sábado, 3 de outubro de 2020

Linguagem Referencial

Nascimento[i] trata de mostrar a problematização da referencialidade tanto em Wittgenstein quanto em Santo Agostinho.

1. Introdução. Nascimento define referencialidade (ou linguagem referencial) como a concepção de que a linguagem simboliza, ou seja, referencia coisas do mundo, das quais obtêm significado. Tal concepção, citada por Wittgenstein nas Investigações a partir de Santo Agostinho, foi usada no Tractatus como forma de resolver os problemas de filosofia pelo uso da linguagem representando fatos de forma lógica, ou seja, a partir de uma representação proposicional.

2. A Concepção do Tractatus. Então, é a forma lógica que relaciona pensamento e realidade pela afiguração e permite que a proposição tenha sentido[ii], embora a linguagem não seja uma cópia fiel do estado das coisas, pois ela apenas comporta possibilidades desses estados. Além disso, cada objeto deveria ter um símbolo associado e que determinasse seu significado.

E são os nomes a base para representar estados de coisas, a partir dessa forma lógica, pois eles permitem referenciar os objetos que não existem separadamente. Conforme 3.144: “Estados de coisas são descritas, não nomeadas. Nomes são como pontos, proposições são como flechas, elas têm sentido)”. E aqui vemos a capacidade representativa da linguagem.

Embora ressaltando a forma lógica proposicional no Tractatus, que é a linguagem referencial que interpreta as proposições da linguagem, Wittgenstein entende a linguagem cotidiana também com completude de sentido, porém com outro simbolismo. E, na virada filosófica, essa perspectiva impositiva da forma lógica será abandonada em prol de uma descrição da gramática do uso linguístico, da significação dentro de padrões de uso linguístico.

Assim, Wittgenstein amplia o rol da investigação linguística e se afasta de um ideal preconcebido, do dogmatismo. A descrição factual pela forma lógica dá lugar à investigação gramatical onde o uso de determinada forma depende de seu propósito. É uma investigação conceitual que evita possíveis confusões metafisicas do Tractatus pela imposição da forma lógica.[iii]

3. Problematização da concepção referencial. Wittgenstein traz a citação das Confissões de Agostinho no início das Investigações, através da qual o filósofo de Hipona conta sua experiência de aprendizado e compreensão pela designação dos objetos por palavras, concepção referencial que será criticada por Wittgenstein quando se trata de universalizar esse modelo.

Usando um exemplo de conversa entre operários de uma obra, Wittgenstein procura mostrar que as palavras denotam mais uma ordem que uma descrição de estado de coisas. Mais do que isso, as palavras não teriam um significado determinado, mas de acordo com seu uso linguístico e que se assemelha a uma caixa de ferramentas com variadas funções, sendo um deles o uso referencial.

Com relação à experiencia de aprendizado de Sto. Agostinho, Wittgenstein coloca que a função denotativa dos nomes tem um uso no ensino ostensivo que seria apenas uma preparação para o uso de uma palavra, mas que vai se definir com o significado que empregamos.

Retomando o exemplo da obra, um terceiro operário recém chegado só entenderia os sentidos das palavras a partir das circunstâncias, no jogo de linguagem. Só se mostra o que uma palavra designa pelo seu uso. Conforme citação: “Portanto, a estrutura de quando se diz ou se entende Traga-me uma laje como quatro palavras deriva, não de algo intrínseco ao funcionamento da mente do sujeito, mas da estrutura do jogo de linguagem do qual ele participa.”[iv]

De todo modo, as Investigações não contradizem totalmente as teses do Tractatus, mas as circunscreve e, quando o fazem, se aproximam de Agostinho, como por exemplo quando uma palavra tem significado enquanto seu referente existe. Porém é um uso limitado para todas as possibilidades de usos linguísticos dentro dos jogos de linguagem.

4. A concepção agostiniana de linguagem. Se Agostinho não propõe uma abordagem tão abrangente de linguagem, no De Magistro ele expõe inicialmente o uso referencial (de que as palavras são símbolos cujos significados se dão por se referirem a objetos) que será revisto posteriormente.

Ao analista a palavra nada, Agostinho diz que ela não é um sinal pois não significa coisa alguma, algo que não existe. Mesmo a palavra se não se refere a um objeto no mundo, embora se refira a um estado psicológico de dúvida. Tais exemplos apontam dificuldades na concepção referencial.

Dito isto, Nascimento reitera que Agostinho ainda se detém a exemplos de sintaxe ou analisando o que ocorre na mente do ouvinte, ao passo que em Wittgenstein a concepção pós-tractatus mostra uma concepção mais ampla de linguagem relacionado a definição de uso e multiplicidade de modelos funcionais, ou seja, no uso concreto.

5. Considerações finais. Nascimento mostra nesse artigo elementos importantes da virada filosófica de Wittgenstein, partindo das capacidades de representação da linguagem representando fatos da realidade e compartilhando sua estrutura lógica, em um simbolismo por demais reducionista.

Então ele parte desse modelo de linguagem clara para um modelo no qual a filosofia deve aclarar os padrões de uso e regras por uma investigação da gramática. Do mesmo Agostinho se questiona acerca de alguns usos referenciais o que faz com que ambos se aproximem na crítica a um modelo referencial que pudesse abarcar todas as possibilidades de uso linguísticos.



[i] O que se segue é um resumo de Agostinho e Wittgenstein: sobre a concepção de linguagem referencial, pelo link: http://www.revistas.usp.br/humanidades/article/download/154281/150503/. De Matheus Colares do Nascimento, acessado em 19/09/2020.

[iii] Ironicamente o que deveria ser combatido.

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