terça-feira, 17 de setembro de 2024

Uma teoria da mente

Detalha um pouco mais uma teoria da mente cujo nível mais abstrato é o intencional

Nas ciências e na filosofia tem-se o hábito da análise por meio de teorias. Dessa forma, os problemas são nela enquadrados e elas se propõem frutíferas, até que sejam superadas. Sobre isso Kuhn muito falou[i]. Entretanto, a teoria que usamos em determinada situação é um óculo que ao mesmo tempo amplifica nossa visão e impede que vejamos ao largo. Mais ainda, uma teoria é uma base através do qual se constroem muitos edifícios e, quando passamos a habitar um deles, esquecemos de sua fundação. Mas não importa, desde que útil e conveniente.

Ilustremos: quando Dennett faz uma divisão em três níveis de explicação dos processos que descrevem organismos ou aparatos complexos, ele permite uma análise interessante, mas isso não significa que não haja outros pontos de vista relevantes. Mas, o caso aqui é a sua análise, é ela que vamos esquematizar com Teixeira[ii].

São eles: o físico, o do design ou planejamento e o intencional. Visam explicar comportamentos de organismos / dispositivos complexos. O primeiro é o da aplicação das leis da natureza cujo número de variáveis não é abarcado por método conhecido por ser muito grande. O segundo é da descrição da arquitetura e encaixe de peças que permitem o seu funcionamento. Por fim, o terceiro trata do sistema que atribui a ele racionalidade, predicados mentais.

Conforme já dito, o uso de termos psicológicos é uma estratégia eficiente já que permite predizer comportamentos, independentemente da base ontológica desses termos e ainda nos livra de explicações físicas ou do seu projeto de concepção. Assim, a predição do comportamento de um computador que joga xadrez pela perspectiva intencional assume que ele tem “desejo” de ganhar e que “conhece” as regras do jogo.

Entretanto, não se pode eliminar a psicologia popular como desejavam alguns materialistas e assume-se nossa ignorância perante a complexidade de alguns sistemas[iii]. Uma vez assumida uma perspectiva intencional para a previsão de comportamento, por mais que certos sistemas sejam acessíveis a uma descrição que chegue ao nível físico, ainda assim se mantem a versão mais abstrata dada sua capacidade de sistematização[iv].

De toda sorte, para Dennett seria impossível a redução do intencional ao físico (ou do intensional ao extensional). Mesmo que haja uma área no cérebro que cintile quando ocorre determinada crença, não há garantia de tradução inequívoca do vocabulário psicológico ao neurológico. Ora, por mais que se possa atribuir crenças ou intenções a um robô, isso não significa que haja um determinado substrato físico. Essa é a tese funcionalista que prosperou nos anos 70 incentivando a possibilidade da inteligência artificial independente de um substrato biológico.

Como em um jogo de xadrez que independe do material do qual são feitas as peças, há o jogo, as regras que não se reduzem ao substrato. Assim também a mente não se reduz ao cérebro embora “esteja” nele[v]. Além disso, o funcionalismo é não reducionista, conforme explica Teixeira, já que não se pode saber que música está sendo tocada somente observando o funcionamento das peças do rádio. Há, também, a tese da múltipla instanciação: dois rádios diferentes podem tocar a mesma música e dois rádios idênticos podem tocar músicas diferentes. Essa é uma analogia para a teoria da identidade cérebro mente chamada token-token e que será estudada adiante.



[i] “O expoente é Kuhn com o “paradigma”, quer dizer, as crenças e valores dos cientistas e o modelo de sua atividade ficam vigentes enquanto tratam dos problemas de determinada visão de mundo, até que entram em crise e uma revolução estabelece um novo paradigma. Nesse sentido, mais do que uma acomodação aos fatos do mundo, vale resolver os problemas.” – Citação de Introdução panorâmica à filosofia e sociologia da ciência do século XX – quinto parágrafo. https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2021/02/introducao-panoramica-filosofia-e.html.

[ii] Conforme páginas 43 a 50: A mente segundo Dennett, de, João de Fernandes Teixeira. São Paulo: Editora Perspectiva, 2008.

[iii] Seria o caso de que isso se contrapõe a uma visão de autonomia tecnológica? Conforme https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2021/08/democracia-tecnologica.html.

[iv] Nem se cai nas teses behavioristas de tratar aprendizado por reforço – comportamento determinado pelo ambiente.

[v] A mente pode estar corporificada: tese enativista. 

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