sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Lar, doce lar

Não se trata de buscar a origem da propriedade privada na história ou dos motivos que levaram à sua constituição. O que se pretende é constatar o lar como lugar estruturante da sociedade. Não se vive sem um lar e, quando dele nos afastamos, logo queremos voltar. Mas o que esse lar significa? Obviamente, o abrigo das intempéries naturais é uma necessidade instintiva, porém o lar é o lugar da perpetuação do humano. Uma vez o lar criado [pelo homem] e habitado, nada que o homem não queira nele entra, permanece ou sai. 
Como dissemos, não há nada de natural no lar, mas, mais do que isso, o lar é tipicamente artificial, construído e constituído. Ali, o básico do humano acontece: a alimentação, o descanso, o lazer e, hoje em dia, até mesmo o trabalho. E ali as relações humanas se dão. O lar é produzido pelo homem e é onde o homem se reproduz enquanto ser individual e enquanto espécie.
Há vários lares e o que eles têm em comum é o humano, essa marca não se apaga. Eu olho pela janela do meu apartamento e vejo muitos apartamentos. Eu olho e me questiono: "o que se passa nesses apartamentos?". Não penso muito para concluir que somente se passa a reprodução do humano. E ela se dá de várias formas: o humano reproduz o bom e o ruim do humano.
Mas não pretendemos julgar o homem e sua odisseia terrestre. Queremos constatar que, dentro do lar, o homem se afirma quando, por exemplo, vai ao banheiro e se limpa, seja defecando ou tomando banho. Não importa para onde nossas impurezas vão porque isso está sob o controle do homem. Em nosso lar a água chega, a luz chega e a internet também. Isso basta para nos colocar em uma condição humana de total sujeição ao que está estabelecido.
Se aqui não se trata de buscar a origem da propriedade privada na história, não se pode seguir sem salientarmos que o homem é histórico. Ele é histórico porque foi constituído o atual homo sapiens por um processo evolutivo biológico e, desde então, se constitui tentando evoluir humanamente ou humanisticamente seja lá como for. De fato, o peso da história nos empurrou para dentro do lar e lá(r) estamos.
No lar estamos livres das adversidades, da sociedade demandante e do mundo lá fora, no lar estamos livres do vizinho chato. Mas no lar estamos presos. Presos em nossa condição humana. Espacialmente o lar é muito pequeno para nosso organismo físico, mas não precisamos mais caçar, pescar, sobreviver. Sobrevivemos miseravelmente dentro do lar, entre paredes, majoritariamente. Somos capazes de permanecer em um 3 x 3 metros capturando o mundo pelas janelas criadas da televisão, do computador e do nosso aparelho telefônico, hoje multifuncional. Provavelmente, um ET recém-chegado na terra se espantaria ao observar como podemos permanecer no lar, sentados, deitados ou em pé, por tanto tempo. Um ET não entenderia o que é um aparelho de TV que emite ondas sonoras e luminosas que tanto nos encantam (ou não), que tanto nos motivam (ou não) e que tanto nos prende. Se estamos presos no lar, também poderíamos estar presos na rua porque a prisão à qual nos referimos é simbólica. Tudo para nós é simbólico porque somos homens e chegamos até aqui sendo "aquele que vive no lar". Mudaremos isso?

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