Mostra
um caminho que possibilita achar uma imagem de “eu” que pode ser
compartilhada[i]
Em sua análise dos indexicais, Costa nos apresenta o conceito de pessoa como o conteúdo do eu. Os indexicais, como ele define, são termos singulares que servem para identificar particulares, como por exemplo, os demonstrativos “este” e “aquele”, os advérbios “aqui” e “agora” ou o pronome pessoal “eu”, o qual focaremos nesse texto.
Para Costa, é por meio dos indexicais que
a linguagem toca a realidade, o que fica bem evidente quando dizemos “Dai-me
esta caneta”. O “esta” indica o objeto próximo ao falante e, quando acompanhado
pelo gesto de ostensão, aquele que aponta para a caneta, deixa mais evidente o
contato com a realidade, mediante a linguagem.
Contudo, termos ou sentenças indexicais
têm a características de variarem o sentido conforme o contexto: “Hoje é
sexta-feira” é verdade em uma sexta-feira, mas não é verdade em um sábado. Costa
define duas espécies de significado para os indexicais: a função lexical,
que é o significado linguístico e o conteúdo semântico que é o sentido[ii].
Ora, a função lexical é o sentido literal
do termo, invariante: no caso do “eu” é o falante. Essa é a regra, “eu” sempre
se refere à pessoa que o profere no momento que profere. Porém, a função
lexical é insuficiente quando há significação, pois ele é diferente quando dito
por pessoas diversas. É aí que aparece a segunda espécie de significado do
indexical: o conteúdo semântico que varia com o contexto de proferimento,
levando em conta a situação real de fala[iii].
Esse segundo significado traz a referência
do “eu” e que pode dizer tanto quanto o nome próprio diz. Como está associado à
pessoa que diz, seu conteúdo semântico é o objeto, o ser humano[iv]. É aí que Costa reflete
que, para entender pronomes pessoais, precisamos primeiro entender o que é uma
pessoa qualquer e depois situá-la em um contexto, adicionar um sexo ou gênero,
idade e etc. Resume-se em um “eu” + regra de identificação e aplicá-los em um
contexto espaciotemporal, que é aquele compartilhado por todos nós.
Para Costa, é uma certa pessoa, conceito como
postulado por Strawson, que é o objeto real de referência do pronome pessoal eu.
Essa pessoa é empírica, espaciotemporal e psicológica, composta por uma mente
humana e um corpo físico biológico. O eu, nessa definição, é um “eu” “palpável”,
isto é, um eu que pode ser compartilhado e que supera o eu fugidio de Hume ou o
eu intangível de Kant.
A fortaleza do conceito de Pessoa de
Strawson, reside no fato de que ele é um conceito primitivo (possui primitividade
lógica), quer dizer, ele vem antes de uma propriedade mental ou física, esses
sim, dele dependentes. Conforme ele: “O que temos de reconhecer, ..., é a
primitividade do conceito de pessoa.” (p. 144)[v] É a um indivíduo que são aplicados
predicados atribuidores tanto de estados de consciência quanto de
características físicas.
É por tal conceito que Costa supera (e
mesmo Strawson) o “eu” humiano, aquele fluxo de sensações que pode ser
constituído a partir de uma autoimagem que de nós fazemos, pelo acúmulo de
nossas ideias, memorias e convicções, de maneira indireta a partir do fluxo[vi]. Segundo Costa, há uma
constituição egóica psicológica que, se no todo é considerada transcendental
por Kant, pode ser conhecida “por partes”. Essa constituição não é a totalidade
porque o “eu” não pode, ao mesmo tempo, ser observado e observador, e sim o
oposto, forma uma ideia de si no tempo. Citemos Costa:
“Quando penso em
meu próprio eu, porém, é naquilo que sou, é no que poderíamos chamar uma
constituição egóica subjetiva pertencendo à minha pessoa e que sou capaz de
experienciar diretamente como um todo, mas da qual formo uma ideia com base em
estados mentais que se reiteram, que são mais ou menos interrelacionados, que
por vezes me vêm à mente e aos quais posso me referir”. (p. 32)
Essa constituição subjetiva faz parte da
trinca que será conceituada por Costa em sua teoria: ela se refere ao léxico e
será instanciada por um conteúdo semântico que é uma pessoa particular
[pensável] e que, no ato da referência, aponta a uma pessoa real correspondente
(caso haja). Tudo isso mostra como a linguagem toca à realidade e como a
Filosofia da Linguagem não evita uma ontologia, por mais que tenham sido feitos
esforços analíticos[vii].
[i] Toma por base a argumentação
presente em COSTA, C. Cognitivismo Semântico: Filosofia Da Linguagem Sob
Nova Chave. Curitiba: Editora Appris, 2022.
[ii] Embora pareça que para Kaplan eles
sejam um só, o caráter, como será abordado por Costa mais a frente, mas não
nessa comunicação.
[iii] Um exemplo que Costa usa é bem figurativo.
É uma situação em que o doente recebe uma visita que diz: “Eu estou aqui”. Esse
“eu”, em casos como este, vem carregado de significado, é um “eu” que tem uma
história implícita entre falante e ouvinte, visita e doente, e que traz
conforto. Há também o contraexemplo do animal que diz “Eu me chamo Loro”, que
empobrece o sentido.
[iv] Aqui não entraremos na questão principal
de Costa que é a de discutir a teoria da referência direta que ele pretende
superar, por meio de um cognitivismo neofregeano. Sobre isso, esperamos falar.
[v] STRAWSON, P. Indivíduos: Um
ensaio de metafísica descritiva. São Paulo: Editora UNESP, 2020
[vi] Último parágrafo aponta para esse
problema: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2015/08/ceticismo-alegre-e-modesto.html.
[vii] Lembrar que Sagid divide o tema em
problemas descritivos e fundacionais, conforme introdução: https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2022/10/filosofia-da-linguagem-introducao-e.html.
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