Somos a espécie racional, característica que nos diferencia dos animais e dos demais seres que conhecemos no planeta. Trocando em miúdos: ser racional significa que raciocinamos, ou seja, pensamos e sabemos que pensamos, pensamos e refletimos, pensamos e calculamos. O pensar é o ato que nos dá autonomia, nos leva a tomar decisões; é pensando que sobrevivemos, sabemos que precisamos comer, como os animais; é pensando que nos relacionamos usando a linguagem; e é pensando que fazemos ciência. As ciências se utilizam do pensamento para resolver seus problemas e se desenvolver, o pensamento é o meio através do qual a teria se formula e se expressa. Para algumas ciências o pensamento é objeto, como a neurologia com o pensamento sendo mais objeto físico ou a psicologia, que vê o pensamento como objeto psíquico, mas ambas tem como pano de fundo alguém, um sujeito, seja ele corpo ou seja ele agente. Para a filosofia, o pensamento também é objeto, mas objeto desconectado, objeto em si mesmo, abstratamente separado de um corpo e universalmente separado de um sujeito: o que vale para um pensamento enquanto objeto filosófico, vale para todo e qualquer pensamento aqui e acolá, enquanto aquela hipótese for verdadeira ou tomada como verdade.
Tratar a filosofia como ciência do pensamento objetivado em si, separado, poderia levá-la a ser considerada uma ciência do vazio ou com menor utilidade? Não acreditamos. Porque tudo o que fazemos, fazemos pensando. Há um pensamento que resolve um problema de matemática. Ok. Não paramos para pensar nesse pensamento porque as idéias matemáticas já nos são dadas como imutáveis e verdadeiras. Mas o pensamento que aí opera é o lógico, ele é condição de possibilidade para o acordo intersubjetivo entre eu e você, nós que concordamos que dois mais dois é igual a quatro. Há um pensamento que conhece o mundo: sabemos que o pão é de comer e a terra é para plantar, mas não paramos para pensar nisso; aí está a teoria do conhecimento. Se a pintura, o quadro é belo, aí mora um pensamento prazeroso, que não analisamos pelo viés estético filosófico. Ou a crítica política, etc. Há sempre um pensamento lá.
A possibilidade de reflexão sobre coisas, sobre nós mesmos, uma desconstrução da realidade apontando para um horizonte novo que se abre, aí está uma atividade filosófica que se aproveita do pensamento revelador que emancipa. Precisa do discurso racional? Precisa sim. Tanto lá como aqui, não há objeto determinado e a ideia (o conceito) se desenrola por meio de uma argumentação coerente. Tem regra? Acreditamos que não. Acreditamos que a premissa é a coerência interna, tem que ser plausível, deve haver início, meio e fim, não precisa ser longo e pode representar uma ideia (conceito). Por exemplo, a frase: "Quem tem tudo não tem nada." pode ser filosófica, é uma frase que tem coerência interna, permite refletirmos logicamente que quem tem tudo não tem mais nada, porque já tem tudo, para quem tem tudo o resto é um nada e aí o que fazer com tudo? É uma frase vazia, solta e sem sentido? Não, não é. Ela permite verificar e concluir que qualquer ideia de totalidade não permite o diálogo e acaba por se encerrar em si mesma. Querer mais um pouco é bom? Talvez, mas pode ser perigoso. E querer menos? Tende ao nada. Equilíbrio! Deve ser esse conceito para o qual aquela frase remete. Na minha leitura daquela frase, esta é minha filosofia, a manifestação do meu pensamento. Para você essa frase pode significar outra coisa ou não significar nada. É o seu modo de pensar sua filosofia. E assim as suas ideias sobre tudo o que está por aí vão se associando e se moldando, formando um discurso coerente e que emancipa. Sem o exercício filosófico, agimos e pensamos naturalmente, com naturalidade. Com o exercício filosófico, pensando no que se pensa, a ciência do pensamento expressa um significado e uma leitura que pode me mudar, que pode te mudar, nos mudar. Vai que rola...
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