Criticando a filosofia moderna, Rorty abre espaço para um outro tipo de conhecimento [i]
Rorty defendeu o materialismo eliminativo,
um tipo de teoria da identidade mente e corpo que questiona a tese da
impossibilidade de corrigir as representações mentais, já que teríamos um
acesso privilegiado a elas e não conseguiríamos revê-las. Evoluindo seu
pensamento, depois ele fez críticas as teorias da verdade como coerência e como
correspondência, solapando a ideia de um mundo independente da mente e
superando o debate entre idealismo e realismo; ele se volta contra uma
filosofia fundante centrada na epistemologia.
Para Rorty, no projeto filosófico moderno
a epistemologia era baseada em uma metáfora do “olho da mente” que representa o
mundo exterior. Conhecimentos a priori se originam na filosofia da “mente como
espelho” e que pode ser estudada a priori, polindo-se esse espelho. Sem essa
metáfora, não há análise fenomenológica ou análise lógica da linguagem, já que,
mesmo Frege, transformou problemas de ideias em problemas de linguagem, porém
manteve o a priori e o empírico. Nessa visão, a linguagem se apega ao mundo do
mesmo modo que o conhecimento se apegava ao mundo, para Descartes.
Sellars, com o “mito do dado”, e Quine
refutando a “distinção analítico sintético” contribuem para eliminar problemas
canônicos da filosofia, em um trabalho de terapia[ii] filosófica ao modo de
Wittgenstein[iii],
do que tentar resolvê-los teoricamente (i.e., são problemas mal colocados,
conforme fala Plastino). Os problemas filosóficos são trazidos historicamente dentro
de um vocabulário que deve ser questionado. Mesmo a filosofia analítica ainda
tenta dirimir “desafios filosóficos”, mas ela não é o melhor estilo, apesar de
útil. É preciso enxergar historicamente se não quisermos cair no platonismo.
A filosofia deve superar o projeto de
descobrir a Verdade ou agir segundo a Razão buscando uma autotransformação e
aquisição de novos vocabulários, deixando de lado o projeto epistemológico e a
filosofia sistemática. Apesar da virada linguística, a filosofia moderna ainda
assombra a filosofia analítica. Quine contribui com a visão de Rorty, por
exemplo, ao abandonar a ideia de significado como determinando a referência, ideia
essa que torna proposições verdadeiras independente do que ocorra, como os
enunciados analíticos que são verdadeiros apenas em virtude do significado de
seus termos. Sellars puxa para a noção de conceito que nós temos e que usamos
em contextos, ou seja, perceber algo já requer o conceito: primeiro tem-se o
conceito de verde para depois ter a consciência de coisas verdes.
Daí que Rorty vai tomar a noção de
justificação como uma questão de prática social, ter o conceito e saber usar em
uma prática social para que seja conhecimento e não a “relação entre palavra e
objeto”. Justificamos na conversação, criticando e tratando objeções. Ele rompe
a relação, supostamente verdadeira, entre a crença e o fato, e a traz para os
jogos de linguagem. A epistemologia se dá pelo diálogo, por um vocabulário
contingente e não por representações fiéis da realidade. É o chamado
behaviorismo epistemológico, que não transcende a prática e se opõe ao
objetivismo de Putnam.
Mas como usamos as palavras e formamos
crenças? Temos que descrever o modo como as formamos, ao estilo de Kuhn, em
períodos, crises, paradigmas e vocabulários que se sucedem. Mais do que a
experiência, é a prática que desempenha papel central no conhecimento. Davidson também contribui com a visão de
Rorty, questionando o relativismo conceitual (e cognitivo), modos de organizar
a experiência, e com esquemas conceituais apartados. Ora, sempre é possível
haver uma tradução entre duas linguagens, ele se apega à interpretação radical já
que a maioria de nossas crenças (e a dos outros) devem ser verdadeiras.
Critica-se o ceticismo radical, pois a
linguagem é compreensível e compartilhada. O dogma esquema – conteúdo[iv] (mundo) provoca o relativismo,
mas temos contato com os objetos não mediado. Rorty critica a noção de verdade,
baseado em Quine, e procura eliminar o predicado “é verdadeiro” que se aplica à
expressão “A neve é branca” é verdadeira sse a neve é branca. Também distinguir
verdade e justificação: supor que p é verdadeira é supor que p, sem justificação. Não se pode dizer
verdadeiro para mim ou na minha cultura (noção absoluta), mas se pode dizer justificado
para mim ou na minha cultura (noção relativa) – confusão feita por James e
pragmatistas. A justificação é um
critério para uma proposição ser verdadeira e não uma definição de verdade. Assim,
não há crenças indubitáveis, visão falibilista. Justificar depende de cultura e
jogo de linguagem.
Estamos no campo do ironismo liberal
defendido por Rorty, que tem como características o nominalismo, que se atem ao
particular, o historicismo, já que as crenças são contingentes e visão críticas
sobre as visões de mundo e vocabulários. Qualquer vocabulário deixa dúvidas e
estão aquém da verdade, podem mudar e não evoluem para algo melhor. Entretanto,
isso não leva a um relativismo cultural, que iguala perspectivas morais, pois
sempre há algo a escolher. Não chegaremos a crenças indubitáveis, como queriam
Sócrates e Platão, crenças morais imóveis, mas o pragmatismo que vê a história
sabe que isso se dará por um acordo intersubjetivo. Escolher um esquema
conceitual não significa atingir um ponto arquimediano fora do tempo e do
espaço, absoluto, já que a própria racionalidade evolui e não há sistema neutro
e universal. Respeitam-se posições que, de antagônicas, podem ser incomensuráveis
(relativismo x absolutismo) tencionando fundamentar os pontos de vista e concepções
de mundo que mudam.
De acordo com Plastino, o ironismo está
atrelado ao etnocentrismo, que “funda” o conhecimento a certas práticas sociais
e período histórico. Uma proposição é garantida em solidariedade com as outras
pessoas da sociedade dentro de uma visão de mundo, já que não existe exílio cósmico.
Por fim, Plastino traz a visão política de Rorty sobre a democracia liberal,
garantidora de direitos e liberdades e que não requer uma concepção filosófica.
A prática social não se funda em uma essência da natureza humana ou da razão,
mas é pela solidariedade, vendo as diferenças (religião, raça) como menos importantes
que as semelhanças (dor, sofrimento). Importa a lealdade para com os outros
mais do que se ater a uma posição filosófica, criticando uma filosofia ou moral
fundantes e acadêmicas.
Há que substituir o discurso da
objetividade pelo da solidariedade porque Rorty, como Dewey, entende que a dor
alheia nos toca levando em conta necessidade e desejo. A democracia liberal é
legitimada pela construção human por um sentimento de solidariedade e compromisso social.
[i] Fichamento UNIVESP https://www.youtube.com/playlist?list=PLxI8Can9yAHcC9hEv4oAnMT5GI1zGRW1_ Empirismo e Pragmatismo Contemporâneos - O
etnocentrismo de Rorty. Prof. Caetano Plastino.
[ii] Conforme https://pt.wikipedia.org/wiki/Terapia: Terapia ou terapêutica significa
o tratamento para uma determinada doença.
[iii] Falaremos disso quando tratarmos
do livro “Linguagem, conhecimento e formas de vida em Wittgenstein”, de Valério
Hillesheim.
[iv] Diversos conteudos do mundo e diversos esquemas conceituais intraduzíveis entre si.
Para Rorty baseamos nossas crenças mais em justificação do que na verdade, parece ser mais importante convencer a audiência do se ater à verdade. Os projetos acabam vindo antes dos princípios. Filosofia Pop #035
ResponderExcluirMudar uma crença depende de resultados práticos muito mais que argumentos verdadeiros
ResponderExcluirAo contrário, achamos que o nosso projeto é o verdadeiro e mesmo que não esteja funcionando não temos habilidade para mudar
ResponderExcluirA filosofia muitas vezes age dessa forma, pregando uma verdade universal distante da aplicabilidade
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