Hume provoca uma guinada no empirismo: conceito histórico que
limita o mundo das ideias ao que recebemos dos sentidos, todo o conhecimento se origina na experiência. Para Hume, as impressões que recebemos vêm dos sentidos e compõem nossas ideias, mas cada ideia é um termo
separado, e cada ideia é ligada a outra por uma relação, ou seja, há ideias de
termos e ideias de relações. Uma ideia não é atribuída à outra por um juízo,
pelo verbo "é", mas elas são justapostas e ligadas pela conjunção
"e"; é uma lógica das relações. Aqui já temos um esboço do empirismo
lógico: recebemos impressões sensíveis e as ligamos logicamente.
A relação, então, é a passagem de uma ideia a outra e faz parte da
natureza humana, como, por exemplo, os princípios de associação, causalidade,
etc. Pelo princípio de causalidade de nossa natureza usamos locuções que não se
dão na experiência, como: amanhã, sempre, necessariamente. O sol
necessariamente nascerá amanhã? Não temos certeza porque isso não está dado na
natureza agora, mas inferimos, cremos, daí as crenças que estão na base de
nossos conhecimentos. As crenças se baseiam em casos semelhantes (todo dia o
sol nasce...) que se fundem em nossa imaginação e formam nossos hábitos, mas no
entendimento esses casos permanecem distintos e fundamentados na experiência.
Portanto, as relações que estabelecemos vêm do entendimento e da
imaginação. Mas podemos passar de uma ideia a outra ao acaso. Quando isso
ocorre, a imaginação usa as regras do entendimento para produzir ficções,
delírios, forjando princípios de natureza humana. A fantasia cria relações
fictícias nos fazendo crer em loucuras e mesmo duplicando os casos reais por
uma repetição verbal - e cremos no que falamos! Se o ceticismo vinha do erro
dos sentidos, de sermos enganados pela impressão das coisas (lembremo-nos do
exemplo de Descartes do tamanho do sol que nos aparece pela visão e é diferente
do tamanho real), para Hume não há erro, não há crenças falsas, mas crenças ilegítimas.
Pelas relações de causa e efeito fazemos cálculos de probabilidade, mas, às
vezes, a ficção não pode ser corrigida e mesmo crenças ilegítimas vão fazendo
parte de nossa natureza humana. Como acontece com as crenças ilegítimas no mundo, no eu
e em Deus que formam a base de nossas crenças legítimas.
A investigação sobre o conhecimento começa e termina no ceticismo,
mistura ficção e natureza humana. Mas a natureza humana não se guia somente
pelos princípios de associação de onde decorrem as relações, mas de princípios
de paixão de onde decorrem os pendores. Na base da associação: relações +
pendores. Se os princípios da associação nos fazem ultrapassar
o dado, no fundo das paixões não há egoísmo, mas parcialidade, nos apaixonamos
pelos que estão próximos de nós. De forma diferente do contrato social que limita
egoísmos, a proposta é superar a parcialidade, de um estado de limitações
legais deveríamos criar artifícios, invenções institucionais para superar nossa
parcialidade. Se Hume embricou o conhecimento entre ficção e natureza humana,
agora a natureza humana deve ser inventiva para ultrapassar as parcialidades.
As paixões são a extensão artificial para superar a
parcialidade humana, elas ressoam na imaginação fazendo ultrapassar os limites
naturais. Os princípios de associação estão estabelecidos na imaginação como
regras de cálculo, como objeto do conhecimento. As paixões, os sentimentos
estéticos, morais, políticos se sobrepõem a esses objetos e formam as regras de
gosto, do direito, etc. Na posse, o que vale é a relação que estabelecemos com
o objeto, que seja suficiente para apresentar garantias: não basta lançar um
dardo sobre a porta para garantir sua posse, é preciso tocá-la.
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*Resenha
do texto: Iluminismo – Hume. De Deleuze, na coleção de História de Châtelet.
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