quinta-feira, 24 de julho de 2025

Modulação da linguagem

Visa pincelar um dos problemas da comunicação humana

Há um problema de comunicação que se caracteriza pela forma (que superpõe um conteúdo, que lhe é superveniente) sobre a qual formulamos certas opiniões que são mal compreendidas por terceiros. Se, para nós, determinadas frases nos soam “naturais”, para os outros elas podem se fazer estranhas, quase que sem um sentido. Mas, para início de conversa, caracterizemos sentido.

Quando falamos de sentido, nessa nossa argumentação, queremos nos fiar na tese wittgensteiniana de que o sentido se dá pelo uso, mas, expliquemos. Por exemplo, qual é o sentido de banco? Poderíamos falar sobre um banco apontando para “o banco da praça ali de trás” e isso especificaria uma referência univocamente. Ou poderíamos falar deste banco por meio uma descrição atributiva e teríamos que ser um pouco mais explícitos sobre sua localização, cor, formato, entre outras características. Por outro lado, eu poderia falar sobre um banco dentro de um contexto de conversação, por exemplo, “Quando eu estava ali no banco sacando dinheiro, observei que começou a chover”. Nesse caso, o sentido se dá pela maneira como usamos a palavra banco e ele não depende de nosso interlocutor nem mesmo já ter estado na praça e conhecer todos os bancos que lá existem, mas depende da forma como eu me expresso e da forma como ele interpreta. E o par de ações expressar-interpretar é o busílis da questão.

Ocorre que, como postulou Wittgenstein: “Para uma grande classe de casos em que é utilizada – embora não para todos os casos – pode-se explicar a palavra ‘significado’ da seguinte maneira: O significado de uma palavra é seu uso na linguagem.” (p. 53, parágrafo 43, grifos do autor[i]). Como vínhamos expondo, vamos substituir sentido por significado e seguir a máxima wittgensteiniana de que o significado de uma palavra se dá pelo seu uso na linguagem, em boa parte dos casos.

Ponto dois, citando novamente: “os jogos de linguagem apresentam-se como objetos de comparação, os quais, por meio de semelhanças e dessemelhanças, devem lançar luz sobre as conexões de nossa linguagem.” (p. 106, parágrafo 130, grifos do autor). Os usos, de acordo com o autor, estão inseridos em jogos de linguagem, mas cada um se articula de determinada maneira: há o jogo de linguagem entre os colegas de trabalho e, ali, as palavras têm seus significados determinados naquele contexto de entendimento e há o jogo de linguagem familiar, diverso do primeiro, entre outros.

Dito isto, entendemos que habitamos uma pletora de jogos de linguagem com palavras, formulações e encadeamentos que se conjugam cada um a seu modo e eles tendem a se especializar sempre cada vez mais dentro de cada núcleo. Vejamos as conversas em família, como variam! A conversa da família A chega a parecer, em alguns casos, quase que outro idioma se comparado com a conversa da família B, já que com o desenvolvimento de cada jogo de linguagem sinais vão sendo usados para significar coisa que vão se consensuando entre seus usuários, mas se afastando de um uso geral. E é nesse ponto que surge a nossa questão, quando um usuário do jogo de linguagem da família A estreita relações e diálogos com um usuário da família B. Como cada usuário está familiarizado com seu jogo de linguagem, determinada ordem de sinais ou o uso de determinados sinais traz falhas de interpretação e elas podem beirar o incomunicável. Não que eles não possam mais conversar, mas algumas formulações devem ser moduladas ou reformuladas para que se chegue em um diálogo possível.

Até porque, o uso de determinadas palavras de determinados modos pode soar aviltante ou desrespeitoso no jogo de linguagem A sendo perfeitamente natural no jogo de linguagem B. Ocorre que, etiquetas a parte, não há regra geral, mas um aprendizado mútuo baseado em situações e suas consequências que nos levem a padrões, não de uso, mas de mal uso que suscitam erros de comunicação que levarão a necessidade do uso de uma infinidade de palavras, ordenamentos e formulações para correção e retorno ao ponto anterior ao problema, gerando desgaste e perda de tempo, e humor.



[i] WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. Tradução de Giovane Rodrigues e Tiago Tranjan. São Paulo: Fósforo, 2022. 

quarta-feira, 16 de julho de 2025

Andar de bicicleta

Quando a linguagem se aproxima do incomunicável[i]

Eu queria saber qual é a sensação de andar de bicicleta. Refletindo agora sobre essa atividade física, eu fico tentando me lembrar do que eu sinto quando ando de bicicleta: o vento no rosto, aventura, sensação de liberdade, mas em alguns casos de perigo e medo.

Então eu me pergunto se eu consigo comunicar essa sensação, mas parece que isso é impossível. Eu até posso falar sobre ela, mas eu não tenho certeza se é exatamente isso, ainda mais que faz tempo que não ando de bicicleta.

Pode ser que, se e quando eu andar, eu sinta algo totalmente diverso, quem sabe uma felicidade ou, durante a execução da atividade, ela me remeta a outra experiência ou sensação e talvez ISSO seja incomunicável.

Eventualmente uma foto da minha expressão durante a atividade ou um vídeo possam ajudar nesse desafio. Ou quem sabe o monitoramento do meu batimento cardíaco ou da atividade cerebral ajude a dar indícios do que se passa comigo, mas não exatamente o que se passa, apenas um arremedo.

Diante de tal cenário, sou levado a concluir que falar sobre o que é andar de bicicleta, de modo inequívoco, é quimera. Eu posso elencar uma coleção de informações e relatar, mas você só saberá o que efetivamente é andar de bicicleta ao andar de bicicleta e, provavelmente, a sua experiência e sensação seja diferente da minha. Assim, ficamos em um campo de aproximações.

Por outro lado, posso também comunicar como é andar de bicicleta, ou seja, as ações que você deveria tentar fazer para andar de bicicleta. Por exemplo, você teria que pedalar, segurar o guidão firme e reto, olhar pra frente e se equilibrar. Seguindo essas instruções e outras mais detalhadas você supostamente conseguirá andar de bicicleta, mas só saberá o que é andar de bicicleta andando de bicicleta.

Tudo isso só mostra que é tudo muito incerto, mas nada impossível. E isso tudo reforça o compromisso que devemos ter com uma comunicação que se permita compreensível e que engaje.



[i] É sobre Berkeley. De alguma forma inspirado em https://youtu.be/SgM0LJwT3-g, Aula 17: Berkeley: Consciência e o conhecimento da mente e do mundo externo de Vinícius França Freitas>

sábado, 5 de julho de 2025

Filosofia e sociedade

Panorama da sociedade capitalista[i]

Sabemos que as sociedades se desenvolveram historicamente até chegarmos aos nossos dias quando predomina o sistema capitalista que se perpetua no avanço tecnológico e divisão do trabalho. Ocorre que nas sociedades primitivas os seres humanos se associavam em busca de sobrevivência, porém na sociedade capitalista na qual há busca de riqueza, o valor primordial é do interesse individual e do enriquecimento privado.

Nesse cenário o bem coletivo deixa de ser perseguido e se transforma em uma luta pela apropriação de recursos ainda que concentrado na mão de poucos. Por outro lado, a globalização produz histórias semelhantes ao redor do mundo já que integra a vida social e econômica em um mercado mundial e correlaciona, por exemplo, o produtor de arroz brasileiro com o chinês, nessa balança produtiva.

Da mesma forma, o desenvolvimento global impacta o desenvolvimento local, o avanço tecnológico tal como o que ocorre na medicina pode atingir a todos, com a ressalva fundamental de que os com mais poder aquisitivo se beneficiam mais. Além do que todo o poder da produção global poderia resultar em mais tempo livre para o trabalhador, mas esse trabalha cada vez mais para aumentar o lucro individual da burguesia. Resulta que essa sociedade cindiu a conexão entre o indivíduo e a coletividade.

Grande parte do lucro é estimulado pelo consumo e, na sociedade capitalista, o consumismo vira um fim em si mesmo, para além das reais necessidades e estimulado pela propaganda que nos aguça a cada vez possuirmos mais coisas e coisas que logo vencem[ii] e precisam ser trocadas, gerando novas necessidades de consumo. Marca dessa sociedade consumista são os shopping centers e os supermercados, nesses últimos o consumidor tem o contato direto com a mercadoria e reduz custos de venda do capitalista.

O consumo desenfreado leva a produção de bens não duráveis competindo com produtos de primeira necessidade que não chegam para todos, há desperdício e hábitos de consumo pouco saudáveis que trazem grandes impactos ambientais que são sentidos em catástrofes que atingem os mais pobres.

Uma arma poderosa e essencial para a burguesia é o Estado que aparece como coisa pública separada da sociedade civil e central para a democracia, já que os governantes são eleitos pelo voto. Porém, ele é uma ilusão sendo usado para perpetuar as desigualdades. Se a ordem política visa igualar trabalhadores e operários, ela esconde a diferença de poderio econômico e chancela a desigualdade social. Com a ajuda da ideologia dominante, a democracia faz parecer que a sociedade é harmônica e igualitária, com garantia de direitos.

O Estado, então, assevera a ordem vigente e a exploração por meio de um aparato legal e jurídico de dominação. E, em casos extremos, sabemos que as democracias se transformam em ditadura a serviço da burguesia. É entendendo as limitações desse sistema político da sociedade contemporânea que podemos perceber que não há garantias de justiça social, que há uma crise de representatividade e que deveríamos pensar em novas formas de participação popular.

Isso posto, não é só da produção de objetos que as sociedades se desenvolvem, mas pela arte podem se expressar e se relacionar com o belo por meio da imaginação e criatividade. Entretanto, a produção artística não é isolada, ela está inserida na história e cultura, dentro de um contexto social. Ela também medeia entre o estado de natureza e o estado de produção intelectual manifestando ideias e sentimentos.

Mas também pode possuir vínculos ideológicos servindo a interesses e escondendo a verdadeira realidade, como quando a burguesia se apodera da cultura popular e determina o que pode ser ou não classificado como arte. Contudo é, sem dúvida, uma dimensão essencial do ser humano e o que possibilita a compreender melhor o mundo e a sociedade.



[i] Com base em: https://aprendamais.mec.gov.br/course/view.php?id=1945#section-4, “4 Filosofia e sociedade” – Plataforma Aprenda Mais.

[ii] Em https://www.reflexoesdofilosofo.blog.br/2021/07/catalogo-de-autores-da-filosofia-da.html, Gunther Anders e Arnold Gehlen tratam da obsolescência.