
Deleuze aproxima o simulacro do eterno retorno, onde se subverte o mundo representativo. Haveriam dois conteúdos do eterno retorno: um latente que bebe em fontes dionisíacas recalcadas pela platonismo e outro manifesto, conforme ao platonismo, um devir louco controlado [grego]. O conteúdo manifesto é, então, refutado por Zaratustra porque trata o eterno retorno como o Mesmo que faz voltar o Semelhante e não atingiria a profundidade devida do eterno retorno, que se situa mil pés abaixo, no conteúdo latente,
O eterno retorno é [potência de afirmar] o caos e não ordem, é sem começo nem fim. O que retorna são séries divergentes em diferença umas com as outras; é um simulacro de doutrina. O eterno retorno é o Mesmo e o Semelhante enquanto simulados. O simulacro é o único mesmo daquilo que difere, não faz retornar o que pretende ordenar o caos, ele inverte porque quando não são simulados, o Mesmo e o Semelhante se tornam ilusões.
Deleuze termina mostrando um momento do simulacro como crítica da modernidade: a Pop´Art que destrói modelo e cópia e instaura o simulacro capaz de destruir o platonismo.
________
* Platão e o Simulacro, Deleuze. Um pouco de platonismo aqui.
** Fedro: distinção do delírio bem fundado, do verdadeiro amor; delírio que seria das almas que já viram a verdade. Político: o político é o pastor de homens; os homens da cidade participam desigualmente do seu modelo mítico.
*** Platão funda, Aristóteles especifica, cataloga gênero e espécies. Sob o cristianismo, a representação é extrapolada ao infinito e se mantém sob o Mesmo e o Semelhante relacionando pretendentes, excluindo os excêntricos e divergentes. Conforme Deleuze: como os mundos pretendentes de Leibniz ou a monocentragem da dialética da consciência hegeliana.
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