terça-feira, 20 de setembro de 2016

Filosofia no Brasil: presa no passado e na primazia do ser que engessa a ação*

Para Janine, haveria um privilégio da leitura estruturada para estudar a história da filosofia já desde os anos 60 que, segundo Porchat, teria travado o debate filosófico. Haveria uma renúncia à filosofia, por um lado instrumental, buscando a interpretação rigorosa e segura do texto e por outro com relação ao conteúdo, tratando a filosofia como patrimônio inspirador que não muda o mundo. Para Janine, a filosofia deveria se refazer a partir de um choque com o virtual e a globalização, temas atuais. Ao invés da leitura estrutural dos escritos de Hobbes do século XVII, deveriam ser abordados os problemas políticos de hoje, como fazem os alemães que discutem a União Europeia. Segundo Janine, no Brasil a ágora seria infecunda já que as ideias novas apareceriam apenas nas teses acadêmicas. Então, pesquisar no Brasil se resume a uma leitura dos clássicos. Se os filósofos europeus debatem suas questões políticas, os filósofos latinos não debatem o Mercosul, não se debate o espaço público em termos filosóficos.
Janine acrescenta que a comunidade filosófica dialoga muito pouco: busca-se a interpretação do pensador sem mediação, ignorando-se o que foi escrito sobre ele. A tradição é vista sob um aspecto negativo (erros) e não positivo (acertos) buscando-se demonstrar a coerência interna do texto sem discutir os parti pris do método estrutural e sem explicar o contraditório da obra[1]. No que tange à filosofia política, procura-se lê-la pela chave da ontologia ou teoria do conhecimento. A filosofia da ação (seja ética enquanto dever ser ou política enquanto pode ser) fica subordinada ao ser. A história valoriza o conhecimento e o ser em detrimento da política[2].
Não discutimos nossa filosofia: se a Europa enuncia o universal, o Brasil fica restrito ao particular e, dado o desafio, ficamos no conforto do ser e na passividade da ação. Porém, hoje o ser está envolvido na ação e temas como o estudo do genoma abrem as possibilidades de escolha ou a informática que vai da res ao virtus trazendo novas formas de decisão e capacidades de ação.
Janine então aponta e comenta três pontos falhos do que é feito em filosofia aqui no Brasil: a subordinação da ação ao ser, a pressuposição de coerência no conflito da obra e a desconsideração da prioridade do autor em relação a sua obra. Ao substituir o conflito pela coerência, há um apagamento das diferenças e, ao se presar a leitura estrutural e lenta desqualifica-se uma leitura apressada que poderia ser vista como uma vertente de guerrilha[3]. A filosofia acadêmica desqualifica o adversário como defendendo o senso comum e, na lentidão da leitura, perde o pé da ação e pela linguagem compensa-se o fracasso do real. De fato, esconde-se aí a dificuldade do brasileiro de tratar do conflito escondendo-se em uma aparente harmonia. Recorrendo-se à história, evita-se o debate.
Também não se segue a opção do autor ou suas prioridades, elas são desqualificadas[4]. Porque preferimos “engessar a ação e dar primazia ao ser”, mantendo a nossa zona de conforto acomodada na história. Janine conclui apontando que todas essas questões estariam nos mostrando que estamos distantes da filosofia e essa falta de familiaridade nos impede de discutir nossos grandes temas da atualidade e criar o novo.


* Principais aspectos de Pode o Brasil renunciar a Filosofar?, Renato Janine em "A Filosofia entre nós". Indicação de FEUSP-EDM0424/201602 (prof. Paulo Henrique Fernandes Silveira).
[1] Embora possa haver uma aparente contradição entre textos de Rousseau, é possível procurar uma gestalt que de conta das bifurcações de seu pensamento.
[2] A frente falará Janine de Locke que não é estudado por sua política que funda as bases do liberalismo, muito mais pelo empirismo.
[3] Janine cita os aforismos de Nietzsche como trecho breve de uma guerrilha do conceito.
[4] Vide Hobbes que preferia a física à política.

Nenhum comentário:

Postar um comentário