Aborda aspectos desse conceito tão complexo e multifacetado[i]
A questão da liberdade.
Vitor Lima introduz o tema problematizando a questão da liberdade[ii], se agimos
espontaneamente ou envoltos pela cultura e sociedade e que levanta reflexões
existenciais, metafísicas e éticas. O livre-arbítrio, inicialmente, estaria
ligado ao controle de nossas ações e se relacionando com a filosofia da mente,
dependendo de cada teoria. Assim, a causalidade das ações pode ser livre (mente
com natureza imaterial) ou determinada (mente física regulada por leis,
possivelmente sem escolha). O desafio é explicar a liberdade dentro de um mundo
físico, tema tratado no idealismo alemão, conforme lembra Lima, pelo escape da
mente do mundo material rumo ao ideal, seja um “eu” ou o absoluto.
Liberdade e filosofia da mente.
Entrando na filosofia da mente, para o dualismo a mente, sendo imaterial, não
está sujeita a leis físicas, abrindo espaço para a vontade livre, mas trazendo
problemas na explicação de como a mente se relaciona com o corpo, sendo coisas
diferentes. Já o fisicalismo, postulando uma mente física, precisa responder se
há liberdade. Se parece que as teorias físicalistas, mais populares atualmente,
tem maior proximidade com a ciência, conforme ressalta Lima, ainda há falta de
explicação. Outra teoria importante, o funcionalismo pode pleitear processos
que sejam ou não determinísticos, independentemente do suporte material. Nessa
visão de mente como software e dentro de um sistema arquitetural e com regras,
há dificuldade em encontrar a liberdade. Por fim, o eliminativismo interpreta o
livre-arbítrio como um conceito que pode ser redefinido, tratando-o como ilusão
porque não usa os termos da psicologia popular.
Temas centrais.
Entrando em questões centrais do livre-arbítrio, Lima contrasta liberdade de
ação com autodeterminação, o valor de uma ação moral e sua responsabilização e
implicações sobre qual a natureza da realidade e o sistema ético que a ela está
atrelado.
Determinismo.
Mas é o determinismo[iii]
ponto de partida para Vitor Lima, conceituado como mundo regido por leis
naturais e nada além disso, do ponto de vista metafísico, isto é, mesmo que
algo nos pareça “surpreendente”, como que com uma causa outra qualquer, isso
seria porque não conhecemos (do ponto de vista epistemológico) todas as
variáveis que atuam sobre o mundo físico, se mantido esse enfoque determinista.
Determinismo e correlações.
Vitor associa o determinismo ao princípio de razão suficiente[iv] (PRS) proposto por
Leibniz, isto é, tudo o que existe tem uma razão suficiente que o causa, como
uma explicação para as coisas serem como são, embora não restrito ao mundo
físico, porque Deus entra na causa das razões como causa primeira, à maneira de
Aristóteles ou Tomás. Então, o determinismo não busca a cadeia de causas, como
o PRS. Vitor também distingue o determinismo do fatalismo, quando as coisas
acontecem independentemente de uma ação, associado a algo sobrenatural:
“aconteceu porque tinha que acontecer”. Por fim, o determinismo não se confunde
com a previsibilidade, Vitor traz o exemplo do demônio de Laplace – uma entidade
que tudo sabe e conhece todas as leis – ela poderia prever o futuro? Vitor
ressalta que o determinismo independe se podemos ou não prever o futuro (e
vice-versa), mesmo uma inteligência infinita teria dificuldade de lidar com a
complexidade do caos.
Inserindo livre-arbítrio pela visão antiga-helenística.
Voltando ao livre-arbítrio, Lima pontua que este é tema em debate e remete sua
origem seja a Agostinho (origem na intenção) ou ao Epiteto (origem externa). Em
Platão, há conceituação da razão como guia de instintos e desejos, trazendo
harmonia interna e implicando liberdade. Em Aristóteles parece que há um
conceito de vontade que parte de um processo de deliberação interna, mesmo que
baseado em fatores externos, mas garantido autonomia. Aristóteles não se vale
de princípios universais, como é o caso platônico, o estagirita presta atenção nas
situações particulares, mas ambos alçam a razão ao patamar elevado na condução
das ações. Os estoicos e epicuristas acreditam que tudo é corpóreo e sujeito a
leis naturais, portanto deterministas. Vitor pontua que os estoicos eram
compatibilistas por aceitarem o livre-arbítrio no sentido de que nossas ações
dependem de nós. Os epicuristas entendiam que a natureza da realidade podia ter
desvios, fugindo de um determinismo rígido.
O livre-arbítrio na filosofia medieval.
Então Vitor traz Agostinho que, neoplatônico, tem sua visão teológica e cristã
e, nessa abordagem, busca incluir a liberdade humana (livre-arbítrio) dentro de
um mundo criado por um Deus onisciente. E é por aí que o mal tem espaço para
agir, a partir de uma vontade má que, lá na frente, buscará a salvação divina.
Filosoficamente falando, em Agostinho a vontade é autodeterminante e racional, não
determinada por fatores externos e nem por outras faculdades internas, como pontua
Vitor. Embora os desejos nos desestabilizem, a verdadeira liberdade deve buscar
o Bem – ideia platônica reguladora de uma realidade ordenada, agora
transformada em Deus (transubstanciada?). Então, a liberdade é, contra
intuitivamente, obedecer a Deus e não se manter indeterminada[v].
Modernos e contemporâneos.
Resumidamente, a questão moral permeia o livre-arbítrio porque sem ele não teríamos
responsabilidades pelos nossos atos, ainda que ela remeta a Deus como norma de
ação. Por outro lado, a descrição do mundo é primariamente fisicalista,
cientificista e dificulta a explicação do livre-arbítrio, quando podemos
lembrar do PRS como pilar da metafísica moderna. Mas o livre-arbítrio se situa
entre agir de outra forma ou autodeterminadamente, conciliando com a
responsabilidade moral. Já Espinosa é uma voz destoante nesse debate porque
traz uma visão necessitarista – as coisas acontecem assim porque deveriam acontecer,
retirando margem de liberdade e sendo um cético radical do livre-arbítrio. Como
o Deus de Espinosa[vi]
é a natureza, ele não delibera, não pune e nem recompensa. Porém, é exatamente
por não esperarmos uma recompensa que a ação moral deve ser virtuosa em si
mesma. Não devemos desejar nada além do que deve ser, mas orientar o que
queremos para o que irá acontecer, ou seja, desejar o que já aconteceria, aceitando
a realidade. Nas palavras de Vitor Lima: “liberdade não é livre-arbítrio, mas
harmonização entre aquilo que acontece e aquilo que você quer que aconteça”,
não lutar contra a “verdade das coisas”.[vii]
[i] Conforme a aula do canal INEF no
YT: https://youtu.be/DxQS_1Bi8o8,
usa como fontes SEP: Determinismo causal https://plato.stanford.edu/entries/determinism-causal/
e livre-arbítrio https://plato.stanford.edu/entries/freewill/.
[ii] Lembremos, foi o primeiro tópico
explorado nesse espaço, quando especulávamos de modo bem iniciante sobre temas
aleatórios: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2013/11/liberdade-liberdade-liberdade.html.
[iii] Interessante, no nosso Espaço,
Liberdade aparece muito e determinismo muito pouco. Aqui on passant: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2024/11/revisitando-o-mito-cartesiano.html,
mas associado livre-arbítrio e ao mito. De toda forma vamos precisar olhar o Prigogine
– ele fala de caos e ali pode abordar o assunto, a ver. Claro, essa oposição é
tema clássico, lembremos a terceira antinomia, por aqui bastante abordada.
[iv] Falamos que era formulação de
Schopenhauer: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2018/01/da-definicao-de-liberdade-no-livre.html?showComment=1746119356764#c5567412946183672067.
[v] Vitor passa lateralmente por Aquino
que concilia a visão aristotélica com a cristã e também mantem a primazia da
razão sobre a vontade.
[vi] Conforme https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2017/02/deus-ou-seja-natureza1.html
e o resumo da IA: O texto discute a filosofia de Espinosa, focando em sua
caracterização de Deus e sua visão revolucionária. Espinosa contesta a visão tradicional de
Deus, argumentando que Deus, ou seja, a Natureza, é a única substância, eterna
e livre, que causa a si mesma e a todas as coisas no universo. Ele rejeita a ideia de um Deus pessoal, com
intelecto e vontade, que cria o mundo por escolha, e em vez disso, propõe uma
"ontologia do necessário", onde tudo é determinado pela natureza
divina. Essa despersonalização de Deus
tem implicações políticas, libertando o campo político da imagem de governantes
com poderes divinos.
[vii] Ao final da aula, três breves
assuntos foram tratados, registremos: 1.) dignidade do herói, oriundo da tragédia,
mas que enfatiza o caráter do herói a seguir princípios para além dos atos de
coragem; 2.) amor fati, que se refere a amar o próprio destino, tema tratado pelo
estoicismo e Nietzsche, lidar com as dificuldades da vida; 3.) por fim lembrar
que a conceituação determinista de universa está mais associada a uma visão de
mundo clássica, hoje há espaço para a probabilidade, por meio da física do
século XX.