sábado, 3 de setembro de 2016

Cinco lições de psicanálise*

Primeira Lição (estudos sobre a histeria): Parece um quadro grave fatal, mas é histeria, desde os gregos. E, na época de Freud, o médico não sabe como tratar e despreza o histérico. Há o uso da hipnose para reproduzir estados de ausência. A paciente de Breuer tinha sede e não bebia água e ele descobriu que os sintomas se originavam de experiências emocionais, traumas psíquicos a partir de um tratamento reconstituindo cenas[1]. Os histéricos sofrem de reminiscências. São símbolos traumáticos, como os símbolos de uma cidade, que fazem com que neuróticos e histéricos se prendam ao passado não vivenciando o presente e a realidade[2]. Há então que se considerar o elemento de subjugar fortes emoções que são descarregadas na cura (tem que ser assim). Conversão histérica é a inibição somática como sintoma físico do caso. Expressão das emoções é a parte da excitação psíquica que vai para inervação somática. Além disso, o doente tem vários estados mentais que podem ser agrupados e separados ou trazidos pela hipnose (ex. normal, confusão, alteração de caráter), agrupamentos independentes, e a consciência oscila entre consciente e inconsciente. Inconsciente (da hipnose) pode influenciar no consciente... A teoria dos estados hipnoides de Breuer onde aparecem sintomas histéricos já é uma teoria abandonada em 1909.
Segunda lição (psicanálise): Se, por um lado, a primeira doente de Breuer foi curada pelo tratamento catártico a partir dos mecanismos psíquicos dos fenômenos histéricos, na França concebia-se que a dissociação psíquica era resultado da incapacidade de síntese mental do doente. Freud via de outra forma a dissociação histérica[3] e, a despeito da hipnose que ele passa a considerar processo enfadonho e difícil de ser obtido, senão mítico, busca o procedimento catártico independente dela, com o doente em estado normal. Freud incitava o doente a revelar a cena patogênica originária que estaria relacionada ao sintoma, colocando a mão na fronte dele. Se a lembrança não havia se perdido, havia uma força que a mantinha no estado inconsciente. O processo de repressão se baseia em forças de resistência que agem tanto para expulsar da consciência o acidente patogênico como para não permitir que ele volte à consciência. O que causava essa repressão era o surgimento de um desejo violento incompatível com a ética do sujeito e, do conflito entre ego e ideia, essa era expulsa da consciência por essas forças repressoras que evitavam o desprazer de tal desejo. O desejo reprimido no inconsciente procura um substituto, ou sintoma, que tenta voltar à consciência e é protegido pelo ego para evitar o desprazer, causando grande sofrimento. Reprime-se o desejo e colocam-se resistências para que o incômodo não se repita, ou seja, a psique joga para o inconsciente o problema, ocorrendo a divisão psíquica com a consciência e o conflito dessas forças mentais contrárias. O eu se esforça para se defender de recordações penosas[4]. Caberia ao médico, na terapia psicanalítica da neurose, acomodar aquele desejo no quadro consciente do paciente restituindo o que fora reprimido pela quebra das resistências, resolvendo-se o conflito psíquico que era protegido pela repressão. No final das contas, ou se aceita o desejo ou o controla.
Terceira Lição (recursos técnicos): Nem sempre é certo que o primeiro pensamento traz a inadvertida lembrança, apareciam pensamentos inexatos e lamento do abandono do hipnotismo. Pelo conflito do doente em trazer o esquecido e a resistência, a ideia trazida por ele era um sintoma, substituição da ideia procurada e poderia seguir-se por ela. Situação análoga é o chiste, a pilhéria. Ela também é uma alusão, substituto do que está no íntimo, algo o impede de dizer francamente. Produz uma ideia de substituição distorcida. Escola de Zurique, Bleuler, Jung, conceito de complexo: elementos ideacionais interdependentes, associações livres por onde se pode buscar o complexo reprimido. Processo fastidioso de descobrir o elemento reprimido. Esperar ideias livres aparecerem. Pedir ao paciente para expor tudo. O doente rejeita o material como insignificante por causa da resistência, experiência da associação usada por Jung. Além da divagação, há dois outros recursos técnicos para sondar o inconsciente: a interpretação dos sonhos e o estudo dos atos e lapsos causais. A interpretação dos sonhos é a estrada real para o conhecimento do inconsciente, base da psicanálise. Parece alienação, mas é compatível com a mais perfeita saúde. Psiquiatras contra o método. Desprezamos os sonhos como o doente despreza as ideias soltas despertas pelo psicanalista. Nas criancinhas e nos adultos os sonhos visam realizar os desejos não satisfeitos no dia do sonho. Embora os sonhos pareçam ininteligíveis pelas forças de resistência de defesa do ego, há neles um conteúdo latente existente no inconsciente. Não reconhecemos o sentido dos sonhos como o histérico não reconhece a correlação dos seus sintomas. A investigação busca o nexo entre o conteúdo latente e o manifesto, que visa à realização dos desejos não satisfeitos. A elaboração onírica é o processo que permite estudar os dois processos psíquicos que se passam no sonho, consciente e inconsciente, divisão semelhante à deformação que transforma em sintomas os complexos cuja repressão fracassou. No sonho do adulto também se esconde a criança, trazendo suas diferentes disposições. Pela análise dos sonhos também se descobre a representação de complexos sexuais pelo inconsciente por trás de nossos mitos e lendas. Mesmo os pesadelos podem ser explicados como uma reação do ego contra desejos reprimidos violentamente, a ansiedade. O terceiro recurso técnico é a interpretação de atos falhos, lapsos e atrapalhações corriqueiras que exprimem impulsos e intenções que deveriam ficar ocultos à consciência e testemunham a existência da repressão e da substituição dos desejos inconscientes. Por meio dessas técnicas, então, é possível fazer com que a consciência chegue ao material psíquico patogênico que causa os padecimentos da produção de sintomas de substituição.
Quarta Lição (sexualidade infantil): a psicanálise revela uma estreita associação entre os sintomas mórbidos e a vida erótica do doente que influencia nos fenômenos de repressão e formação de substitutivos ressaltando a importância da etiologia sexual no tratamento. Se há dificuldades para manifestação da intimidade sexual, o paciente deve estar a vontade para formar juízo do problema. O exame psicanalítico mostra que é preciso retroceder até a infância para trazer de volta a consciência os desejos reprimidos que expliquem os traumatismos atuais, como no caso dos sonhos, revelando que há, sim, instintos e atividade sexual infantil. Não é na adolescência, as crianças já sentem emoções intensas e se enamoram na tenra idade dos três anos, instintos complexos desmembrados em componentes de origem diversa. A criança se vale de um autoerotismo e busca sensações agradáveis em partes do corpo excitáveis, as zonas erógenas, se utiliza da masturbação que pode carregar pela vida e não associa o sexo à procriação, como os adultos.  Revela-se na criança, também, componentes da libido que pressupõe objeto ou pessoa estranha e podem ser instintos ativos (será a sede de saber) e passivos (será arte e teatro) como os relacionados ao sofrimento: o sadismo e o masoquismo. Mas, se na criança a conquista do gozo se dá de maneira desordenada por impulsos independentes, ela vai se condensar na zona genital como preparação para o ato sexual de propagação da espécie e repelindo o autoerotismo pela satisfação na pessoa amada, formando o caráter sexual definitivo ao final da puberdade. Porém, nesse processo, instintos são reprimidos na vida sexual pela educação ou a moral, como os prazeres coprófilos[5]. E o desenvolvimento da função sexual pode apresentar incidentes e gerar distúrbios: impulsos parciais que não se submetem à soberania da zona genital são transformados em perversão que substitui a vida sexual normal; o autoerotismo pode não ser superado; pode conservar-se a equivalência primitiva dos sexos levando à homossexualidade. Como as perversões mantêm os complexos e formam os sintomas, as neuroses, por outro lado, firmam-se no inconsciente apesar da repressão.  Então, a perversão se liga à neurose e a vida sexual somática da criança, mas também psíquica. A primitiva escolha da criança pelo objeto de desejos eróticos dirige-se primeiramente aos genitores que, nesse sentido, estimulam as crianças: se a mãe tem preferência pelo filho e o pai pela filha, aquele reage desejando o lugar do pai, assim como a menina, gerando sentimentos de hostilidade que serão reprimidos, mas continuarão a agir no inconsciente como complexo nuclear de cada neurose[6]. Antes do complexo ser reprimido a criança ainda formula diversas teorias sexuais infantis que não se acabam por falta de conhecimento e podem interferir na formação do caráter da criança e na neurose. O modelo usado na primeira escolha amorosa se referindo aos pais será usado para pessoas estranhas na escolha definitiva por isso a criança deve se desprender dos pais e cumprir sua função social. Livre da repressão que seleciona os impulsos parciais da vida sexual e da repressão dos pais, deve-se priorizar o trabalho educativo que pode ser realizado pelo tratamento psicanalítico para vencer os resíduos infantis.
Quinta Lição (a cura): Sendo os componentes eróticos instintivos os sintomas das neuroses, nota-se que os indivíduos se refugiam na moléstia pela falta de satisfação sexual na realidade, buscando satisfação substitutiva. A cura passa por retirar do ego do doente a repressão e verificar se a realidade oferece satisfação melhor que o estado patológico que traz o prazer imediato que remonta a satisfação causada na infância, seja temporalmente a libido retornando ao passado e formalmente usando os meios psíquicos de outrora. Se a vida pressiona e reprime e a realidade é insatisfatória, busca-se a fantasia para realização dos desejos e obtenção do gozo. A neurose passa por essa regressão à vida infantil para reavivar os desejos, embora pessoas com dotes artísticos transformem sintomas em criações artísticas que podem reatar a ligação com a realidade. Os mesmos conteúdos psíquicos dos neuróticos encontram-se nos sãos, porém em quantidade ou proporção diferentes. Mas é no processo de transferência, que o paciente estabelece com o médico e que provém das fantasias tornadas inconscientes, que o doente se dá conta dos sentimentos sexuais que aí se elevam e se transformam em outros produtos psíquicos. Opondo-se a psicanálise, teme-se que os instintos sexuais reprimidos ao serem trazidos à consciência possam entrar em conflito com a moral do sujeito e causar mais sofrimentos, porém a destruição do caráter civilizado pelos impulsos liberados da repressão é impossível, já que era inconscientemente que eles se manifestavam com mais força. Tais desejos se tornam inofensivos à vida do indivíduo seja pela ação mental de sentimentos contrários dominando o que lhe é hostil; seja fazendo utilização conveniente dos impulsos inconscientes no processo de sublimação, permutando os fins sexuais por outros de maior valor social; seja satisfazendo parte dos desejos libidinais reprimidos já que a civilização não pode negar a felicidade individual e nem nos fazer desviar o instinto sexual de sua finalidade própria.


Pronunciadas por Ocasião das Comemorações do Vigésimo Aniversário da Fundação da CLARK UNIVERSITY, WORCESTER, MASSACHUSETTS. Freud, Setembro de 1909. Tradução do professor Professor Durval Marcondes. Em: Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, volume XI.
[1] Método semiótico e terapêutico de Breuer.
[2] Fixação anormal ao passado.
[3] Divisão da consciência.
[4] Então, a hipnose utilizada por Breuer permitiria superar a resistência e ter acesso a esse setor psíquico.
[5] Prazeres que se relacionam com excrementos.
[6] Referências ao mito do rei Édipo e Hamlet.

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