quinta-feira, 2 de junho de 2016

Um caminho para a liberdade em Kant

O conceito de liberdade formulado por proposições sintéticas a priori pela razão prática só é possível se seguirmos um caminho paralelo tanto pela especulação teórica quanto prática da filosofia kantiana. Por um lado, só supomos uma liberdade prática por uma liberdade transcendental [negativa]. Por outro lado, a lei da liberdade como lei moral decorre das ações (e nelas incorre, positivamente) e dos costumes que enfrentam inclinações na busca do interesse humano pela felicidade, aqui ou acolá[1].

O caminho da especulação teórica: da liberdade transcendental para a liberdade prática[2]
O sujeito conhece os objetos a priori. A liberdade transcendental aparece como ideia possível na Crítica da Razão Pura (CRP) expressamente na resolução da terceira antinomia, na Dialética Transcendental. Conforme o segundo prefácio da CRP, Kant pretende alterar o método da metafísica para colocá-la na via da ciência, seguindo a orientação da lógica, matemática e física, pois ela se digladiava em um cenário de posições antagônicas envolvendo racionalistas, empiristas e céticos. É a revolução copernicana kantiana: ao modo da astronomia de Copérnico[3], o sujeito não deve se guiar pelos objetos, mas pelo que ele próprio neles põe. Cf. §11 do segundo prefácio, antes dos objetos há a estrutura do sujeito, da razão. A partir de conceitos que permitem representar os objetos e das formas a priori da intuição sensível (espaço e tempo) e que são a condição de possibilidade da nossa experiência, o objeto aparece. É esse o nosso conhecimento a priori dos objetos revelado pela alteração do método.
A filosofia transcendental estuda o conhecimento a priori. O que nos aparece dos objetos são fenômenos que conhecemos no uso especulativo da razão, no campo da filosofia teórica. É por ela que determinamos as leis da natureza e é ela que nos ensina a não ultrapassar os limites da razão em busca de objetos suprassensíveis que não são dados na experiência (cf. §12). A revolução copernicana estabeleceu um campo seguro para a metafisica, porém limitando-a (cf. §14). De acordo com o prefácio da tradução portuguesa, a razão especulativa faz uso de três faculdades abordadas pela CRP: na Estética Transcendental investiga-se a sensibilidade com as suas intuições a priori, na Analítica Transcendental investigam-se os conceitos a priori que unificam a experiência no ato de julgar, as categorias do entendimento que se unificam com as intuições a priori pelos esquemas da faculdade da imaginação. Temos uma ciência objetiva fundamentada no a priori: a análise da razão sem objeto, conforme Morujão, o seu modo de conhecer apriorístico: a filosofia transcendental.
A razão busca algo além do conhecimento a priori. A razão especulativa limita os conceitos na medida em que se referente a objetos como fenômenos, porém, podemos pensar esses objetos como coisas em si sem os conhecer, senão haveria aparência "sem haver algo que aparecesse". Essa distinção é fornecida pela crítica da razão e sem ela estaríamos em atitude dogmática, tratando das coisas como coisas em geral (§14). Ao fenômeno que o conceito do entendimento coloca no objeto para conhecê-lo, a razão a ele acopla outro lado: a coisa em si pensada, tratada na CRP pela Dialética Transcendental, que, conforme Morujão, busca a apreensão da totalidade dos fenômenos e do mundo. Pela crítica, posso pensar a alma como livre (como coisa em si) e determinada por leis (como fenômeno) sem acarretar em contradição.

A terceira antinomia da razão pura estudada pela Dialética Transcendental
Dialética: necessidade e liberdade. Conforme Brandão, a terceira antinomia estabelece, pelo lado da tese, uma posição dogmática de causalidade pela liberdade e, pelo lado da antítese, uma posição empirista da necessidade natural que não pode ser decidida pela experiência, mas que se resolve pelo idealismo transcendental: conhecemos fenômenos, não coisas em si. Ao pensarmos em um aspecto inteligível acompanhando os fenômenos, pensamos em necessidade e liberdade conjuntamente.
A ideia de uma liberdade transcendental. Em B560, Kant separa a causalidade da natureza[4] e a causalidade da liberdade, essa como faculdade de seus agentes, dos homens, ou seja, uma causa fora da série. Essa liberdade é uma liberdade transcendental, é uma ideia da razão que não vem da experiência. A despeito da analítica, mantem-se a possibilidade de pensar as duas coisas. Já que a razão quer totalidade, crio espontaneidade para dar conta da série.
A possibilidade de uma causa além da natureza. Porque se o fenômeno que é aquilo que aparece fosse um coisa em si, ou seja, real, então, pela lei da natureza (já que ele é fenômeno) ele estaria no tempo e não haveria liberdade. Mas, quando faço revolução copernicana, eu ponho tempo e espaço e os fenômenos aparecem. Porém, aparecem de uma causa inteligível, de uma causa que é só categoria do entendimento, de uma causa extremamente racional e sem sensibilidade. Olho para o fenômeno e penso em causa inteligível.
A causa é uma ação prática, do sujeito inteligível. Diante disso, conheço o objeto homem que aparece como fenômeno, que é um resultado sensível, um efeito livre que tem uma causa inteligível, uma ação prática. Em relação ao homem, todo fenômeno tem uma causa inteligível. O que é essa causa inteligível? É a coisa em si. Enquanto faculdade do sujeito é razão prática. O sujeito no mundo dos sentidos[5] é agente no mundo dos fenômenos. Mas, qual o caráter da coisa no fenômeno? É empírico. E qual o caráter da coisa em si mesma? É inteligível, porque pensamos! O sujeito agente (objeto que age) é inteligível e fora do tempo – razão prática, lei moral. Mas ele aparece no caráter empírico. O sujeito inteligível é a coisa em si. É um não objeto da intuição sensível (ou objeto não representado - númeno). É espontâneo, é a liberdade como causa prática. O sujeito empírico é fenômeno. É objetivo, é o encadeamento da natureza. E aqui já damos um primeiro passo para segunda crítica que se sucede à uma fundamentação da metafísica.
_____
[1] Acreditamos nessa segunda via independente da via teórica mas não a exploraremos nesse texto.
[2] Conforme notas de aula do prof. Eduardo Brandão, Filosofia Geral IV.
[3] Conforme nos mostra Louis Guilhermit: quando a mecânica celeste assumiu, paradoxalmente, uma inversão hipotética do que se via pela experiência visual, mostrando que o observador terrestre era quem girava em torno dos astros. In: Coleção de História da Filosofia dirigida por Châtelet.
[4] Fenômenos, encadeamento, regras, já que, pela analítica dos princípios toda mudança tem uma causa.
[5] TEM QUE SER transcendental e não empírico. Isso já foi posto pela distinção da crítica transcendental que  separa o que conhecemos como fenômeno e o que pensamos como coisas em si.

Nenhum comentário:

Postar um comentário