sexta-feira, 27 de maio de 2016

Sobre a molécula ideagênica produtora de consciência*

Parte-se do ponto de vista de Descartes: mesmo nos homens, ações reflexas podem ocorrer sem intervenção da consciência, portanto há mecanismos mais simples e mais complexos. Para a filosofia de Port-Royal, animais são máquinas e tratados com desprezo; para a pesquisa moderna, a visão de Descartes seria defensável.
Huxley argumenta que é impossível provar consciência nos outros, a não ser por analogia, embora no caso de um acidente que provoque paralisia se incapacite certos estados de consciência. Portanto, a medula, mesmo sem consciência, responde a estímulos. Assim como na rã com uma lesão medular ocorra o mesmo comportamento. Mas, daí, poderíamos fazer experiências sem remorsos?[1] Estaria Descartes correto ao não se preocupar em negar que animais são máquinas, já que mesmo os homens são capazes de realizar ações complexas sem consciência?
Huxley não aceita a separação proposta por Descartes. Para ele, há continuidade do simples ao complexo, diferentes intensidades e o cérebro animal seria semelhante ao nosso, o que permitiria neles supor "trens de sentimento" embora não "trens de pensamento", por ausência de linguagem. Se, contra Descartes, animais não são máquinas, com Descartes, eles são autônomos: mais ou menos conscientes; tem instinto e não razão; o cérebro coordena a organização física, o movimento e traz estados de emoções, etc[2]. Para Huxley, tudo não passa de causação: uma agulha espetada no dedo causa movimento do sistema nervoso que antecede um estado de consciência. Causação, não harmonia pré-estabelecida ou ocasionalismo[3]. A interação se daria pela sensação, que é uma mudança molecular, e o cérebro produz sensação. Então, há uma base física da memória, uma “molécula ideagênica” que produz, tanto em nós como nos animais, consciência. A partir da afecção de nervos sensoriais causa-se movimento molecular cerebral e produzem-se estados de consciência.
Mas, o inverso não vale: estados de consciência não causam alterações físicas e geram movimento. Por exemplo, não há evidência de volição na rã. Mesmo lesionadas, elas ainda pulam, saltam, etc[4]. Portanto, nos animais, a consciência aparece como um resíduo do corpo, efeito colateral, e a volição, se houver, é indicativo do físico e não sua causa. Se não há interação do mental ao físico, Huxley deve negar a vontade como causa das ações. E ele o faz comparando o caso humano ao do animal. O animal é livre se nada o impede de praticar uma ação: o lobo de caçar a lebre. Mas não há aí uma liberdade oriunda da vontade: não é possível tal interação do estado de consciência sobre o natural. Em verdade tudo se passa de forma mecânica e se resume em estímulos físicos que levam à perseguição e há um desejo que acompanha esse movimento. “Sua volição não entra de forma alguma na cadeia de causação de suas ações.”[5].
Para Huxley, o mesmo vale para o homem: os estados de consciência são causados por mudanças moleculares na estrutura cerebral. O estado de consciência é um símbolo do que ocorre no cerebral e, sim, somos autômatos conscientes e nosso livre arbítrio está submetido a enorme, incessante, concomitante e paralela sequência de causas e efeitos que nos determinam. O filósofo conclui argumentando não ser fatalista porque a necessidade que trata é lógica; não ser materialista porque não admite uma consciência representando a matéria; nem ateu porque, se já é questionável provar a existência de Deus, qual dificuldade não seria provar sua inexistência?
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* HUXLEY, TOMAS HENRY. Sobre a hipótese de que animais são autômatos - 1874. In: Filosofia das Ciências Neurais, Osvaldo Pessoa Jr.
[1] Haja vista que a massa cinzenta da medula não é consciente...
[2] Isso tudo não mental.
[3] Ver nota 2 de "Notas sobre o paralelismo psicofísico".
[4] Huxley aponta para um movimento concomitante, mas esse movimento não se aproximaria de uma certa harmonia??
[5] Aqui independe se os animais tem algum tipo alma, já que a consciência não passa de um efeito. Se alma houvesse, também seria um efeito.

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