Uma introdução ao significado como uso da linguagem mediante regras ou relações de inferência [i]
Dado que numa teoria proposicional do
significado as frases são entidades abstratas e inertes, surgem teorias do uso
do significado e, advogando a esse respeito Wittgenstein (o segundo), que aproximou
frases de peças em um jogo e que são usadas em práticas sociais convencionais e
regidas por regras. O significado, para uma teoria do uso, é o emprego correto
de expressões. Por outro lado, Wilfrid Sellars aproxima o ato de inferir de uma
expectativa social, se contrapondo ao fato de exprimir uma proposição. Não
obstante, as teorias do uso enfrentam obstáculos, como é o caso de explicar
como o uso da linguagem difere do jogo de xadrez, por exemplo, já que esse não
gera significado, ou como uma frase significa que tal e tal.
Há conhecida anedota de que Russell
examina as frases no quadro de negro como objetos em si, o que foi combatido
por Wittgenstein e Austin que viam a linguagem como prática social. Contudo, se
as proposições são abstrações do que é dito no mundo real, não se pode negar
que há abstrações, por exemplo, quando abstraímos um som sonoro ou a própria
gramaticalidade. Ainda haveria a perspectiva de Strawson de que proferir é
produzir.
O uso num sentido aproximadamente wittgensteiniano
Do ponto de vista de Wittgenstein, é por
algo familiar que entramos no misterioso mundo do significado. A apreensão do
significado se dá pelo receptor e a compreensão pelo ensino e aprendizagem da
linguagem no comportamento conversacional de fazer jogadas, como quando as crianças
aprendem rapidamente o que fazer perante certos ruídos[ii]. Embora ele não negue que
haja relações referenciais, para ele a atividade linguística se dá por meio de
regras similares as de jogar jogos onde as expressões (olá, obrigado) são como
as peças (cavalo, torre). Há diversos jogos de linguagem (encontrar alguém e
saudar, linguagem entre marido e mulher ou a aritmética...) nos quais se
utilizam dispositivos convencionais e papéis funcionais usados em determinadas
ocasiões e contextos.
O jogo de linguagem é ilustrado pela
famosa analogia da linguagem primitiva entre servente e pedreiro, onde o que
conta é a função (fazer algo) e não a relação de referência. Mas essa ilustração
traz a dificuldade com frases longas e complexas que necessitariam de um
mecanismo adicional como a verificação, que foi proposta pelos positivistas
lógicos. Outro ponto difícil para a abordagem de Wittgenstein é o da consequência
lógica, algo que a teoria inferencial do significado de Sellars lidaria ao
tomar o ato de inferir como ato social e regras de entrada e saída baseadas na
prática social e não em verdades lógicas.
Objeções e algumas respostas
Isso posto, nota-se que, se a teoria do
uso evita as principais objeções das teorias já vistas (referencial, ideacional
e proposicional), além de ser naturalista por trazer o uso da língua no mundo
real, obviamente também enfrenta objeções. Um primeiro ponto é o de explicar a
diferença de significado de uma expressão na Terra ou na Terra Gêmea, com a
resposta de que se tratam de jogos diferentes já que as regras são em função de
coisas. Um segundo ponto é explicar a regra de uso para nomes, o que conduz ao
descritivismo. Depois, trata-se de explicar como podemos compreender frases
longas em uma primeira vez sem ter havido convenção anterior. E aqui recorre-se
ao princípio de Frege de compreender novas frases composicionalmente pela
combinação de palavras que vão além da norma.
Seguindo com as objeções, Lycan cita o
caso de saber usar a expressão sem a compreender, qual seja, uso perfeito, mas
significado nulo. A quinta objeção coloca que as atividades regidas por regras
não têm o significado da linguagem, mas o que os distingue? Aqui Lycan faz uma
discussão com o pano de fundo de que em um jogo as regras estão circunscritas a
ele, mas na linguagem há regras mais “ricas” e que permitem a predicação. Por
outro lado, se é demasiadamente desacreditada a regra do jogo (menos rica), seu
convencionalismo se torna insuficiente de dar conta da linguagem que trataria
de coisas do mundo[iii],
o que levaria a abrir uma porta para o referencialismo.
Fechando as objeções, a última observa que
jogos, apesar de significativos, não permitem asserções, diferentemente da linguagem,
isto é, não se consegue “dizer que P”, os jogadores não dizem ou pedem que algo,
coisa essencial da linguagem[iv].
Inferencialismo
Robert Brandom, comentador de Sellars, traz
uma concepção de uso normativa que foge de algumas objeções das ideias originais
de Wittgenstein e que releva o papel da referência. Para ele, de acordo com
Lycan, há um compromisso associado com a elocução pública da frase, feita com
base em razões, regras e um histórico dos acontecimentos.
Sobre a distinção entre os jogos e a
linguagem, a proposta de Brandom mostra que as jogadas do xadrez, por exemplo,
não são inferências, ao passo que as elocuções linguísticas, alicerçadas em uma
razão probatória, são inferenciais. Ele
também pode escapar da terceira objeção ao admitir um tipo fraco de composicionalidade
ao tratar de frases longas.
Por fim, por ser demais epistemológica ao usar noções como justificação, defesa, etc., tende-se a se aproximar a teoria inferencialista mais do verificacionismo do que de Wittgenstein, mas ainda nos restará analisar a teoria de Austin de ato ilocutório que se baseia na teoria do uso.
[i] Fichamento de Filosofia da
linguagem: uma introdução contemporânea. LYCAN, William. Tradução Desiderio
Murcho. Portugal: Edições 70, 2022. Capítulo 6: Teorias do uso.
[ii] Notadamente chorar frente à dor.
[iii] Ou conforme citação a Friedrich
Waismann, os genuínos jogos de linguagem estariam integrados na vida.
[iv] Função-que ainda carente de aprofundamento.
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