sábado, 18 de maio de 2019

Ideias de Deus*

Idealismo e Teoria do Conhecimento. Russell relembra que idealismo significa que o que existe ou pode ser conhecido é de alguma forma mental, ressaltando que há vários tipos de idealismo. Segundo ele, embora o fato de imaginarmos que o mundo físico à nossa volta possa ser produto da mente ou deixe de existir quando fechamos os olhos, o idealismo não pode ser descartado como absurdo. Russell nos mostrou que o mundo físico, se existente independente de nós, deveria ser diferente dos dados-dos-sentidos, o que tornaria difícil a conceituação de sua natureza. Porém, mesmo que soe estranho como o idealismo caracteriza a apreensão da realidade, Russell afirma que o idealismo remete à teoria do conhecimento e às condições que temos para conhecer as coisas que nos cercam.
Conceito de Ideia. Já vimos, também, que Bishop Berkeley foi o primeiro a conceituar dados-dos-sentidos dependendo de nossa mente e com ampla aceitação na filosofia. Argumentando que só temos garantia do conhecimento de dados-dos-sentidos, para Berkeley tal conhecimento estaria em nossa mente (se não na minha, em outra, em alguma mente...) e só seria possível pela noção de ideia, que é exatamente o que é imediatamente conhecido por nós: uma cor que vemos é uma ideia, uma voz, etc. Ao exemplificar o que conhecemos de uma árvore, Berkeley afirma que é uma ideia dela em nossa mente, mas quando essa ideia se esvai, a árvore não existe mais? Jamais, ela existe porque é uma ideia de Deus e as ideias de Deus nunca cessam.[i] Então, tudo o que vemos, sentimos ou tocamos são ideias que só são porque são ideias de Deus e por isso todos nós compartilhamos de ideias semelhantes, pois são de Deus. Se Deus cessa, o mundo cessa[ii].
Falácias do Conceito de Ideia. Porém, explica Russell, se o conceito de ideia remete a algo em nossa mente, a ideia de uma árvore não significa que a árvore toda está em nossa mente, mas um pensamento dela. Se Berkeley, em oposição ao objeto físico, trata de dados-dos-sentidos como algo subjetivo e, por isso, mais dependendo de nós do que do objeto, isso não significa que tudo que é imediatamente conhecido está em nossa mente. O que importa a Russell não é a distinção entre dados-dos-sentidos e objetos físicos, mas a questão de saber se tudo que conhecemos é mental. Russell argumenta que uma coisa é a consciência de uma cor em nossa frente (o ato mental de apreensão que está em nossa mente) e outra é a própria cor percebida pelos dados-dos-sentidos. Russell aponta para uma confusão no conceito de ideia de Berkeley entre o ato de apreensão e a coisa apreendida[iii].
Outras falácias. Tal confusão entre ato e objeto permite a Russell caracterizar a mente como tendo a capacidade de apreensão de outros objetos que não ela e enfatizar que limitar o seu conhecimento a coisas que estão na mente, como faz Berkeley, equivale dizer que essas coisas não são mentais, invalidando seu conceito de ideia. Além disso, para Russell, há uma suposição de que o que existe deve ser conhecido por nós, nesse caso, a matéria seria uma mera quimera, pois só conheceríamos mentes e ideias mentais. E o que não tem importância para nós não seria real, porém, segundo ele, a matéria faz parte de um desejo de conhecimento que temos.
Teoria do Conhecimento de Russell. Russell se refere ao conhecimento de duas maneiras: 1.) oposto ao erro, conhecimento de algo que julgamos verdadeiro e 2.) conhecimento de coisas, um tipo de apreensão, por exemplo, conhecimento de dados dos sentidos. Russell então muda a suposição destacada acima a acusando de falsa: “We can never truly judge that something with which we are not acquainted exists.”[iv] Ele argumenta que se não pode ser conhecido (apreendido) como imperador da China, mesmo assim pode julgar verdadeiramente que ele existe. Ele finaliza dizendo que sim, o fato de estar familiarizado com algo indica o conhecimento desse algo mas não estar familiarizado com algo não significa que este algo não pode ser conhecido ou exista. Podemos julgar verdadeiro algo com que não estamos familiarizados, mas que podemos conhecer por descrição, assunto que será investigado no próximo capítulo.



* Bertrand Russell, Problems of Philosophy. IDEALISM. Acessado em 11/05/2019: http://www.ditext.com/russell/rus4.html.
[i] Conforme Russell: “Its being, he says, consists in being perceived: in the Latin of the schoolmen its 'esse' is 'percipi'.”. Ou seja, o ser da árvore é sempre um ser percebido [por uma mente].
[ii] Inclusive nós, acreditamos, pois nesse caso também somos ideias: de Deus, para os outros.
[iii] Ou: “Thus, by an unconscious equivocation, we arrive at the conclusion that whatever we can apprehend must be in our minds.”.
[iv] Usaremos acquainted como familiarizado e/ou apreendido indiscrinadamente.

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