sexta-feira, 4 de março de 2016

Dá para desatar o nó do mundo?*

De acordo com Schopenhauer, o “nó do mundo” seria o problema mente/corpo (que é estudado pela Filosofia da Mente).  Mas, a mente é distinta do corpo? O dualismo afirma que sim: os estados mentais [conscientes] são distintos dos estados físicos; o materialismo aproxima mente e cérebro reduzindo os estados mentais a estados materiais. Os estados mentais são sentimentos, crenças, sensações e emoções conscientes; os estados materiais os processos físicos cerebrais, o comportamento, a condição física do corpo e órgãos.
Para os dualistas, se somos conscientes dos estados mentais, eles não parecem ser “meramente” estados cerebrais ou físicos. Isso se dá mais pelo conhecimento que temos dos estados materiais e de como eles deveriam ser do que de como seriam realmente os estados não materiais. Historicamente, o dualismo foi pensado por Descartes como a divisão do homem em duas substâncias separadas: a mente com seus estados mentais e o corpo com seus estados físicos (assim parece pensar Foster**). Nessa linha, há uma versão de dualismo mais recente (de Frank Jackson e David Chalmers) que defende que há somente uma substância, mas com um atributo (ou propriedade) mental, espiritual e outro material ou físico (na versão mais antiga, existiria a possibilidade de sobrevivência após a morte do corpo).
Não há consenso no dualismo, também, no que se refere a possíveis relações causais entre a mente e o corpo. Para o senso comum haveria o interacionismo entre mente e corpo: causação de estados mentais por estados materiais e vice-versa. Por exemplo, sinto frio (corpo) e penso em vestir uma blusa (mente); acredito que vai chover (mente) e apanho um guarda-chuva (corpo). Aqui permanece a questão de explicar como coisas materiais interagem com coisas imateriais. Discordando do senso comum, para o epifenomenalismo (versão mais popular de dualismo atualmente), há apenas uma direção de causação, do material para o mental, já que, de outra forma, seria difícil explicar estados materiais não somente a partir de estados materiais. Há ainda o paralelismo, que defende que não há relação causal entre os estados, mas eles ocorrem em paralelo sendo preestabelecidos ou harmonizados por Deus.
Já o materialismo reduz mente e estados mentais ao corpo e seus estados materiais (se é que haveria mente...). O behaviorismo lógico da metade do século passado defendeu que os estados mentais seriam “apenas” comportamentos ou disposições corporais (p.ex. estar com dor é tomar remédio). Entretanto, parece muito implausível negar a existência de estados mentais conscientes ou que eles não influam no comportamento. Para a teoria da identidade, os processos mentais são processos neurofisiológicos do cérebro. Independentemente das dificuldades de caracterizar estados mentais (que seria o caso do behaviorismo lógico que chamaria de vulgar o conteúdo dos conceitos de estados mentais) ou mesmo experimentá-los, independentemente da noção de cérebro, a identidade dos estados é uma descoberta empírica. Mas como ficam os conteúdos dos conceitos dos estados mentais, se não envolvem estados cerebrais? Há um conceito independente da coisa...
Uma terceira visão materialista é o funcionalismo que, como a teoria da identidade, trata o conteúdo ou natureza dos estados mentais de forma neutra em relação a dualismo ou materialismo, entretanto acrescentando que são certos estados cerebrais que realizam os estados mentais. Para ela os estados mentais são estados funcionais que tem papeis causais. Aqui tudo é causal: a) uma experiência sensorial externa produz uma entrada que gera um estado mental, b) que interage com outros estados mentais, c) gerando uma saída comportamental externa. Não importa caracterizar o estado mental, mas verificar o seu papel. As teorias postas, optando pela última como sendo a mais simples, restaria explicar porque os estados neurofisiológicos parecem ser estados mentais [conscientes], por um lado sendo intencionais, como estados mentais sobre ou representando algo, como a mente compreende o mundo; por outro lado, os seus aspectos qualitativos, um caráter experiencial distintivo, um sentimento diferente do material.
Estados mentais intencionais. Fodor*** aproxima os estados mentais aos estados funcionais de um computador, mas Searle argumenta que o computador manipula símbolos e jamais daria conta da intencionalidade dos estados mentais. O pensamento humano teria um significado intrínseco e o computador manipularia símbolos sem significado, enquanto Fodor insiste na possibilidade do computador ter pensamentos com conteúdo.
Consciência qualitativa. E o caráter qualitativo da experiência individual? Seria possível conhecê-lo pela descrição material ou funcional de seus estados, seria possível descrever esse caráter de algum outro animal? Transformar estados mentais em estados físicos é negar esse caráter. Por outro lado, poderíamos tentar resolver as dificuldades do dualismo, buscando uma teoria de leis psicofísicas explicando a relação entre mente e corpo.
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* Mentes e Corpos. In: FILOSOFIA – Textos fundamentais comentados. BONJOUR, L e BAKER, A. Universidade de Washington.
** John Foster (1941-) é professor da Universidade de Oxford. Ele tem escrito vastamente sobre metafísica e epistemologia, assim como sobre filosofia da religião e filosofia da mente.
*** Jerry Alan Fodor (n. em 1935) é um filósofo e cientista cognitivo americano. In: https://pt.wikipedia.org/wiki/Jerry_Fodor.

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