sábado, 6 de janeiro de 2018

Da definição de liberdade no Livre-arbítrio*

Schopenhauer trata das definições de liberdade e consciência no primeiro capítulo do pequeno Livre-arbítrio, título-problema por ele classificado como capital na filosofia moderna. Aqui verificaremos o conceito de liberdade que para ele seria negativo por se referir à ausência de obstáculo, esse sim, positivo. Sem obstáculo, se é livre.
 Viés popular. Para Schopenhauer, na visão popular, o conceito de liberdade está associado à liberdade física: sendo livre, atos de vontade comandam o movimento, porém pode haver obstáculos materiais que impeçam a vontade. Essa visão de liberdade é por ele classificada como potência de agir, quando não há obstáculos que impeçam a ação. Como alguns dos exemplos mostrados têm-se o rio que corre livre ou os animais que erram livremente na natureza. Schopenhauer ainda cita a liberdade política dentro desse viés, mencionando que um povo é livre quando governado pelas leis que ele próprio formulou.
Viés filosófico. Já na visão filosófica, o conceito de liberdade está associado à liberdade moral: a vontade ainda seria livre ou haveria "motivos fortuitos" que impediriam a ação? Essa visão de liberdade é por ele classificada como potência de querer, o livre-arbítrio. Como um exemplo é mostrado o caso do amor à vida que todos temos, mas que pode ser acometido por um motivo suicida. Embora o motivo não tenha força física e não seja um constrangimento objetivo, ele pode ter influência subjetiva, em alguns casos, suprimindo a liberdade.
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Até aqui tudo bem. Mas, seria a vontade em si mesma livre? Pela acepção popular, segundo nosso filósofo, sim, remetendo à potência de agir. E o querer, é livre? Pela acepção popular, livre é conforme a vontade. Ou seja, eu sou livre desde que eu faça o que quero. Mas o querer é moral!!! Schopenhauer desloca o tema do campo popular para o campo filosófico.
Então, quero algo. Mas podes querer o que queres?
Haveria sempre um querer anterior ao querer e assim sucessivamente... Ou então, simplesmente podes querer?
Só um querer em si, sem sucessão? No campo moral (filosófico, que não se relaciona com a liberdade física), não se sabe e a questão do livre-arbítrio fica em aberto. Não é respondendo se posso querer ou não que se resolve o problema do livre-arbítrio, mas o que se ganha é que estamos agora no campo do querer e a investigação continua.
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Então, recuperando a noção de liberdade negativa, Schopenhauer acrescenta que ela é ausência de força necessitante.
Conceito de necessidade. Para Schopenhauer, na visão vulgar, o conceito de necessidade versa que o necessário é aquilo cujo contrário é impossível ou o que não pode ser de modo diverso. Porém, para ele, o necessário resulta de dada razão suficiente[1]. E a contingência é a não necessidade, ausência de uma razão suficiente determinada.

Posto isso, liberdade é independência de causa e livre o que não é necessário. Transferindo para o humano, uma vontade individual livre é aquela que não é determinada por razões de qualquer espécie, senão atos seriam constrangidos por necessidade. Para Schopenhauer, Kant diz que liberdade é começar por si[2], ou seja, sem causa, sem necessidade. Tal liberdade ou vontade livre, não determinada por nada, põe de lado o principio de razão suficiente indicando que não há razão para a vontade e conduzindo a uma liberdade de indiferença, conduzindo ao livre-arbítrio. Nessas condições, diante da liberdade de indiferença, o homem pode agir de duas formas diametralmente opostas.


(*) Schopenhauer, Arthur. O Livre Arbítrio - Col. Saraiva de Bolso.
[1] O “princípio de razão suficiente” é uma criação de Schopenhauer e foi tratado primeiramente em sua tese de doutorado. Aqui, o “princípio de razão suficiente” ou “consequência de razão” aparece como sinônimo de necessidade. Há uma razão suficiente para uma necessidade lógica (conclusão de um silogismo, dadas as premissas), matemática (igualdade dos ângulos de um triângulo quando ângulos são idênticos) ou real (efeito resultado da causa).
[2] Ver “A terceira antinomia da razão pura estudada pela Dialética Transcendental”, em http://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2016/06/um-caminho-para-liberdade-em-kant.html.

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