Não se trata de buscar a origem
da propriedade privada na história ou dos motivos que levaram à sua
constituição. O que se pretende é constatar o lar como lugar estruturante da
sociedade. Não se vive sem um lar e, quando dele nos afastamos, logo queremos voltar.
Mas o que esse lar significa? Obviamente, o abrigo das intempéries naturais é
uma necessidade instintiva, porém o lar é o lugar da perpetuação do humano. Uma
vez o lar criado [pelo homem] e habitado, nada que o homem não queira nele
entra, permanece ou sai.
Como dissemos, não há nada de
natural no lar, mas, mais do que isso, o lar é tipicamente artificial,
construído e constituído. Ali, o básico do humano acontece: a alimentação, o
descanso, o lazer e, hoje em dia, até mesmo o trabalho. E ali as relações
humanas se dão. O lar é produzido pelo homem e é onde o homem se reproduz
enquanto ser individual e enquanto espécie.
Há vários lares e o que eles têm
em comum é o humano, essa marca não se apaga. Eu olho pela janela do meu apartamento e vejo muitos apartamentos. Eu olho
e me questiono: "o que se passa nesses apartamentos?". Não penso
muito para concluir que somente se passa a reprodução do humano. E ela se dá de
várias formas: o humano reproduz o bom e o ruim do humano.
Mas não pretendemos julgar o
homem e sua odisseia terrestre. Queremos constatar que, dentro do lar, o homem
se afirma quando, por exemplo, vai ao banheiro e se limpa, seja defecando ou
tomando banho. Não importa para onde nossas impurezas vão porque isso está sob
o controle do homem. Em nosso lar a água chega, a luz chega e a internet
também. Isso basta para nos colocar em uma condição humana de total sujeição ao
que está estabelecido.
Se aqui não se trata de buscar a
origem da propriedade privada na história, não se pode seguir sem salientarmos que
o homem é histórico. Ele é histórico porque foi constituído o atual homo sapiens por um processo evolutivo
biológico e, desde então, se constitui tentando evoluir humanamente ou
humanisticamente seja lá como for. De fato, o peso da história nos empurrou
para dentro do lar e lá(r) estamos.
No lar estamos livres das
adversidades, da sociedade demandante e do mundo lá fora, no lar estamos livres
do vizinho chato. Mas no lar estamos presos. Presos em nossa condição humana.
Espacialmente o lar é muito pequeno para nosso organismo físico, mas não
precisamos mais caçar, pescar, sobreviver. Sobrevivemos miseravelmente dentro
do lar, entre paredes, majoritariamente. Somos capazes de permanecer em um 3 x
3 metros capturando o mundo pelas janelas criadas da televisão, do computador e
do nosso aparelho telefônico, hoje multifuncional. Provavelmente, um ET recém-chegado
na terra se espantaria ao observar como podemos permanecer no lar, sentados,
deitados ou em pé, por tanto tempo. Um ET não entenderia o que é um aparelho de
TV que emite ondas sonoras e luminosas que tanto nos encantam (ou não), que tanto
nos motivam (ou não) e que tanto nos prende. Se estamos presos no lar, também
poderíamos estar presos na rua porque a prisão à qual nos referimos é
simbólica. Tudo para nós é simbólico porque somos homens e chegamos até aqui
sendo "aquele que vive no lar". Mudaremos isso?
Nenhum comentário:
Postar um comentário