sábado, 17 de setembro de 2016

Discurso laureado

[Na festa de fim de ano da empresa, após receber o prêmio no palco, com o microfone na mão e perante os colegas]
"Eu gostaria de agradecer à empresa pelo reconhecimento do meu trabalho, do nosso trabalho. Vocês sabem, nós somos fornecedores e o cliente espera muito de nós, o cliente espera tudo de nós. E nós temos os nossos fornecedores também, e cobramos muito deles. Vocês sabem o quanto os pressionamos, mas isso faz parte do jogo. O nosso trabalho, que serve ao mercado, demanda muita concentração e pouco riso, demanda um sacrifício diário em prol da empresa e, mais ainda, do cliente.
E nos esforçamos, colegas. Quantas reuniões, quantas decisões, quanta responsabilidade. Quantos dias trabalhando até mais tarde, quantas noites preocupados afugentando o sono, quantos compromissos e viagens desmarcados ou bruscamente interrompidos. Quantas vezes o telefone toca nos alertando que temos um dever a ser cumprido e que descansaremos depois, se possível. O cliente sabe, colegas, que resolveremos o problema. O cliente é o paciente febril e nós somos o médico confortador.
Mas, antes de sermos profissionais, antes de sermos colegas, somos homens. E o ser humano erra. Primeiramente, porque não é Deus e, segundamente, quando tenta ser Deus. Nós erramos e aprendemos com erros, somos seres falíveis. E, se somos homens fora da empresa, somos empregados dentro dela, ainda que homens, muito embora não vistos como tal. Dada a pressão e o nosso comprometimento para suportá-la, acredito, colegas, que se um empregado da empresa erra, ele NUNCA erra sozinho, só se premeditada e intencionalmente. Caso contrário, ele erra porque o vizinho de mesa o deixou errar. Ele erra porque o time o deixou errar, o gerente, o diretor e o presidente. Enfim, ele erra porque a empresa o deixou errar, porque há, sim, um inconsciente produtivo a serviço da empresa e que se serve de suas malezas. Então, colegas, por mais que a empresa nos sustente financeiramente, seu maior dever conosco é nos proteger das intempéries e arroubos do cliente e das reviravoltas do mercado. O local de trabalho é nosso segundo lar e a empresa é nossa mãe e nosso pai, é nossa segunda família.
É por isso, caros colegas, que me sinto honrado pelo prêmio recebido, mas não pelo seu valor, mas pela sua garantia. Premiado, obviamente firmo um compromisso com a empresa, mas ela firma comigo. Porque a empresa é, ao mesmo tempo, um ente abstrato, mas é todos nós, somos todos nós. E, se porventura algum dia esse vínculo se quebrar por alguma artimanha autoritária e desleal desse ente, saibam, colegas, tal ente, o abstrato, não existirá mais. Se a empresa é o corpo de funcionários e cada funcionário é um órgão da empresa, ela jamais poderá cortar um órgão seu inadvertidamente, porque o sangue que vier a escorrer deixará uma sequela irremediável para ambos e para o terceiro: o cliente que nos faz."

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