domingo, 24 de março de 2019

Didática e Pedagogia do Exame*

Observações sobre a prática da avaliação da aprendizagem nas escolas brasileiras atestam que ela se orienta pela pedagogia do exame polarizada pelas provas e exames, ainda mais intensos no ensino médio que deve preparar os alunos para o vestibular.
Sob essa ótica, o sistema de ensino é quantitativo porque baseado em números que se concretizam nas notas das provas ou nos percentuais de aprovação e reprovação e também instrumental porque tem como fim a promoção nas séries de escolaridade. Tal abordagem mobiliza todos os atores e agentes envolvidos na educação: sejam os alunos que devem se inteirar das tarefas necessárias para obter as notas; os professores que usam as provas como instrumento de ameaça aos alunos; os pais que ficam na expectativa das notas; o estabelecimento de ensino que se vale das estatísticas dos resultados (que escondem as disparidades individuais e os caminhos que levaram à obtenção da nota); e o sistema social que, aferindo esses resultados, tem “garantias” de que tudo está indo bem (claro que aparentemente...). Os desdobramentos desse quadro revelam uma relação cindida entre professores autoritários que utilizam as provas como instrumento de disciplinamento de alunos que, com medo, se submetem as avaliações em busca de aprovação. Não vemos nessa prática a valorização, quer seja de conteúdos, quer seja de competências.
Luckesi nos mostra que um processo histórico instaura esse quadro atual, seja partindo da pedagogia jesuítica que já se valia de um ritual de provas e exames ou da pedagogia comeniana que pregava que “o medo é um excelente fator para manter a atenção dos alunos”[i]. Além disso, a sociedade burguesa capitalista ainda incide sobre a nossa educação com seus mecanismos de controle que operam o fetiche da prova que se torna o objeto que regula a relação entre professor e aluno pela via da dominação: a prova vale mais do que o aprendizado; mecanismos que impõem medo aos alunos que vivem em constante preocupação com as avaliações que os cerceiam.
Assim, a pedagogia do exame traz consequências: 1) pedagógicas, porque centraliza atenção aos exames em detrimento da aprendizagem; 2) psicológicas, porque os alunos se tornam submissos aos exames e devem se conformar com essa pedagogia, criando sujeitos coagidos; 3) sociológicas, em virtude dos processos de seletividade social que se dão de modo desigual em virtude das classes sociais. Mas o que há de errado? O problema seria a avalição ou o modo de avaliação e sua prática? Deixaremos por hora essa pergunta em aberto e voltaremos a esse assunto brevemente.



* Parte do trabalho: Como avaliar? Em Filosofia se avalia, mas, como pressuposto o quadro teórico da disciplina, é preciso um processo avaliativo coerente com o enfoque. Junho/2015. Sintetiza-se aqui tópico de LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e proposições. São Paulo: Cortez Editora, 2003.
[i] LUCKESI, 2003, p. 22.

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