Seguimos com a abordagem que Vincetini faz dos qualia e que temos usado para nos trazer
mais argumentos para a investigação epifenomenalista[i].
Trataremos primeiramente de Levin e sua tentativa de conciliar qualias com
visão fisicalista. Relembremos primeiro, como sugere Vicentini, dos problemas
colocados por Nagel, de que há um aspecto subjetivo na experiência que não pode
ser reduzido à mera descrição objetiva (ser como morcego)[ii]
e Jackson, do experimento do quarto de Mary que afirma que a experiência de ver
cores é um acréscimo ao conhecimento. Na base desses dois argumentos está a
crítica a redução materialista, ou seja, os qualias seriam uma barreira para o
fisicalismo.
A
partir deles, Levin argumenta que tais conhecimentos não são teóricos como
queriam Nagel e Jackson, mas práticos, ou seja, são habilidades práticas e, por
isso, não seriam tratados pelo fisicalismo. Para Levin, Mary, ao sair do
quarto, não seria capaz de discriminar entre uma cor azul e outra amarela, já
que nunca teve esse tipo de experiência, mas ela saberia que está tendo duas
experiências distintas. O que importa, nesse caso, é como descrever cada cor objetivamente, independentemente dos
qualias; eles não teriam papel em um conhecimento convencional [de cores]. O
equívoco na abordagem dos qualias, segundo Levin, seria em relação ao reconhecimento direto
(estado mental => experiência) e ele pode ocorrer devido a uma falta de
conhecimento teórico ou dificuldade na aplicação prática de um conceito.
Entretanto,
Vicentini tenta compreender como a experiência pode contribuir para o
conhecimento teórico a partir de uma via indireta, transmitindo qualidades pela
descrição. Por exemplo, ele cita o caso de um especialista em vinho que poderia
descrever um novo paladar para outro especialista de maneira satisfatória e que
chegaria próximo à fenomenologia objetiva almejada por Nagel, ainda que nessas
situações bem peculiares, onde se tem uma experiência vasta no assunto.
Vicentini
também aborda a proposta de Shoemaker de tratar os qualias cientificamente, via
funcionalismo. Retomaremos aqui a refutação de Shoemaker à objeção mais
importante ao funcionalismo, a dos qualias ausentes: haveria em algumas
ocasiões a possibilidade de que dois estados mentais funcionalmente iguais
pudessem um estar associado a um estado qualitativo e outro não. “An organism might be in pain even though it is
feeling not at all, and his consequence seems totally unacceptable.” (p.70).
Vicentini levanta se seria possível definir os qualias funcionalmente, ainda
sob tal objeção. Shoemaker argumenta que se, mesmo via introspecção, que em
último caso seria a nossa última ligação subjetiva com os qualias, não se
poderia chegar à comprovação dos qualias, por outro lado, temos acesso
a estados qualitativos quando, por exemplo, sentimos dor. Portanto, se a objeção
dos qualias ausentes indica que não teríamos conhecimento dos qualias para
“saber” se estamos tendo um estado qualitativo ou não, então não haveria como provar se eles existem ou não. Além disso, não há como se sentir a dor desassociada de um estado que qualifique essa
dor.
O
uso funcionalista dos qualias por Shoemaker se dá na proposta da equivalência
qualitativa, ou seja, dados dois estados que possuem as mesmas entradas, saídas
e estados sucessivos, funcionalmente falando, tais estados podem ser
considerados qualitativamente os mesmos. “Se há, por exemplo, dois copos com
líquidos na minha frente e ao prová-los constato que produzem em mim os mesmos
qualia, eu tendo a acreditar que ambos têm o mesmo gosto e que são bons
exemplos de vinho”. Embora Vicentini ressalte que a similaridade qualitativa só
é viável se de fato não haja hipótese dos qualias ausentes, porque não
conseguiria trata-los, ela é uma possibilidade interessante de exploração dos
qualias cientificamente.
* Análise de Vicentini, Max
Rogério. O problema dos qualia na
filosofia da mente. Dissertação de Mestrado: Campinas, SP, 1998.
[i] Ver primeiro e segundo capítulos
de Vicentini: http://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2018/03/os-qualia.html e http://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2018/03/os-qualia-fechamento-cognitivo.html.
[ii] Não podemos deixar de citar o
exemplo usado por Leonardo Stoppa de que os juízes, os ricos, sabem o que
passam os pobres, o que os pobres podem sofrer, mas não sabem o que é ser um
pobre (https://youtu.be/NaUIWJ3b7kc?t=1759: 9min30).
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