O uso da Razão permitiu ao homem criar objetos para superar os
limites da Natureza. Entretanto, essa “lógica do objeto” poderia levá-los ao
domínio deles sobre nós: eles poderiam nos dispensar de todas nossas atividades
ou mesmo nos exterminar. A mesma possibilidade de extinção ameaça os
professores: se a psicologia já diminuíra o seu papel transformando-o em “facilitador”,
o ensino à distância os coloca em posição passiva frente ao processo
educacional. Mas, como fica a presença real, corporal do professor? A lógica capitalista
cria objetos que se adéquam ao que o sujeito quer, o desejo vira necessidade.
Se Lacan considera que a relação sexual não existe porque não há relação satisfatória,
é essa falta que estimula o desejo, ao passo que a necessidade vem da adequação
do sujeito ao objeto, em uma relação completa que faz com que o sujeito perca
seu interesse pelo outro. Ao que parece, quando a relação aluno-computador
satisfaz, a relação professor-aluno tende a desaparecer.
A polarização desejo versus necessidade transparece mais
claramente quando Voltolini analisa as teorias da psicologia behaviorista e a
psicanálise. O behaviorismo busca “naturalizar” o homem equiparando-o ao animal
e aproximando-o do instinto e de modo que se oriente pela necessidade. Assim, o
behaviorismo usa um método de conformidade, baseado em estatísticas de padrões de
comportamento que adéquam às demandas dos contingentes populacionais. É o que
denuncia Lacan no Discurso do Capitalista: partindo do objeto que cria
necessidade, que possibilita a relação direta entre sujeito e objeto e tentando
eliminar o desejo; relação esta que seria impossível – como a relação sexual. Para
a psicanálise, por outro lado, é justamente o instinto precário do homem que
abre espaço para o pulsional apontando para uma desnaturação humana que se
afasta da natureza e cria suas próprias condições humanas. E Voltolini acentua
que o objetivo do capitalista é criar o objeto que cause necessidade absoluta,
assim como a dependência criada pelo narcotráfico.
Mas o que o behaviorismo procura instaurar ao aproximar os homens
dos animais, ao trabalhar com mecanismos que visam o controle da população a
partir de dados estatísticos gerias, em detrimento do particular que o dado não
desvela, é apagar uma diferença fundamental entre eles: a linguagem, a fala que
faz do homem animal político.
Trazendo para a educação: a relação professor-aluno não existe, não
há objeto do instinto e, dessa impossibilidade, busco me relacionar com o
outro. E mais: não há receita para a relação entre dois – o aluno ideal não é o
aluno da prática assim como o professor ideal não é aquele que está na sala de
aula todos os dias, embora o discurso tecnicista queira implicar uma complementaridade
entre ambos e elucidar como eles “funcionam”, por meio de um discurso
prescritivo que não se concretiza. Mas como a psicanálise resolve essa questão?
“Em termos psicanalíticos é a transferência, o termo criado para dar conta do
campo de engodo que se estabelece entre dois que se acham numa relação na qual
qualquer cálculo que um faça sobre o outro é ao mesmo tempo vital e enganoso.” Transferência
que exige que professor e aluno estejam pertos um do outro e que ambos se engajem
no que Voltolini chama de “encontro” professores alunos, encontro que é vivo, imprevisível
e improvisado.
E o EAD? A técnica, da estratégia capitalista, foge à palavra para
controlar e buscar resultados mediante aquele contato com o objeto que supre necessidades
e se opondo ao discurso que “engancha” os atores, discurso da linguagem que se
afasta do objeto. Falando, nos desnaturamos e nos afastamos do instinto
entrando no campo do pulsional e é na transferência que a palavra ganha vida, espaço
de diálogo. É aí que o professor atua: não como reservatório de informação ou
mediador, mas como partícipe do potencial transferencial.
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* Resenha
– texto “A relação professor-aluno não existe: corpo e imagem, presença e
distância” – Rinaldo Voltolini.
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