sábado, 9 de outubro de 2021

A incudora técnica: uma crítica ao humanismo

Mostra que, como o humanismo iluminista burguês nos levou a um niilismo tecnológico, abre-se caminho para o pós-humanismo [i]

Sloterdijk, à despeito de polêmicas eugenistas, traz uma antropotécnica que se enquadra no pós-humanismo e aí se filiando à antropologia filosófica alemã. Lá se destaca Gehlen[ii], que vê o ser humano como deficiente que necessita, para sobreviver na Natureza, desenvolver cultura, ou seja, um meio artificial no qual as técnicas se aprimoram para suprir sua deficiência orgânica, meio que será chamado por Sloterdijk de esferas.

A partir dessa filiação, Sloterdijk irá criticar o humanismo que, oriundo da Grécia e Roma, traz uma educação que molda a sociedade separando-a em seres letrados e não letrados. Esse movimento, conforme Camargo, teve a pretensão de melhorar o homem, assim como a religião cristã que clama por nossa perfeição. Entretanto, esse humanismo, de um ponto de vista antropológico, traz uma falsa visão de homem que deve ser buscada por uma posição antropogênica que tem nas hordas primitivas a primeira esfera artificial construída que as blindava do mundo natural.

Dentro dessa esfera social, o homem gera a si mesmo transmitindo conhecimentos e habilidades, no que Camargo chama de incubadora técnica que afasta o ser humano da animalidade. Essa horda primitiva, ele enfatiza, é a Dasein heideggeriana[iii], mas ainda sem as dicotomias corpo-mente, etc. É lá que se encontram as antropotécnicas que são os dispositivos que geram homens. É nessa mais baixa esfera filogênica que o Homo sapiens se desenvolve humanamente.

Essas esferas, onde o ser humano respira cultura, funcionam como um uterotécnico, ou seja, é o fenômeno da antropogênese onde se cria a segunda natureza e o preserva. São projetos imunológicos para se proteger de ataques naturais ameaçadores. Segundo Camargo, as antropotécnicas são os projetos imunológicos que garantem nossa sobrevivência como, por exemplo, frear as biotecnologias e, aí, não sendo uma promoção da eugenia.

Então, se o ser humano é um animal que precisa ser domesticado, o modelo de humanismo burguês fracassou nessa tarefa em uma sociedade midiática e de massas. Ora, quando o homem se estabelece em casas, no processo antropotécnico de geração de homens, se sedentariza. Com o avanço tecnológico e a confusão artificial-natural esse humanismo cai à condição niilista. De humanitas dotado de racionalidade passa ao acaso das técnicas antropogênicas em cenário informatizado e tecnológico. Com o esgotamento do humanismo, abre-se caminho a um aprimoramento genético?

Segundo Camargo, ao se levar em conta as manipulações genéticas que a tecnologia permite imprimir ao ser humano, deve-se traçar o limite entre a sobrevivência da espécie (saúde) e geração de quimeras transumanas. A busca por um novo homem, que não é aquele adestrado pelo humanismo, conclui Camargo, nem um pós-humanismo super-modificado, deve levar em conta os âmbitos ético e político que possibilitem sistemas imunológicos cooperativos e que permitam uma antropotécnica que se responsabiliza por todos os seres vivos.



[i] Filosofia da Tecnologia. Seus autores e seus problemas. Organização de Jelson Oliveira e prefácio de Ivan Domingues, resultado da iniciativa do GT de Filosofia da Tecnologia da ANPOF. Caxias do Sul, RS: Educs, 2020. Conforme capítulo 23: As antropotécnicas e os limites do parque humano – Peter Sloterdijk, por Leonardo Nunes Camargo.

[ii] Para Gehlen, ver https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2021/04/quando-tecnica-extrapola-seu-valor-moral.html.

[iii] Conforme a nota 1 de https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2020/06/ia-do-representacao-cognitiva-ao.html, "O Ser-aí ou o Ser-aí-no-mundo e Existência é a tradução portuguesa do termo alemão Dasein, muito usado no contexto filosófico como sinônimo para ser existente."

2 comentários:

  1. Dasein: ser-aí, homem como ENTE que se pergunta pelo SER (INEF Aula 27)

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  2. a essência do Dasein é sua existência.
    a essência do ser-aí está em sua existência.
    Dasein: presença
    Casanova: intencionalidade escolástica reintroduzida por Brentano, - pensamento se refere a algo que não é ele, em direção a
    depois Husserl: pensamos em, de, sobre
    não é intenção, propósito
    é intendere: estender uma corda
    não é substância - é projeção
    existência = nós somos pura intencionalidade - dinâmica indeterminação ontológica
    movimentar-se para fora
    sem natureza humana
    pura possibilidade
    - ser-no-mundo: projeto, constante lançar-se, uso próprio das coisas, não determinado (utensílio), mediante cuidado, não depende de sua vontade + que uso dar a si mesmo
    - ser-com-os-outros: negar os outros é negar a própria existência, pois somos para fora, cuidar dos outros (estar junto, ajudar a conquistar a liberdade de assumir seus próprios cuidados)
    - ser-para-a-morte: plano ôntico (vida banal), plano ontológico (morte)
    (idem - INEF Aula 27: https://youtu.be/HnssXzhlZZw)

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