quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Sobre a plasticidade cerebral e outros princípios de seu funcionamento interno

Trataremos de alguns princípios mais relevantes em um primeiro contato com a dinâmica do cérebro, porém sem rigor técnico[i]. Importa o entendimento geral e algumas reflexões a partir desse exame do órgão composto por em torno de 86 bilhões de neurônios e 1 quatrilhão de sinapses[ii] (1.000.000.000.000.000).

Duas considerações iniciais: 1.) Nicolelis chama de solenoide a forma como os neurônios se organizam em laços para se relacionarem e transmitir informações e 2.) importa ressaltar que, como estamos verificando a parte interna do cérebro, temos receptores sensoriais, que se encontram no tálamo, para comparar as informações do mundo com a do nosso cérebro. E o primeiro e mais importante princípio: a plasticidade neural, ou seja, a capacidade do cérebro de se modificar tanto anato como funcionalmente, seja pelo aprendizado, mudanças no corpo, engajamento social etc. E a variação do número e distribuição das sinapses que ocorrem nos solenoides.

A fé move montanhas? Nicolelis relata experimentos realizados em seu laboratório em Duke como, por exemplo, o implante de neuro próteses em ratos que permitiram aos animais identificarem a luz infravermelha. Tais experimentos vão no sentido das pesquisas de interface cérebro-máquina e o famoso Projeto Andar de Novo, através dos quais o neurocientista e sua equipe puderam conhecer melhor o funcionamento do cérebro.[iii]

O implante de multieletrodos em ratos interferindo em seu sistema motor e os demais experimentos demonstram como as populações de neurônios trabalham de maneira interconectada e distribuída. Nicolelis traz o esquema do braço robótico que é movimentado através de comandos via chips conectados a um cérebro e transmissores sem fio, de onde constatamos que talvez não seja exatamente a fé que move montanhas... Mas, seria o pensamento capaz de mover uma pedra que estivesse sobre uma superfície móvel controlada por ele?

Outros princípios:

· Massa neural: mais neurônios em uma população, maior a contribuição em um determinado padrão comportamental;

· Multitarefa: mesmo neurônio pode contribuir com mais de um comportamento/parâmetro motor;

· Redundância: não há um padrão fixo e o recrutamento de neurônios para tarefas é ad hoc, ou seja, não ocorre ao mesmo tempo e varia expressamente, oferecendo proteção contra falhas;

· Contextualização: para responder aos estímulos sensoriais exteriores;

· Conservação de energia: se há um trabalho excessivo por determinadas populações de neurônios, outras trabalharão menos.

Atividade antecipatória. Um princípio que Nicolelis também identifica em ratos é a atividade antecipatória, nos roedores associada ao uso das vibrissas que funcionam como dedos, localizando-os. Essa atividade antecipatória está ligada ao ponto de vista do cérebro, ponto de vista interno proveniente da história perceptual do indivíduo, do estado dinâmico do cérebro, das expectativas de cada situação e dos valores que experimentamos.

Experimentos feitos pela equipe do catedrático em macacos mostra que há uma reconfiguração dos parâmetros quando há mudança na recompensa que era esperada ser recebida em determinada tarefa. Isso reforça a plasticidade: o cérebro continuamente se reformata e se antecipa. De novo, perguntamos: onde está localizada, em nosso processo decisório, essa predição?  Faz parte do inconsciente? Em nosso dia-a-dia, ficaria essa atividade preditiva facilitada pelos ciclos (dia-noite-semana-etc.)? Seria trabalho do cérebro conservar energia até atingir uma zona de conforto ou é exatamente essa zona de conforto que traz uma não evolução neuronal?

Enfim e por fim, há uma capacidade central do cérebro de aprender e se auto adaptar, característica não encontrada nos computadores. Nicolelis também cita o caso de cegos que redirecionam seus neurônios para tratar os novos impulsos sensoriais. Todos esses princípios compõem a Teoria Relativística do Cérebro proposta por Nicolelis e a conceituação do córtex como entidade contínua.

 


[i] Nicolelis, Miguel. O verdadeiro criador de tudo: Como o cérebro humano esculpiu o universo como nós o conhecemos. São Paulo: Planeta, 2020. Notas do capítulo IV.

[ii] Conforme Toda Matéria, link https://www.todamateria.com.br/sinapses/ acessado em 17/12/2020, sinapse é a região localizada entre neurônios onde agem os neurotransmissores (mediadores químicos), transmitindo o impulso nervoso de um neurônio a outro, ou de um neurônio para uma célula muscular ou glandular.

[iii] Nicolelis cita Young como pioneiro nesse estudo ao postular o sistema RGB, de como o cérebro trabalha com os neurônios em conjunto para trazer a experiencia da composição das cores.

2 comentários:

  1. sobre o Projeto Andar de Novo: https://aasdap.org.br/projeto-andar-de-novo

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  2. teoria tricromática: No início do século XIX, o físico inglês Thomas Young (1773–1829) propôs, a teoria tricromática, segundo a qual o olho humano tem receptores para três cores primárias (vermelho, verde, azul). As outras cores seriam combinações destas três cores feitas pelo cérebro. Conforme: http://www.ghtc.usp.br/Biografias/Maxwell/Maxwellvisao.html - Grupo de História e Teoria da Ciência (GHTC)

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