quinta-feira, 21 de abril de 2016

Transição da Metafísica dos Costumes para a Crítica da Razão Prática Pura*

O Conceito da Liberdade é a chave da explicação da Autonomia da Vontade

A vontade só é uma causalidade eficiente dos seres vivos [enquanto racionais] pela propriedade da liberdade (como uma definição negativa) que a torna independente de causas estranhas (assim como há uma necessidade natural dependente). Liberdade, esta, provida de uma causalidade[1] regida por leis imutáveis. Mas, se a necessidade natural é heterônoma, a liberdade da vontade é autônoma[2]. A propriedade da vontade de ser lei para si mesma e o princípio da moralidade (vontade que contem a si mesma e como lei universal) só são possíveis por um conceito positivo de liberdade que será mostrado adiante.

A LIBERDADE TEM DE PRESSUPOR-SE COMO PROPRIEDADE DA VONTADE DE TODOS OS SERES RACIONAIS

A moralidade [que vale para todos os seres racionais] deriva de uma liberdade [como propriedade da vontade] que deve ser demonstrada para todos os seres racionais. Ao agir sob a ideia da liberdade um ser é livre e, sendo ser racional que tem uma razão prática, só assim pode agir. O sujeito racional só julga pela sua razão que é livre e indeterminada e, portanto, a vontade requer essa ideia [da liberdade] sendo atributo de todos os seres racionais.

DO INTERESSE QUE ANDA LIGADO ÀS IDEIAS DA MORALIDADE

Dada a liberdade como pressuposto da vontade e da determinação de se agir sob ela, segue que as máximas [subjetivas] devem valer objetivamente [como legislação universal]. E, como imperativo categórico, é um dever estarmos submetidos a esse princípio e não por interesse. Assim, mesmo determinando o princípio, nada se demonstra a respeito de sua validade objetiva. O juízo de ser digno de felicidade, mesmo sem dela poder participar, é o efeito das leis morais que fogem ao interesse empírico e que nos fazem pensar como pode ser possível uma lei moral obrigar ou: como sermos livres no agir mas estarmos submetidos a determinadas leis?
Livres e submetidos? Há que separar: nos pensamos como causas eficientes (pela liberdade, a priori), mas nos representamos a nós mesmos como efeitos (pelas ações). Porque o que se nos representa pelos sentidos e mesmo com auxílio do entendimento são fenômenos e nunca coisas em si mesmas. Fazendo-se a distinção, segue-se que há coisas em si e resulta um mundo sensível e um tinindo inteligível, e que o próprio homem só se conhece enquanto fenômeno, embora admita necessariamente um Eu o constituindo[3].
Mas é a razão a faculdade do homem que é pura atividade própria[4], espontaneidade que está acima do que a sensibilidade pode fornecer ao entendimento e distingue o sensível do inteligível. O ser racional, então, considera-se pertencendo ao mundo sensível sob leis naturais e pertencendo ao mundo inteligível sob leis da razão. Na base de todas as ações de seres racionais está o princípio da moralidade que se conjuga com a ideia da liberdade pelo conceito da autonomia. Assim, ao nos pensamos livres, pertencemos ao mundo inteligível onde se reconhece a autonomia da vontade que tem como consequência a moralidade.

COMO É POSSÍVEL UM IMPERATIVO CATEGÓRICO?

As ações no mundo sensível são fenômenos da causalidade da vontade do mundo inteligível que não conhecemos, por isso compreendemos as ações dependentes de apetites e inclinações[5]. As leis do mundo inteligível nos são imperativas; categóricas porque se fossemos só inteligível as ações seriam conforme a autonomia da vontade, mas como somos também sensíveis, essas ações devem ser conforme a essa autonomia, dever que é uma proposição sintética a priori.O uso prático da razão comum mostra que no mundo inteligível há uma ideia de liberdade que nos conscientiza de uma boa vontade que é um dever que acaba sendo transgredido pelas impulsos determinantes da sensibilidade, do qual devemos nos libertar.

DO LIMITE EXTREMO DE TODA A FILOSOFIA PRÁTICA

Diferem-se, então, dois conceitos: a liberdade é uma ideia da razão cuja realidade objetiva é duvidosa; a natureza é um conceito do entendimento que demonstra sua realidade na experiência[6]. Uma vez esses conceitos acomodados pela filosofia especulativa, a filosofia prática se sente confortável para operar. Como a pouco mencionado, mesmo a razão humana vulgar se vê dotada da liberdade da vontade quando se pensa como inteligência, como coisa em si independente. Se pensa assim e, também, sem contradição, se pensa como objeto afetado pelos sentidos. No mundo inteligível a vontade está acima das inclinações e apetites, mundo do qual só se sabe que há uma lei da razão imediata e categórica; aí o sujeito é Eu verdadeiro, ao passo que como homem é apenas fenômeno de si mesmo.
O homem só se introduz no mundo inteligível pelo pensamento [negativo] onde não ultrapassa seus limites; porém essa liberdade está ligada uma vontade [positiva] de agir segundo a máxima como lei. Nesse mundo inteligível não há objeto[7], ele é apenas um conceito para se pensar fora dos fenômenos e como causa livremente eficiente. Mundo inteligível que é condição formal, mundo inteligível da autonomia da vontade em que a razão não ultrapassa os limites de explicar como é possível a liberdade. Só se explica o que é objeto; a liberdade que não se determina como as leis naturais não exige explicação, mas se pressupõe como fundamento dos fenômenos, como as coisas em si, ainda que oculta. Assim como é fato que temos um sentimento moral que é o efeito subjetivo das leis morais, é um interesse puro da razão sem objeto, é um interesse da razão agir universalmente segundo sua máxima cuja validade é princípio suficiente de determinação da vontade.
Que o homem queira aquilo que a razão prescreve como dever, é impossível explicar porque não se comprova na experiência. O nosso interesse pela moralidade é válido porque somos homens e porque ele nasce da vontade, do nosso verdadeiro eu. Então, um imperativo categórico só é válido pela ideia de liberdade, da mesma forma que a lei moral cujo autonomia da vontade é condição formal. É necessário pressupor a liberdade da vontade e admiti-la praticamente (isto é, na ideia!!!) como condição de suas ações voluntárias, embora não se explique como uma razão pura pode ser prática. Temos essa ideia, mas não temos o conhecimento desse mundo inteligível que é um algo que está no todo e fora da sensibilidade, mas não se resolve o problema do interesse da ação como causa determinante da vontade. Esse é o limite extremo da investigação moral: não buscar um interesse empírico para a ação moral e nem sem perder em quimeras transcendentais. Fiquemos no limite do mundo inteligível das inteligências pertencendo ao reinos universal dos fins em si mesmos, mas sem esquecer que também somos sensíveis. E sem conceber a necessidade prática incondicionada do imperativo moral, já que aí não seria uma lei moral, ou seja, de suprema liberdade.
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* Kant, Immanuel. Terceira Seção. In: Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Edições 70.
[1] Causalidade significa leis de causa e efeito.
[2] Então: a.) agimos por uma máxima: de ter-se a si mesma por objeto como lei universal; b.) agimos pelo princípio: a vontade é, em todas as ações, uma lei para si mesma; c.) essa máxima e esse princípio são a fórmula do imperativo categórico e do princípio da moralidade; d.) vontade livre e vontade submetidas a leis morais são uma e mesma coisa.
[3] O mundo sensível varia pela percepção, o inteligível é base daquele e idêntico e aí encontra-se um homem que, enquanto pura atividade, nada sabe.
[4] Acima do entendimento que tem por atividade reunir representações em uma consciência.
[5] Ações no mundo inteligível assentam no princípio da moralidade; ações no mundo sensível assentam no princípio da felicidade.
[6] Não há contradição nessa dialética da razão que do ponto de vista especulativo aposta na necessidade natural, mas que do ponto de vista prático aposta na liberdade da vontade, do que resulta termos que eliminar essa aparente contradição. Essa é tarefa da filosofia especulativa que mostra o sujeito livre submetido a leis como um só sujeito e, assim, abre caminho para a filosofia prática e a moral.
[7] Se houvesse seria heterônomo, como no mundo sensível.

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