Mostra uma nova versão de teoria da referência em resposta ao descritivismo[i]
Em seu bojo, a teoria causal da referência
visa explicar o sucesso referencial de falantes ignorantes e foi exposta em
forma de esboço por Kripke[ii] formulando que, segundo
Sagid, um nome próprio é em algum momento introduzido no discurso e depois
difundido de falante para falante. Em seus pontos principais, postula que falantes
formam uma cadeia de usuários e o elo que conecta a cadeia é de natureza causal,
embora nem todo elo nessa cadeia seja relevante. A existência do elo causal é
condição suficiente para que o falante se refira ao objeto através do nome,
mesmo sem conhecimento de fatos individuadores.
De acordo com Sagid, esse esquema permite
acomodar o fato de que falantes ignorantes podem ser bem sucedidos
referencialmente, sem conhecer qualquer propriedade do objeto. Entretanto, Sagid
argumenta que Kripke não desenvolveu a ideia suficientemente para que se
tornasse uma teoria, por exemplo, não definiu o que seria um elo causal
apropriado, de tal sorte que a não delimitação torna a alegação irrefutável[iii].
Contudo, a teoria prosperou nas mãos de Michael
Devitt[iv] que quebra o fenômeno da
referência em duas partes: em um primeiro passo trata do fenômeno da fixação do
referente, a partir da introdução do nome. É o elo causal do tipo C1 que
verifica como a introdução é feita, delimitando o elo causal entre os falantes
que introduzem o nome e o objeto nomeado. Já o segundo fenômeno é o da difusão
social dos nomes próprios, no qual o sucesso dos usuários posteriores depende
do sucesso dos usuários anteriores. É o elo causal do tipo C2 entre os membros
da cadeia de uso que tomam a referência por empréstimo.
Considerando C1, a explicação de como um
nome próprio pode ser introduzido para um objeto tem a forma mais comum do
batismo por ostensão, isto é, um contato perceptivo, por exemplo, “Ele se
chamará Aristóteles”. Esse elo causal oriundo do contato visual é condição
suficiente para se atribuir um nome, a partir dele se ganha a habilidade de se
usar um nome para atribuir. Embora suficiente, não é necessário, já que há
outras formas como as descrições definidas que podem ocorrer no caso de se
introduzir uma descrição definida antes do nome em casos simulares ao de uma
investigação policial que busca o “autor dos crimes”, antes que se saiba a
identidade.
Uma teoria causal mais recente (2015) foi pleiteada
por Andrea Bianchi e é chamada de teoria da cópia / repetição procedendo pela
relação de referência entre ocorrências de nomes e objetos. Uma ocorrência é
considerada um “particular linguístico”, cada uso do NP, seja ele escrito no
papel, proferido por alguém ou lido na capa de um livro. Ora, o que leva a
ocorrência de um nome próprio se referir ao objeto que se refere?
Para a teoria da cópia, uma ocorrência de
“Aristóteles” se refere a Aristóteles em virtude de (I) ter sido introduzida
para Aristóteles ou (II) ser uma repetição / cópia de uma ocorrência que foi
introduzida para Aristóteles. Nossas referências, produzidas por nós, se
referem a Aristóteles em virtude de elas serem cópias de outras ocorrências,
estas sim, introduzidas para Aristóteles. E o que garante que as nossas cópias
se referem a Aristóteles é que o conceito de cópia é transitivo, isto é, se C é
cópia de B e B é cópia de A, então C é cópia de A[v].
Esse conceito de cópia de Bianchi é,
segundo Sagid, muito intuitivo e simples, já que cópia das ocorrências é tomada
em sentido literal e que explica como alguém pode tomar de empréstimo a
referência de outra pessoa. Literalmente cópia ou repetição: ouvimos um nome e
repetimos. É um processo mecânico, mas que levanta a objeção de que se daria
quiçá por uma foto copiadora ou um papagaio[vi], que é capaz de proferir
a ocorrência que de fato se refere a Aristóteles. Mas o papagaio é de fato um
usuário de NPA (Nome Próprio Aristóteles)? A depender de Bianchi, parece que
sim, porém Sagid traz a diferenciação entre dois eventos: fazer uma referência e
produzir uma ocorrência referencialmente [e meramente] bem sucedida.
Sagid então traz objeções de Jessica Pepp[vii], como o caso de um historiador
que, ao escrever um livro sobre o filósofo Sócrates, copia a referência de uma
notícia sobre o jogador Sócrates. Aí teríamos as ocorrências do livro se
referindo ao jogador, se se toma o enfoque de Bianchi. Mas, para Pepp, o livro
é sobre o filósofo e isso inviabilizaria a teoria da cópia, pois não explica
esse tipo de cópia e se reforça a distinção entre fazer referência ou meramente
se referir, já que, na visão de Bianchi, as afirmações do livro seriam falsas
pois asseriam ao jogador coisas do filósofo, não explicando a referência por
empréstimo.
Há também os usos cotidianos de NP que não
parecem serem cópias, visto que não são somente produção de cópias, mas
realmente fazem referência. Podemos “repetir um nome” esquisito[viii], mas isso não quer
dizer “usar o nome”. Posto isso, Sagid retorna à teoria de Devitt que parece
ser mais plausível na explicação de C2 e também abordará uma “formulação mista”
de uma teoria histórica da referência proposta por Donnellan, como que um descritivismo
causal.
Retomando brevemente, o descritivismo é
uma teoria tanto do significado quanto da referência de NP, essa última tratando
de fatos individuadores capazes de determinar propriedades de objetos, mas sendo
contestada pelo argumento semântico de Kripke, através do qual um falante
ignorante é capaz de se referir com sucesso. Essa objeção abre caminho para uma
teoria da referência, antes circunscrita ao significado, cuja tentativa de
Andrea Bianchi trouxe problemas suscitados por Jessica Pepp. É aí que Sagid
retoma a teoria de Devitt para fixação e difusão do referente, no esquema
objeto => C1 => sujeitos => C2 => falantes. C1: batismo por ostensão
como condição suficiente para explicar como falantes podem introduzir nomes sem
conhecimento de fato individuador. C2: fenômeno da difusão social que depende
dos usuários anteriores.
Embora a explicação de C1 levante
problemas, ainda pode ser considerada satisfatória, já para C2 é necessário
explicar qual o tipo de elo causal entre o falante e quem introduziu o nome,
isto é, qual o fundamento da cópia. Devitt simplifica e citemos, por meio de
Sagid:
“Em uma situação
de batismo (C1): um sujeito S percebe um objeto X e, devido a uma relação
causal que lhe permite perceber X, ele pode atribuir um nome N a X. Ao fazer
isto, S ganha a habilidade de usar N para se referir a X. Em uma situação de
empréstimo (C2): ao ouvir (ler, etc.) S1 proferir N para se referir a X, um sujeito
S2 pode, devido a uma relação com S1 (de ouvir, ler, etc. o proferimento de S1),
adquirir a habilidade de usar N para se referir a X.”.
Nesse sentido, é suficiente a relação de
habilidade de S2 com a habilidade de S1 em que o elo causal pode, por exemplo, ser
ouvir.[ix] Como se trata de
habilidades, evita-se o problema da cópia de ocorrências de Bianchi. Lembremos
que, pela teoria de Bianchi, o uso de nomes como repetições suscitava a questão
da referência por um papagaio, mas na linguagem temos “ações referenciais”, não
repetição. Já para Devitt é uma habilidade.
Então, já que o elo não é necessário o
nome pode ser introduzido por meio de uma descrição definida, como no caso de
“o inventor do zíper” – e algo que unifica e permite a referência sem uma
conexão causal. No caso de C2, a referência não depende dele e ele também não é
necessário como um todo, mas para seu por empréstimo deve haver uma cadeia
causal de difusão do nome[x].
Em vista disso, as teorias causais são
históricas porque dependem do histórico de usos bem feitos. Porem, Donnellan
apresenta uma teoria histórica, mas que não é causal pois, mostra Sagid, “o uso
do NPA é aquele que entra na explicação histórica correta do NPA.” Sagid
esclarece postulando um [fictício] observador universal da história que
permite traçar uma linha de referencia dos usos que chegam no batismo e
encontram A, isto e, a explicação histórica remete ao indivíduo particular
encontrado pelo ouh, apesar de que essa teoria não deixa claro quais são
os elos.
Crítico do descritivismo, Donnellan pleiteia
uma tese positiva que traz o referente na origem e uma tese negativa sobre a
referência, ao descartar qualquer fato individuador como elo da cadeia. Apesar disso, há uma corrente descritivista
que se apropria de Donnellan para inseri-lo em um descritivismo causal através
do qual é o fato individuador que valida a tomada de empréstimo do nome, quando
na cadeia de usos do nome próprio, como se fosse um descritivismo causal auto
consciente.
Por fim, conclui Sagid, a teoria causal traz
inovações como a separação entre a introdução e difusão dos nomes próprios, além
de enfatizar que a referência é um fenômeno social, já que seu sucesso não depende
somente de um falante, como pleiteou Donnellan com a noção de que a cadeia deve "correr bem" na comunidade linguística. Por outro lado, o aspecto social não é
relegado pelo descritivismo, chegando mesmo a apontar para a cadeia de usos e
invalida uma suposta critica de Kripke de que o descritivismo seria um fenômeno
privado ao satisfazer determinada descrição.
[i] Recortes feitos das aulas 17 e 18 do
professor Sagid Salles disponíveis no Youtube. Curso IF - Filosofia da
Linguagem: https://www.youtube.com/playlist?list=PLb6DzdXIOv4EtJpTp1G9kThcOi_DATFyS.
[ii] Naming and Necessity (1972).
[iii] Lembrar toda a discussão de
irrefutabilidade. Ver discussão: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2020/11/quine-e-os-problemas-do-positivismo.html. Sagid traz o exemplo do dragão
invisível caracterizado por Sagan, que postulava um dragão invisível que sempre
possibilitava uma resposta a qualquer objeção.
[iv] Designation (1981).
[v] Sagid exemplifica que, mesmo se
alguém fizer uma cópia de uma xérox que tirei da capa de um livro onde estava
escrito Aristóteles, aí temos que todos nos referimos ao livro, e assim etc.
[vi] Ver adaptação livre: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2022/08/papagaio.html.
[vii] As referências de Sagid nas aulas
remetem a seu livro Como os nomes nomeiam: um passeio filosófico sobre a
referência. Sagid Salles – Pelotas: NEPFIL Online, 2020.
[viii] Gavagai? Sobre gavagai, falaremos:
https://criticanarede.com/lin_quine.html.
[ix] Esse elo causal parece que
justifica bem o uso de fontes em trabalhos acadêmicos, como que uma
“transferência de responsabilidade” ou garantia.
[x] Ou, conforme cita Sagid, em uma
difusão de informações associadas ao nome.
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