De
acordo com Schopenhauer, o “nó do mundo” seria o problema mente/corpo (que é
estudado pela Filosofia da Mente). Mas,
a mente é distinta do corpo? O dualismo
afirma que sim: os estados mentais [conscientes] são distintos dos estados
físicos; o materialismo aproxima
mente e cérebro reduzindo os estados mentais a estados materiais. Os estados
mentais são sentimentos, crenças, sensações e emoções conscientes; os estados
materiais os processos físicos cerebrais, o comportamento, a condição física do
corpo e órgãos.
Para
os dualistas, se somos conscientes dos estados mentais, eles não parecem ser “meramente”
estados cerebrais ou físicos. Isso se dá mais pelo conhecimento que temos dos
estados materiais e de como eles deveriam ser do que de como seriam realmente os
estados não materiais. Historicamente, o dualismo foi pensado por Descartes como
a divisão do homem em duas substâncias
separadas: a mente com seus estados mentais e o corpo com seus estados físicos
(assim parece pensar Foster**). Nessa linha, há uma versão de dualismo mais
recente (de Frank Jackson e David Chalmers) que defende que há somente uma substância, mas com um
atributo (ou propriedade) mental, espiritual e outro material ou físico (na
versão mais antiga, existiria a possibilidade de sobrevivência após a morte do
corpo).
Não
há consenso no dualismo, também, no que se refere a possíveis relações causais
entre a mente e o corpo. Para o senso comum haveria o interacionismo entre mente e corpo: causação de estados mentais por
estados materiais e vice-versa. Por exemplo, sinto frio (corpo) e penso em vestir
uma blusa (mente); acredito que vai chover (mente) e apanho um guarda-chuva (corpo).
Aqui permanece a questão de explicar como coisas materiais interagem com coisas
imateriais. Discordando do senso comum, para o epifenomenalismo (versão mais popular de dualismo atualmente), há apenas uma direção de causação, do material para o mental, já que, de outra forma,
seria difícil explicar estados materiais não somente a partir de estados materiais.
Há ainda o paralelismo, que defende
que não há relação causal entre os estados, mas eles ocorrem em paralelo sendo
preestabelecidos ou harmonizados por Deus.
Já
o materialismo reduz mente e estados mentais ao corpo e seus estados materiais
(se é que haveria mente...). O behaviorismo
lógico da metade do século passado defendeu que os estados mentais seriam “apenas”
comportamentos ou disposições corporais (p.ex. estar com dor é tomar remédio).
Entretanto, parece muito implausível negar a existência de estados mentais
conscientes ou que eles não influam no comportamento. Para a teoria da identidade, os processos
mentais são processos neurofisiológicos do cérebro. Independentemente das
dificuldades de caracterizar estados mentais (que seria o caso do behaviorismo
lógico que chamaria de vulgar o conteúdo dos conceitos de estados mentais) ou
mesmo experimentá-los, independentemente da noção de cérebro, a identidade dos
estados é uma descoberta empírica. Mas como ficam os conteúdos dos conceitos
dos estados mentais, se não envolvem estados cerebrais? Há um conceito
independente da coisa...
Uma
terceira visão materialista é o funcionalismo
que, como a teoria da identidade, trata o conteúdo ou natureza dos estados
mentais de forma neutra em relação a dualismo ou materialismo, entretanto acrescentando
que são certos estados cerebrais que realizam os estados mentais. Para ela os
estados mentais são estados funcionais que tem papeis causais. Aqui tudo é
causal: a) uma experiência sensorial externa produz uma entrada que gera um
estado mental, b) que interage com outros estados mentais, c) gerando uma saída
comportamental externa. Não importa caracterizar o estado mental, mas verificar
o seu papel. As teorias postas, optando pela última como sendo a mais simples,
restaria explicar porque os estados neurofisiológicos parecem ser estados
mentais [conscientes], por um lado sendo intencionais, como estados mentais
sobre ou representando algo, como a mente compreende o mundo; por outro lado, os seus aspectos qualitativos, um caráter experiencial distintivo, um sentimento
diferente do material.
Estados mentais
intencionais. Fodor*** aproxima os estados mentais
aos estados funcionais de um computador, mas Searle argumenta que o computador
manipula símbolos e jamais daria conta da intencionalidade dos estados mentais.
O pensamento humano teria um significado intrínseco e o computador manipularia símbolos
sem significado, enquanto Fodor insiste na possibilidade do computador ter
pensamentos com conteúdo.
Consciência qualitativa.
E o caráter qualitativo da experiência individual? Seria possível conhecê-lo
pela descrição material ou funcional de seus estados, seria possível descrever
esse caráter de algum outro animal? Transformar estados mentais em estados
físicos é negar esse caráter. Por outro lado, poderíamos tentar resolver as
dificuldades do dualismo, buscando uma teoria de leis psicofísicas explicando a
relação entre mente e corpo.
______
*
Mentes e Corpos. In: FILOSOFIA – Textos fundamentais comentados. BONJOUR, L e BAKER,
A. Universidade de Washington.
**
John Foster (1941-) é professor da Universidade de Oxford. Ele tem escrito vastamente
sobre metafísica e epistemologia, assim como sobre filosofia da religião e filosofia
da mente.
***
Jerry Alan Fodor (n. em 1935)
é um filósofo e cientista cognitivo americano. In: https://pt.wikipedia.org/wiki/Jerry_Fodor.
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