terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Imagem com semelhança e imagem sem semelhança: optaremos por qual?

Veremos como Deleuze propõe uma subversão do platonismo pela chave do simulacro em oposição ao modelo original-cópia.*

Duas ironias
Para reverter o platonismo é preciso mostrar sua motivação. Reverter o platonismo seria acabar com o mundo das ideias e o das aparências? O método de Platão é o de dividir, distinguir entre original e cópia, modelo e simulacro. Mas aí aparece a primeira ironia: não se trata de dividir o gênero em espécies, mas separar o puro do impuro, o autêntico do inautêntico a partir de uma dialética da rivalidade que distingue o verdadeiro pretendente dos falsos. Porém, nos textos em que Platão trata do método da divisão, quando se está quase atingido a seleção surge o mito como que suspendo esse processo. E esta é a segunda ironia: porque o mito será a fundação, o modelo pelo qual os pretendentes serão julgados. O mito, então, dá um critério de seleção e medida das pretensões, daí surgindo o modelo de participação eletiva, conforme se segue.


Nos textos sobre a divisão (Fedro, Político e Sofista**) o último define o simulacro: o não ser, o falso pretendente. Nessa busca Platão descobre que o simulacro não é só uma falsa cópia, mas que ele põe em questão até mesmo as noções de cópia e modelo, pois acaba-se por não se distinguir o método de Sócrates do método do sofista...

Cópia
Deleuze argumenta que a distinção entre cópia e simulacro não é equivalente, porque elas são duas espécies de imagens diferentes: a cópia é a semelhança, o simulacro a perversão. Podemos dizer que, em Platão, há um "triunfo das cópias", já que o verdadeiro motivo platônico seria o de selecionar os pretendentes entre cópias bem fundadas e simulacros feitos de dessemelhança. A semelhança entre Ideia e imagem é o critério concreto porque a imagem se assemelha interior e espiritualmente; a cópia é menos coisa do que imagem da coisa. Daí que ao simulacro resta pretender por debaixo do pano.

Simulacro
Mas há um outro modelo possível. Ao se degradar o simulacro, deixa-se escapar que há uma diferença de natureza entre cópia e simulacro. Se a cópia é imagem dotada de semelhança, o simulacro é imagem sem semelhança.O simulacro é um efeito de semelhança exterior, é produzido sobre uma disparidade, sobre uma diferença. Modelo dessemelhante diferente do Mesmo.


 Há um devir louco e subversivo no simulacro que se esquiva do Mesmo, o simulacro é mais e menos, nunca igual e, por isso, improdutivo. O objetivo do platonismo seria recalcar o simulacro, torná-lo semelhante. Assim, Platão funda o domínio da representação onde a cópia é intrínseca ao fundamento. Modelo do Mesmo: Justiça não é nada além de justa - aquilo que possui em primeiro lugar. A cópia é o semelhante: recebe em segundo lugar.***
Deleuze se utiliza de um recurso literário para caracterizar o simulacro: o de contar várias histórias em uma, o que cria séries divergentes, heterogêneas, constituindo um caos e uma ressonância interna própria ao simulacro. As séries heterogêneas se complicam no caos e a diferença se inclui nele, embora haja uma semelhança entre as séries. Seguem-se as duas fórmulas:
  •  "Só o que parece difere":
    • pensar a diferença a partir de uma similitude preliminar;
    • mundo das cópias e representações.
  • "Somente as diferenças se parecem":
    • pensar a similitude como produto de uma disparidade de fundo;
    • mundo dos simulacros.
Pela segunda fórmula não se prejulga a partir de uma identidade preliminar, a semelhança é produto de uma diferença interna. Reverter o platonismo é elevar o simulacro ao mundo da representação subvertendo-o, negando original, cópia, modelo e reprodução: não há mais hierarquia. Há semelhança no simulacro, mas exterior, a partir das séries divergentes interiorizadas. Sem hierarquia o falso pretendente triunfa, não em relação a um suposto modelo de verdade (do Mesmo, do Semelhante) e torna impossível a ordem das participações. Engolindo todo o fundamento o fio se perde e, aí, como distinguir Sócrates e o Sofista?

Eterno Retorno
Deleuze aproxima o simulacro do eterno retorno, onde se subverte o mundo representativo. Haveriam dois conteúdos do eterno retorno: um latente que bebe em fontes dionisíacas recalcadas pela platonismo e outro manifesto, conforme ao platonismo, um devir louco controlado [grego]. O conteúdo manifesto é, então, refutado por Zaratustra porque trata o eterno retorno como o Mesmo que faz voltar o Semelhante e não atingiria a profundidade devida do eterno retorno, que se situa mil pés abaixo, no conteúdo latente,
O eterno retorno é [potência de afirmar] o caos e não ordem, é sem começo nem fim. O que retorna são séries divergentes em diferença umas com as outras; é um simulacro de doutrina. O eterno retorno é o Mesmo e o Semelhante enquanto simulados. O simulacro é o único mesmo daquilo que difere, não faz retornar o que pretende ordenar o caos, ele inverte porque quando não são simulados, o Mesmo e o Semelhante se tornam ilusões.

Deleuze termina mostrando um momento do simulacro como crítica da modernidade: a Pop´Art que destrói modelo e cópia e instaura o simulacro capaz de destruir o platonismo.

________

* Platão e o Simulacro, Deleuze. Um pouco de platonismo aqui.

** Fedro: distinção do delírio bem fundado, do verdadeiro amor; delírio que seria das almas que já viram a verdade. Político: o político é o pastor de homens; os homens da cidade participam desigualmente do seu modelo mítico.

*** Platão funda, Aristóteles especifica, cataloga gênero e espécies. Sob o cristianismo, a representação é extrapolada ao infinito e se mantém sob o Mesmo e o Semelhante relacionando pretendentes, excluindo os excêntricos e divergentes. Conforme Deleuze: como os mundos pretendentes de Leibniz ou a monocentragem da dialética da consciência hegeliana.

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