sábado, 28 de fevereiro de 2015

O direito de não ter e não fazer

O renascimento e a modernidade impuseram uma noção de progresso baseada na evolução científica que, aliada ao capital, transforma a natureza humana em competitiva e liberal. É claro que o homem luta por sobrevivência e não deveria haver, instintivamente falando, objetivo maior de vida. Mas a competição arraigou-se ao padrão de vida: na base dos valores de nossa sociedade reside uma certa necessidade de universalização da participação e contribuição para o fazer. Eu não faço para mim, eu faço porque quero que o outro faça para mim. Há aí um engajamento as avessas: só entro nesse barco se todos remarem. É um engajamento negativo, um engajamento de amarras fazendo com que a coletividade se volte para mim e não eu assumindo uma parte de determinada luta social.

Nessa sociedade, não há espaço para o não fazer e, consequentemente para o não ter. Não se pode se por a margem, derivar daquele progresso que falamos: isso não é permitido. Por que não aceitamos que o outro não faça nada? Por que recriminar quem não trabalha? Tal pessoa, não teria direito? Porque eu trabalho, me empenho e sacrifico, o outro também deve fazê-lo sob pena de discriminação e criminalização.

O ser humano socializado vive e trabalha, trabalha e vive. O senso de comunidade remete e força a participação. Mas há aí um sem fim de utilidade, um para quê das coisas. Mas qual o porquê desse para quê? Eu só quero estar no mundo, eu quero olhar e refletir sobre o mundo, a natureza nos espera como companheira. Eu também devo me responsabilizar pelo outro e preciso de um sentido positivo para isso como noção de sociedade. Há algum tempo atrás a civilização tomou um caminho que parece sem volta. Por trás dele enxergamos um compromisso com um fazer que leva a algo que não temos uma ideia clara do que seja, mas acreditamos que seja o progresso. Esse senso de comunidade que lá se originou exige empenho de todos em prol de uma objetividade que se materializa no compromisso do fazer e do ter como virtude. Nesse contexto, a subjetividade fica esquecida porque fica mediada pelo comprometimento com o fazer. Mas podemos e devemos mudar de rota, e na nova direção pode existir espaço para um direito de não ter e não fazer.

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