domingo, 22 de janeiro de 2017

Um sentimento

É tão difícil acreditar que somos corpos, mas o deslocamento livre e inconteste nos faz menos racionais e o ir e vir surpreende e desarma. Tudo está em perpétuo fluxo porque o nosso pouco tempo no mundo nos faz acreditar no infinito. Mas não é nesses termos que nos devemos medir; medimo-nos pelas aberturas que nos são impostas por nós mesmos. De repente, algo que estava aqui já não está e, se o visávamos, agora tal intencionalidade esvaiu-se e nada há de surpreendente, apenas nossa estrutura biofísica se afeta de maneira diversa. A nossa pele, que é muito sensória, e demais órgãos afetivos sobrepõem-se a uma consciência extravagante. Ela, sim, move-se sem se mover, mas movendo um corpo que se move passionalmente. Subjaz um estado de constante interferência que qualquer inferência, se estatisticamente acurada, não previne precauções.
Mas, qual a estranheza? Ninguém nos enganou e nada nos prometeram, simplesmente o vento soprou e espalhou o que estava assentado. O vento não é um, é múltiplo e dinâmico. Sentimos, em nossa disposição física, sensações térmicas distintas que paralelamente se repelem e se associam mais parecendo um emaranhado de possibilidades decompostas. Um dedo é muito mais do que um todo. Um dedo fala por si, toca por si, reverbera por si. Um corpo com muitos dedos que sentem é um corpo precário quando se pensa um corpo articulado. O que mais se articula é o pedaço mínimo que, isolado, irrompe em um efeito não linear. Tudo isso é muito específico e não científico para que as variáveis possam ser controladas.
Foi-se o momento em que o que tinha de ser seria, foi-se o momento em que sabíamos para onde iríamos. Não há escolha já que todas as moléculas tem um resto de autonomia. O microscópio não amplia porque tudo está lá, na mais perfeita desorganização, e cada combinação não passa de um mero acaso. Não importam grandes predições, embora sejam belas. Cada movimento deixa um resquício inominado de probabilidades que não se decantam e se transformam em algo que jamais ele poderia supor. Esse pedaço de verdade constitui a sua mais perfeita identidade que se subsumi ao que estaria posto de antemão e que se responsabilizaria pela guia da direção que não se estipula.
Há todo o sentido em cada lampejo da mais pura variação e, por isso, um corpo não se nega. Uma razão só é válida na medida em que se descarta a carne que sangra. É daí que brota a ansiedade que transforma até a besta em exímia enxadrista. Não se pode aceitar a menor alegação de que haveria de se supor mal traçados planos. Em nenhum momento falou-se qual era, em definitivo, o ponto que deveria ser valorizado no caso de serem expostas as incongruências que só fazem concluir que cada minúscula partícula é igual entre si e, por isso, concorrente na corrida que é vital para algum tipo de encadeamento. Só nos resta sentir.

Nenhum comentário:

Postar um comentário