Mostra
o método por trás das navegações que, se influenciado pela tradição, a supera[i]
Vargas lembra que a Geografia, de Ptolomeu[ii] (século II d.C.), foi a
base do Mapa Mundi no século XV e cujos processos astronômicos são válidos até hoje.
Embora centralizada na Mesopotâmia, são mapas esféricos em oposição aos mapas
medievais que representavam a terra como um disco plano (ex. o mapa das Etimologias
de Santo Isidoro de Sevilha).
Ainda que com coordenadas imprecisas e, dadas as
dificuldades para medições, a Geografia foi considerada certa por
grandes cosmógrafos da época, incluindo aí o mapa usado por Colombo. Vargas
credita a isso também o caráter matemático dos primeiros livros da Geografia
e a autoridade do Almagesto[iii],
baseada na episteme theoretike com caráter de verdade.
Se havia o critério da autoridade dos sábios da
antiguidade clássica, com citações dessas duas obras de Ptolomeu em crônicas do
descobrimento das Ilhas Atlânticas, um novo critério de verdade, a visão
direta, surge quando os portugueses superam as supostas chamas líquidas do sol,
que fariam o mar efervescer ao sul da África.
O método da ciência renascentista diverge da
autoridade dos textos por contar com o que “pode ser visto”. A natureza não é
mais criatura de Deus e fundamentada na mente divina, mas uma natureza
panteísta, metafísica e de harmonia geométrica. A investigação pela visão
fenomenológica apoiada na geometria supera o método analítico das epistemes
gregas, mas ainda não é o empirismo que se funda no raciocínio indutivo.
Vargas ressalta que a lógica associada à confiança
ilimitada na razão humana fez com que, na antiguidade e Idade Média, a
discussão se baseasse em teses e não na enganosa observação sensível. Então, os
portugueses revelaram um novo mundo à Humanidade e descobriam novas coisas pela
visão direta, coisas que a teoria antiga não tinha experiência, porém levando
em conta as bases anteriores.
O método se caracteriza por “abrir os olhos e ver”,
para entender a razão por trás da natureza e a descrever ou desenhar, como o
fez da Vinci: observar a natureza e pintá-la à risca. Por de trás do método leonardiano
e mesmo no Voo dos Pássaros[iv]
está uma natureza matemática geométrica e assente em princípios de movimento da
Mecânica.
Mas, se é um conhecimento experimental, ele não se respalda
em uma teoria prévia, como ocorre em Galileu, conforme Vargas: “É muito mais
próximo da “experiência” vivida, do artista ou do técnico, do que da
experiência teorizada dos cientistas modernos ou da tecnologia de hoje”.
Kepler, que institui a astronomia moderna, segue tais
preceitos: ordem matemática da natureza, as figuras geométricas arquétipos na
mente de Deus. A arquitetura do cosmos de Kepler, se verdadeira, apresenta
sentido platônico e se permeia nas proporções harmoniosas. A teoria de Kepler,
entretanto, só é verdadeira se as observações sensíveis concordam com o esquema
arquetípico. É a ordem cósmica divina que presidia a natureza e o homem
partilhando dessa natureza independente da vontade.
Por outro lado, coexistia uma tradição hermética, que
considerava alterações no curso da natureza. É outro critério de verdade que
Vargas nos traz. Temos Paracelso, filósofo químico contemporâneo de Copérnico,
mas anterior a Kepler. Sua teoria alquímica também se valia da visão direta,
mas que tinha uma procura nas viagens e sabedoria popular e se utilizava dos
processos de combustão, vaporização e solidificação.
Paracelso, na alquimia, Kepler com a visão dos astros,
Leonardo observando a realidade: todos guiados pelo critério de verdade lançado
pelas navegações portuguesas.
[i] Conforme O Critério Renascentista da Verdade, Capítulo 6 de Vargas, M. (1994). Para uma filosofia da tecnologia. São Paulo: Alfa Omega.
[ii] Geografia foi uma obra
feita pelo famoso astrônomo grego Cláudio Ptolomeu, que viveu nos séculos I e
II d.C. Era um conjunto de oito volumes com conhecimentos científicos
greco-romanos que incluíam conhecimentos de geografia como localização por
coordenadas, ou seja, longitude e latitude. A obra foi traduzida e conservada
pelos árabes durante a Idade Média e posteriormente impulsionou o
desenvolvimento da cartografia. A primeira tradução para o árabe ocorreu no
século IX e para o latim no ano de 1406. Conforme: https://pt.wikipedia.org/wiki/Geografia_(Ptolomeu).
[iii] Almagesto é um tratado
matemático e astronômico escrito no século II por Cláudio Ptolomeu. A obra,
escrita em grego, adota o modelo geocêntrico para o sistema solar, além de
conter um extenso catálogo estelar. É um dos textos científicos mais influentes
de todos os tempos, tendo sido autoridade no assunto desde a antiguidade, no
império bizantino, no mundo árabe e na Europa ocidental ao longo da idade Média
e Renascença até o século XVI, quando o surgiu o heliocentrismo de Copérnico. Conforme:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Almagesto.
[iv] O Códice sobre o Voo das Aves é um
códice relativamente pequeno, registrado por volta de 1505 por Leonardo da
Vinci. Compreende 18 folhas e mede 21 × 15 centímetros. Localizado atualmente
na Biblioteca Reale em Turim, na Itália, o códice começa com um exame do
comportamento de vôo das aves e propõe mecanismos para o vôo por máquinas. Leonardo
construiu várias dessas máquinas e tentou lançá-las de uma colina perto de
Florença. Conforme: https://en.wikipedia.org/wiki/Codex_on_the_Flight_of_Birds.
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