sábado, 15 de outubro de 2016

O homem e a rua e a rua e o homem

O homem se desloca pelas ruas, esse é seu território.
O homem abre clareiras, não vive da natureza.
A natureza é quase seu oposto.
E pelas ruas o homem é senhor de si.
Ele sabe por onde anda, mede os obstáculos e desliza solto.
Não é preciso muita atenção porque o cálculo todo já foi feito desde criança.
A incursão no mundo é essa experiência acumulativa.
Andando pelas ruas o homem sabe que a rua é dele e foi feita para ele.
As ruas são planejadas para o homem se deslocar, ele agradece e nelas se desloca.
Ele fecha esse círculo porque acredita que se basta, porque acredita que está satisfeito.
A esquina é logo ali, eu sei quem eu sou e sei para onde vou.
Nada me impede nessa rua, eu chegarei aonde quero e talvez nem precise estar tão concentrado assim.
Mas é assim e não poderia ser diferente: o homem só é homem por causa da rua e a rua só é rua por causa do homem.
A rua leva algo a algum lugar: o homem.
O homem vai a algum lugar, busca algo pela rua.
O homem não é pássaro e nem peixe e a rua não é ar, nem rio e nem mar.
O homem não é gado e nem leão e a rua não é pasto e nem selva.
O homem é da rua e a rua é do homem.
Mas se o homem deseja a rua e a rua deseja o homem, a rua não é o homem e o homem não é rua.
Sem homem não há rua e sem rua não há homem, mas homem não é rua e rua não é homem.
A rua movimenta o homem e o homem movimenta a rua, mas o homem se movimenta e a rua não se movimenta.
A rua está parada e o homem não pára.
A rua vê o homem e o homem vê a rua, mas a rua fica e o homem passa.
A rua é sempre rua, não foi e não será, não é diferente de rua.
O homem foi à rua, passou pela rua, arruinou a rua.
Se a rua rui é por causa do homem se o homem rui é por causa da rua, mas o homem não é a rua e a rua não é o homem.
Embora a rua seja a quilo que o homem quer o homem não é bem aquilo o que a rua quer, mas o que a rua quis.
Uma vez rua, nada mais.
Uma vez homem, sempre mais.

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