domingo, 29 de junho de 2025

Filosofia da Mente livre-arbítrio (Parte 2)

Problematizando o livre-arbítrio[i]

Nessa segunda aula, Vitor discute se existe livre-arbítrio e qual a sua natureza, considerando dois aspectos importantes, o constitutivo e o ético. Entende-se o livre-arbítrio como o mecanismo que um agente usa para controlar suas escolhas e ações, seja se ele poderia escolher de outra forma ou se é ele próprio a fonte de sua ação. Isto é, pode haver mais de uma alternativa de escolha, mas mesmo que seja apenas uma, é ele que escolhe.

O argumento da consequência, fundado no determinismo, versa que tudo o que acontece na realidade é oriundo de uma cadeia de acontecimentos e não temos poder para mudar o passado e as leis. Isto é, não temos controle sobre nossas ações. Isso posto, não há livre-arbítrio e, consequentemente, responsabilidade moral porque não podemos agir de outro modo ou de maneira autônoma.

Caracteriza-se o livre-arbítrio como a “liberdade de fazer diferente”, seja por uma capacidade física, psicológica ou com base em desejos. Nesse contexto, há uma vertente compatibilista que aceita o livre-arbítrio mesmo em um mundo determinado e há os que aceitam o livre-arbítrio desde que o mundo não seja determinado. 

Pela análise categórica, poderíamos agir de outra forma contanto que não houvesse nenhuma mudança nas “variáveis do mundo”. Aí ignora-se a causalidade da natureza, incompatibilizando livre-arbítrio e determinismo.

Pela análise condicional simples um agente faria o contrário se escolhesse fazer o contrário, mesmo em um mundo determinado causalmente. Entretanto, parece que a ação poderia ser diferente, mas não a escolha em si, porque ela seguiria o nexo natural. Parece que as escolhas estão predeterminadas e oriundas de fatores como cultura, sociedade e características biológicas, entre outras. Nesse caso, há uma ilusão de escolha, conforme comenta Vitor.

Então, reformula-se a análise condicional simples para que o controle ocorra efetivamente na escolha e não somente na ação, isto é, na capacidade escolher de outra forma, mesmo que não a desejada ou escolhida, mediante condições de terceiros, que é quando cedemos. Conclui Vitor que essa formulação de livre-arbítrio associada a desejo ou escolhas é falha porque não satisfeita somente pelo ator.

Então ele traz o exemplo de um agorafóbico que não escolhe nem ao menos ficar em casa porque não se trata de uma escolha, mas de uma imposição psicológica. Ele escolhe ficar em casa dentro dessa circunstância.

Então, estamos no campo do livre-arbítrio de escolhas entre alternativas, conforme ressalta Vitor e o que está envolvido nessa escolha, seja se “escolhemos a escolha” ou se ela decorre de outros fatores. O agente é livre se prefere uma escolha, não uma ação, mas acabamos cedendo a outras pessoas ou fatores 

Tentando salvar a análise condicional, a análise condicional pode se valer das propriedades do próprio agente que não são as leis deterministas da natureza, externas a nós. Ficamos entre uma incompatibilização do livre-arbítrio com o determinismo ou reformular o que significa ser livre. 

Adentramos no campo das teorias da fonte da ação, quando provém do próprio agente, sem coerção. Vitor então traz um experimento mental de um neurocirurgião que instala um chip no paciente que controla suas ações e é ativado quando ele for tomar uma decisão errada. Ocorre que ele toma uma decisão correta, por conta própria, sem que tenha sido necessário ativar o chip. Por um lado, ele fez uma ação positiva, independentemente das possibilidades alternativas e de não poder agir, negativamente, de outra forma. Então há responsabilidade moral porque ele foi a origem da ação.

O dilema Wiederkehr-Ginet procura problematizar este experimento, mostrando que, em um mundo determinado, mesmo que o paciente tenha sido a fonte da ação, não se comprova que foi independente de fatores externos. Já em um mundo indeterminado, se não houvesse o chip, há possibilidade de agir de forma diferente e agir por conta própria, nesse caso, é irrelevante.

Então Vitor traz o tema do libertarianismo que é incompatibilista, e tem versões não causal (espontânea, parece não haver responsabilidade moral porque aleatória e incontrolável), causal de eventos (por causas internas, mas difícil de explicar a independência das causas externas) e de agentes (o agente é a causa primeira, não um evento e aí fica a mercê das críticas dualistas, como explicar a natureza do agente e como se relaciona com o mundo físico).

Se o livre-arbítrio postula um “eu” que toma decisões, há dificuldades de explicar o que é esse tomador de decisão e como ele age, de um ponto de vista metafísico e no contexto de um mundo determinado e causal. 

Falando dos argumentos contra o livre-arbítrio, há um argumento a priori, de ordem lógica, já que a liberdade viola o princípio de razão suficiente e que livre-arbítrio sempre recorre a uma causa outra daquela ação livre, tendendo a uma sequência infinita para a razão daquela ação.

Há o argumento da sorte, também a priori e contra o libertário, que procura enfatizar que se não há causa somos guiados pela sorte e, portanto, sem liberdade. Entretanto, podemos pensar no controle metafísico, que procura pelo sujeito como causa real, e no controle epistêmico, que procura entender por que uma decisão foi tomada. Podemos ter uma escolha que, mesmo indeterminada, pode ser explicada e compreensível. Vitor comenta que, trazendo a explicação para dentro do contexto, é um livre-arbítrio possível e não que busque por todas as causas.

No campo empírico, a posteriori, pesquisas indicam que o comportamento humano é estatístico, seguindo tendências e não regras determinísticas. A liberdade seria o caso de quebrar um padrão estatístico ou ainda dentro dos padrões já que as pesquisas retratam o que as pessoas querem, de acordo com Vitor. 

Então Vitor traz o experimento de Libet[ii] que mostra que há uma atividade cerebral precedente à decisão consciente indicando uma liberdade ilusória e a consciência como que justificando a escolha. Mele[iii] entende que esse potencial de prontidão não passa de uma preparação fisiológica e dentro do processo contínuo decisório. Além disso, o experimento trata de movimentos simples e não de um processo complexo de decisão. Também é mencionada a abordagem de Sapolsky em defesa do determinismo e de que o livre-arbítrio é uma sensação subjetiva, apenas, um reflexo condicionado de experiências passadas que ele aborda com exemplos práticos[iv].

 Por fim, argumentos favoráveis ao livre-arbítrio. Primeiro que, por hipótese, seres racionais são livres para tomarem suas decisões, ainda que isso seja um postulado ao modo kantiano. De outra forma não teríamos responsabilidade moral e etc. O’Connor entende que mesmo esse agir racional ainda pode ser determinado. Há ainda a experiência interna da liberdade que não precisa de explicação metafisica, mas é intuitiva, ao modo agostiniano. Por fim, do ponto de vista teórico, o livre-arbítrio pode ser considerado uma crença básica, como um fundamento da realidade. Os materialistas eliminativistas tentam explicar a realidade sem crenças, mas ainda não obtiveram sucesso.

[iv] Vitor discorda por se tratar de estatísticas e, nesse sentido, mostra que não se aplica a todos os casos. 

sábado, 28 de junho de 2025

Introdução ao tratado sobre os princípios do conhecimento humano

Notas sobre a introdução do tratado de Berkeley. Aqui vemos que o bispo tem uma ideia fixa contra a ideia abstrata[i]

1. A filosofia busca a verdade para evitar que os erros dos sentidos nos levem ao ceticismo.

2. Há imperfeição em nosso conhecer.

3. O problema pode ser o mau uso das nossas faculdades.

4. Inquirir princípios do conhecimento humano.

5. Difícil tarefa.

6. Problema com abuso da linguagem, noção de ideia abstrata, objeto da Lógica e Metafísica.

7. Tomar ideias por abstração (extensão, cor, movimento).

8. Ideia de algo em abstrato (ideia abstrata de movimento).

9. Não é fácil conceber ideias de coisas sem propriedades particulares.

10. Dois sentidos de abstração: considerar partes que podem existir separadas e não conceber qualidades que é impossível encontrar separadas.

11. Locke: o que distingue homens de animais é nossa capacidade de formar ideias gerais porque usamos palavras, pela linguagem. Palavras que são gerais por significarem ideias gerais, mas o sinal não é de uma ideia geral abstrata, mas de muitas ideias particulares.

12. Generalidade de uma ideia particular; tornar geral: não que exista ideia geral abstrata.

13. Locke: dificuldade em formar ideia abstrata. Berkeley: examinar se as encontramos em nosso próprio pensamento.

14. Ideias abstratas são desnecessárias a comunicação, que é simples.

15. Mesmo a universalidade: na demonstração, usam-se particulares.

16. Para demonstrar não preciso da ideia abstrata, mas generalizar.

17. Os escolásticos, grandes mestres da abstração, nos legaram disputas e controvérsias. “Mas talvez isso possa findar pela revisão de falsos princípios adotados no mundo; e entre eles nenhum talvez exerceu (sic) maior império no pensamento especulativo do que o das ideias gerais abstratas.” (p. 15).

18. A linguagem é a fonte dessa noção privilegiada onde um nome geral é significado por uma ideia abstrata de uma coisa particular. Mas confunde-se a improvável representação com a sugerida definição.

19. Supõe-se que a linguagem só tem por fim comunicar ideias, isto é, palavras significativamente e o que envolve noções abstratas.

20. Há outros fins para a linguagem que usam nomes gerais sem formar ideias (emoções, paixões, promessas). Ocorre que nem mesmo nomes próprios chamam a atenção para os indivíduos desejados ("Aristóteles disse isso").

21. Dada a impossibilidade das ideias abstratas devemos usar as palavras para empregar ideias puras e simples.

22. Vantagens: 1.) evitar controvérsias, 2.) evitar ideias abstratas e 3.) limitar pensamento a ideias despidas de palavras para não nos enganarmos.

23. Citação: “obter essa vantagem pressupõe libertação completa da falácia de palavras” (p. 17), embora seja difícil quebrar união entre palavras e ideias.

24. Se só temos ideias particulares é em vão buscarmos ideias abstratas associadas a um nome, os nomes nem sempre significam ideias.

25. Libertar os primeiros princípios do conhecimento da confusão das palavras.



[i] BERKELEY, George. Tratado sobre os princípios do conhecimento humano. Trad. Antonio Sérgio. São Paulo: Abril Cultural, 1973. (Coleção Os Pensadores). O tema foi muito bem explorado por Hacking e resumimos nesse texto: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2024/01/as-abstracoes-do-bispo-berkeley.html. 

O documento aborda a introdução do tratado de George Berkeley sobre os princípios do conhecimento humano. Berkeley critica a ideia de abstração, argumentando que é difícil conceber ideias de coisas sem propriedades particulares. Ele discute a imperfeição do nosso conhecimento e o mau uso das nossas faculdades. Berkeley também examina a noção de ideias abstratas e como elas são desnecessárias para a comunicação. Ele sugere que a linguagem é a fonte dessa noção privilegiada e que devemos usar palavras para empregar ideias puras e simples, evitando controvérsias e limitações do pensamento.

domingo, 22 de junho de 2025

Origem capitalista

Esta reflexão passa por temas básicos do sistema capitalista[i]

Falemos brevemente da teoria da mais valia que procura mostrar que o lucro do patrão vem do trabalho do empregado e não de outro meio. Isso ocorre porque a única forma de produzir um novo valor é por meio do trabalho. No sistema capitalista o patrão é dono dos meios de produção: das máquinas, ferramentas e instalações e esse é um tipo de despesa que ele tem. Porém, máquinas, energia elétrica e matérias primas não se transformam em produtos “ex abrupto”, elas precisam da força de trabalho, constituindo-se essa uma segunda despesa do patrão. Ocorre que a base do sistema capitalista é o lucro, isto é, a acumulação de capital e ele não pode se originar de uma despesa que seja artificialmente elevada porque dessa forma ela seria repassada a outro capitalista, que compra o produto e que, depois, também precisaria gerar um novo lucro pela subida artificial de preços e assim sucessivamente. Ora, nesse processo, não se gera valor. O valor é gerado quando o patrão paga ao trabalhador menos do que ele poderia receber e abocanha esse valor que se caracteriza como lucro, que se serve para que ele possa investir na expansão de seu negócio ou especular.

É o valor do trabalho, a mais-valia que não é originada como se poderia pensar da compra e venda de mercadorias acima de seu valor e nem do simples investimento em meios de produção. A mais-valia é o valor excedente gerado pelo trabalho de um operário que não é a ele pago na forma de salário, isto é, ele vende sua força de trabalho por um valor inferior ao que ela vale. Há um capital constante, o das primeiras despesas, que sempre é repassado, mas há o capital variável, do trabalho humano que, este sim, cria valor. E o trabalhador não recebe pelo valor que ele cria, mas pelo valor necessário para reproduzir sua força de trabalho.

Acontece que essa não é uma situação “natural”, muito ao contrário, ela antagoniza patrões e empregados, já que cada qual tem um objetivo diferente. Mas ela se oculta na ideologia dominante, ou seja, na circulação de ideias que visam esconder que, por exemplo, uma pessoa é pobre não porque é explorada, mas porque é preguiçosa e não gosta de trabalhar, assim naturalizando-se a desigualdade e desencorajando a luta por melhores condições. A ideologia surge como norma que institui o ordenamento vigente como natural e faz com que se imponham os valores da classe dominante. O ordenamento vigente, como o capitalista, surge então como uma realidade que deve ser seguida e obedecida, quando na verdade é um constructo histórico e social.

Como não poderia deixar de ser diferente, a mídia é grande propagador da ideologia dominante, já que forjada no berço dos grandes capitalistas e utiliza a propaganda ideológica para mostrar uma realidade que se apresenta neutra, mas que é na maioria das vezes é tirada de seu contexto ou vista sob certos ângulos. Nesse sentido é uma arma filosófica questionar essas supostas “verdades” que visam encobrir a crítica.

Ponto fundamental é a alienação que ocorre porque o resultado do trabalho não fica de posse do trabalhador, mas é transferido ao patrão. O trabalhador mal tem condições de determinar o valor de salário, seu horário de trabalho e condições. Ele se integra e uma linha de produção como mais uma peça e mais se aliena porque não consegue enxergar o todo do processo e cumpre as tarefas pelas quais é delegado. Se é pelo trabalho que o homem passa a se desenvolver e transformar a natureza pelo seu pensar e agir, no capitalismo o trabalho se torna um instrumento de subserviência e exploração, se torna uma mercadoria.

Não podemos nos esquecer de que a ideologia também se perpetua na moral que rege a ordem vigente capitalista que condiciona valores e normas criando leis favorecem o interesse burguês na medida em que passa a falsa ideia de que todos são iguais quando na verdade e ela que acentua desigualdades. É uma moral hipócrita que serve ao individualismo burguês.

Mas é tomando pé dessa situação que podemos refletir e procurar agir dentro da liberdade que nos é possível dadas as condições sociais e históricas numa luta contra a dominação e alienação. Importante frisar que, se parece que o mundo é determinado, como é dito pela ciência, a consciência do homem é uma causa que permite mudar a essa determinação, é fonte de escolha. Entretanto, não é uma liberdade individual, ao contrário, ela visa a emancipação humana se desgarrando das condições econômicas que impinge perda de liberdade. Uma ação que vise o interesse coletivo e que promova melhorias efetivas no sistema de desequilíbrio.



[i] Com base no capítulo 3 (https://aprendamais.mec.gov.br/course/view.php?id=1945) de “Filosofia I - Turma 2025A” – Plataforma Aprender Mais, acessado em 19 de junho de 2025. Também com ajuda de pesquisas aleatórias na internet.