Bolzani argumenta que o emprego do termo
filosofia se dá de diversas formas e muitas vezes pensa-se uma coisa quando de
fato é outra. Distinguem-se, então, filosofia como algo que suscita equívocos e "filosofar" como a autêntica expressão necessária para a filosofia. Para ele, a filosofia
é tratada, atualmente pelo senso comum, como algo que versa sobre quase tudo,
mas não serve para nada. Isso porque se revela um sentido distorcido quando é vista como entidade: a Filosofia. A filosofia não é algo pronto para uso e que
vai trazer respostas para os nossos problemas atendendo ao ideal de consumo
imediato que hoje vigora. Isso posto, qual o significado autêntico da filosofia? Para
Bolzani, seria o de filosofar como atitude (o verbo) em oposição ao sentido
passivo de filosofia (o substantivo).
Bolzani nos propõe que a filosofia pode
ser uma forma de vida, assim como fez Sócrates, que morreu pela sua filosofia e
fundou a racionalidade ocidental unindo teoria e prática. Ele instaura o
conflito entre o livre pensar e o poder instituído e, em nome da sua verdade e
respeitando as leis, manteve-se convicto e não aceitou a fuga e nem a redução de
sua pena capital. Diante disso, percebemos que a atitude socrática era a atividade
de interrogação, porque Sócrates sabia que nada sabia. Se o filósofo pregou a
vida frugal do corpo para fortalecer a alma, na morte manteve o questionamento
de não saber o que se sucederia dali para frente. Bolzani afirma que, desde
então, ele é o paradigma, modelo de filósofo.
A primeira atitude do filosofar
socrático é a aporia, a dúvida (espanto de admiração ou perturbação) que se
segue pela investigação, o exame, o desconfiar de verdades estabelecidas, mas
que, a partir de razões, pode fundamentar um caminho que seja universal e valha
para todos. A pergunta “O que é?” pretende verificar se a resposta atende a
todos os casos possíveis, se pode ser generalizada e proporcionar um saber
totalizante e que traga o bem e a felicidade. E o filósofo não quer somente
descobrir a verdade para si, mas para os outros. Então, o filosofar é uma
abertura para a investigação de assuntos que sobre eles nada sabemos e que
coloca em choque nosso conhecimento com um novo. Seguindo essa prescrição, séculos
depois, Descartes estabelece como método suspender todos os conhecimentos
adquiridos e colocá-los em dúvida para verificar o que deles podemos conhecer. E
a dúvida se torna o meio de filosofar: devemos verificar as opiniões dos outros
e as nossas para saber se são verdades ou meros preconceitos, exercendo o
filosofar com paciência e nem sempre procedendo para frente, senão que recuando
e repensando a direção a seguir. Bolzani ressalta que o filosofar é atividade
com dupla exigência: solitária para consigo, mas solidária para com os outros,
na vida pública, o que leva à cidadania.
O ensino de filosofia não deve ser conjunto de conteúdos prontos, mas atitude
investigante e reflexão crítica. Segundo ele: “Não se trata, portanto, de culto
à filosofia: bem ao contrário, trata-se de cultivo do filosofar”. Filosofar é
um trabalho do pensamento incessante e que não se deve basear na nossa
interioridade e verdades, mas que deve trazer consigo a incerteza que a dúvida impõe.
Outro aspecto fundamental do filosofar que
Bolzani nos indica é o olhar para a história e seus 25 séculos de filosofia para pensar como as inquietações são tratadas em cada tempo e para se confirmar
que não começamos os questionamentos agora, pois já há um caminho iniciado. Isso
porque, tal como “parece” ocorrer na ciência, não há um processo acumulativo na
filosofia e a última seria a mais atualizada e aceita sem contestação. Para
Bolzani, seria possível defender uma “tese” do progresso em filosofia e
enumerar “descobertas” dos filósofos anteriores, mas sempre há retomadas de
conceitos e interpretações apropriadas em outras filosofias. Nesse sentido, não
haveria um filosofar livre, autônomo e original que se desse ex abrupta, geração espontânea sem se
considerar as bases fundadas pelas filosofias anteriores e com elas dialogar. Porque,
conforme bem coloca Bolzani, liberdade não é transgredir o que está
estabelecido, mas agir sabendo por que fazemos determinadas coisas através de
razões bem avaliadas. Ele prossegue acrescentando que a criação de conceitos
pelo filósofo só se dá a partir das propostas conceituais da tradição, compreendo
filosofias e diferentes maneiras de se operar com a linguagem e com o mundo. Somente
“ruminando” os textos filosóficos e nos permitindo experienciá-los como
verdadeiros conseguriemos procurar novas formulações e respostas. Ainda, o
filosofar também não é a escolha de uma filosofia para defendê-la, mas a avaliação
de diferentes filosofias que proporcionem um processo formador.
Bolzani conclui enfatizando que fez o
elogio do filosofar (e não da Filosofia) como procedimento difícil e longo, que
se preocupa com a utilização das palavras e seu uso justo e ético em benefício
dos homens, referindo-se aqui a Paul Ricoeur. É pelo filosofar que contrastamos o imediatismo da tecnologia e velocidade da informação de nosso tempo com aquele
espanto de admiração e perturbação que só a dúvida filosófica nos proporciona.
* Sobre filosofia e filosofar. Roberto Bolzani Filho. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/discurso/article/view/62569.
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