Para Janine, haveria um privilégio da
leitura estruturada para estudar a história da filosofia já desde os anos 60
que, segundo Porchat, teria travado o debate filosófico. Haveria uma renúncia à
filosofia, por um lado instrumental, buscando a interpretação rigorosa e segura
do texto e por outro com relação ao conteúdo, tratando a filosofia como
patrimônio inspirador que não muda o mundo. Para Janine, a filosofia deveria se
refazer a partir de um choque com o virtual e a globalização, temas atuais. Ao invés da
leitura estrutural dos escritos de Hobbes do século XVII, deveriam ser
abordados os problemas políticos de hoje, como fazem os alemães que discutem a
União Europeia. Segundo Janine, no Brasil a ágora seria infecunda já que as
ideias novas apareceriam apenas nas teses acadêmicas. Então, pesquisar no
Brasil se resume a uma leitura dos clássicos. Se os filósofos europeus debatem
suas questões políticas, os filósofos latinos não debatem o Mercosul, não se
debate o espaço público em termos filosóficos.
Janine acrescenta que a comunidade
filosófica dialoga muito pouco: busca-se a interpretação do pensador sem
mediação, ignorando-se o que foi escrito sobre ele. A tradição é vista sob um
aspecto negativo (erros) e não positivo (acertos) buscando-se demonstrar a
coerência interna do texto sem discutir os parti
pris do método estrutural e sem explicar o contraditório da obra[1]. No
que tange à filosofia política, procura-se lê-la pela chave da ontologia ou
teoria do conhecimento. A filosofia da ação (seja ética enquanto dever ser ou política enquanto pode ser) fica subordinada ao ser. A
história valoriza o conhecimento e o ser em detrimento da política[2].
Não discutimos nossa filosofia: se a Europa
enuncia o universal, o Brasil fica restrito ao particular e, dado o desafio, ficamos no conforto do ser e na passividade da ação. Porém, hoje o ser está
envolvido na ação e temas como o estudo do genoma abrem as possibilidades de
escolha ou a informática que vai da res
ao virtus trazendo novas formas de
decisão e capacidades de ação.
Janine então aponta e comenta três
pontos falhos do que é feito em filosofia aqui no Brasil: a subordinação da
ação ao ser, a pressuposição de coerência no conflito da obra e a
desconsideração da prioridade do autor em relação a sua obra. Ao substituir o
conflito pela coerência, há um apagamento das diferenças e, ao se presar a
leitura estrutural e lenta desqualifica-se uma leitura apressada que poderia
ser vista como uma vertente de guerrilha[3]. A
filosofia acadêmica desqualifica o adversário como defendendo o senso comum e, na lentidão da leitura, perde o pé da ação e pela linguagem compensa-se o
fracasso do real. De fato, esconde-se aí a dificuldade do brasileiro de tratar
do conflito escondendo-se em uma aparente harmonia. Recorrendo-se à história,
evita-se o debate.
Também não se segue a opção do autor ou
suas prioridades, elas são desqualificadas[4]. Porque
preferimos “engessar a ação e dar primazia ao ser”, mantendo a nossa zona de
conforto acomodada na história. Janine conclui apontando que todas essas
questões estariam nos mostrando que estamos distantes da filosofia e essa
falta de familiaridade nos impede de discutir nossos grandes temas da
atualidade e criar o novo.
* Principais aspectos de Pode o Brasil renunciar a Filosofar?, Renato Janine em "A Filosofia entre nós". Indicação de FEUSP-EDM0424/201602 (prof. Paulo Henrique Fernandes Silveira).
[1] Embora possa haver uma aparente
contradição entre textos de Rousseau, é possível procurar uma gestalt que de conta das bifurcações de
seu pensamento.
[2] A frente falará Janine de Locke
que não é estudado por sua política que funda as bases do liberalismo, muito
mais pelo empirismo.
[3] Janine cita os aforismos de
Nietzsche como trecho breve de uma guerrilha do conceito.
[4] Vide Hobbes que preferia a
física à política.
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