A
construção do conceito do mito da máquina mostra que a técnica evolui enquanto
a vida humana é depreciada [i]
Lewis Mumford, historiador, vê a máquina ampliando
nossas capacidades ou “aliviando o ambiente” e tendendo ao autômato. Para ele,
a técnica é a relação entre meio social e inovação e, a tecnologia, os
procedimentos. Usa o jargão “a máquina” para tratar de todo o processo tecnológico
que inclui máquinas (dispositivos), ferramentas, utilidades, etc.
O papel da técnica na civilização
ocidental
Mumford trata da mecanização que atinge todos os processos orgânicos oriundos da disciplina de ferro dos monges beneditinos medievais e o ritmo imposto pelas horas canônicas, ritmo da máquina, que marca o tempo e permite quantificar. Conforme Cupani: “Para Mumford, o relógio (e não a máquina a vapor) é a máquina-chave da era industrial”. Assim como o espaço que, entre os séculos XIV e XVIII, passou de vinculado ao homem para sistema de magnitudes. Dessa maneira, o homem se afasta do mundo real e, por meio de abstrações, vai do capitalismo à ciência em uma busca de poder substituindo a economia das necessidades pela das aquisições.
E, um círculo virtuoso de técnica e capitalismo,
favorece a invenção e produção de máquinas, porém mais em proveito particular
que do bem geral. Nessa conjuntura está a mecanização como base da tecnologia científica.
É “a máquina” essa visão mecanicista do mundo, união de ordem e poder
alicerçados pelo comércio e a guerra.
Etapas do desenvolvimento tecnológico
Mumford define fases na evolução técnica com suas
formas de gerar energia, alterar a produção e com efeitos na sociedade.
Etapa eotécnica
(1000-1750): caracterizada pelo uso da água, madeira e ventos, o processo que
leva à Revolução Industrial na Europa traz contribuições de diversas culturas
(persa, chinesa, indiana). O ser humano vai deixando de ser o motor energético.
Além da madeira, utiliza o vidro (janelas, lentes). É uma época de
impessoalidade, das máquinas e autômatos, fundada nas invenções mecânicas e
método experimental e Cupani destaca a imprensa. Por fim, há equilíbrio entre
cultura e tecnologia, enriquecimento da vida humana, embora o capitalismo tenha
avançado na exploração do homem.
Etapa paleotécnica
(1750 ao final do XIX): caracterizada pelo uso do carvão e ferro, que sendo
fontes de energia permanentes trazem a indústria inorgânica (mineração)
superando a orgânica (têxtil). Acelera-se a produção em massa e exploração. A
máquina, tecnologia e filosofia mecanicista provocam o desejo de ganho do
empresário e enfraquecimento cultural (artes, diversão) e religioso. Conforme
Mumford: “Isso porque um novo tipo de personalidade tinha surgido, uma
abstração andante: o Homem Econômico – um neurótico de sucesso”.
A vida se degrada com pessoas amontoadas e
depauperadas com o progresso escondendo mazelas e ignorando que o tempo passado
foi melhor, mas suscitando noções como a luta de classes. Ainda que com grande
avanço do maquinário que desembocará na fase neotécnica, que finalmente cumpre as
promessas de Bacon e Leonardo e tendo como símbolo a estrada de ferro[ii], houve uma mudança
axiológica da aceleração do tempo em busca de ganho.
Etapa neotécnica
(até 1934): eletricidade e ligas metálicas, surge com o aperfeiçoamento, em
1832, da turbina de água onde colaboram ciência e tecnologia[iii]. Incremento da ciência e
técnica especializada, porém sem formação humanística. Há maior rapidez nos
transportes, comunicação instantânea, crescimento da automação. Se houve, por
um lado, tentativa de reduzir o papel das máquinas, houve, também, recuperação
das condições da era paleotécnica com cidades congestionadas, etc., ou seja, entre
conquistas, problemas e compensações, questiona-se o papel da máquina no
melhoramento da existência humana, principalmente por conta da associação ao
capital.
O “mito da máquina”
Trinta anos depois,
Mumford avalia que somos, sim, homo sapiens e não homo faber. A produção humana
supera a necessidade orgânica, haja vista nosso potencial cerebral que nos
permitiu criar a linguagem e uma organização social que trouxe ordem cultural e
nos deu certa estabilidade.
Então, é antes a mente que possibilita a criação de artefatos,
como se vê no Neolítico até o surgimento da civilização em 3000 a.C., chamada
por ele de grande máquina (big machine), que concentrou o poder e dominação
nas mãos de uma minoria, organização, estruturação da população e o grande feito
na construção da pirâmide de Quéops.
É uma megamáquina, constituída de seres humanos, que
se prolonga ao longo dos tempos, entre aspectos positivos e negativos,
acelerada por um capitalismo que afasta o artesanato tradicional em prol do
poder. Impulso obsessivo de controlar natureza e vida que se inicia no XVII
pela associação entre interesses humanos e pressões tecnológicas.
O pentágono do poder (poder – propriedade –
produtividade – proveito – prestígio) marcha na direção do grande cérebro (computador)
que pode nos eliminar. Segundo Mumford, só compreendendo nossa própria natureza
poderemos controlar ou suprimir o que produzimos. Conforme a fórmula:
Se
devemos evitar que a megatécnica continue controlando e deformando cada aspecto
da cultura humana, seremos capazes de fazer isso tão somente com o auxílio de
um modelo radicalmente diferente [de vida] derivado diretamente não das máquinas,
mas dos organismos vivos e dos complexos orgânicos (ecossistemas).
[i] Conforme Cupani, Alberto. Filosofia
da tecnologia: um convite. 3º ed. Florianópolis: Editora da UFSC, 2016.
Capítulo 3: A visão do historiador. Podemos apreender há uma visão de
progresso pessimista, diferente de outros autores, por exemplo Vieira Pinto. Da
para notar semelhanças entre ambos.
[ii] A saber: eletricidade, escoamento
de produção, regularidade e segurança.
[iii] Casamento perfeito ou maldito?
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