sábado, 15 de novembro de 2014

Uma reflexão sobre a educação: a dicotomia do papel da escola*

  Em nosso país, a escola é obrigatória perante a lei e a sociedade (e deveria ser pública e gratuita, em regime totalitário). Mas, com os avanços da tecnologia, na sociedade informatizada e globalizada, como avança a escola? Qual é o seu papel, atualmente, quando as crianças entendem mais de tecnologia que os adultos?

  Vamos pautar a nossa abordagem em dois aspectos: o papel ideológico da educação e a sua importância na economia. Chamaremos de INSTRUÇÃO o saber técnico que se aprende na escola e de FORMAÇÃO aquela relativa ao como viver, tais designações já caracterizadas por Montaigne, nos idos da Renascença, quando a sociedade "renasce" da "idade das trevas" e o nobre deve abandonar sua vida de luta empunhando a espada para se converter em nobre no castelo, vivendo "em sociedade" (aristocrática). Montaigne propõe um saber que não é aquele escolar, mas que prepara para a vida, "que lhe proponham (ao jovem) essa diversidade de julgamento e ele escolherá, se puder, do contrário, permanecerá na dúvida". Lá, é mais importante ensinar o comportamento - o como viver, para o cavalheiro, o bruto.

  Mas, INSTRUÇÃO significa conhecimento de habilidades visando o mercado de trabalho, a formação profissional. Partindo do pressuposto da evolução tecnológica que guia a sociedade contemporânea, em constante transformação, o jovem deve estar apto a acompanhar as inovações e dar resultado. O mundo competitivo exige isso, exige que saíamos do outro lado. Tempo é dinheiro, não é mais o processo que é importante, é o produto, como se faz não importa: "se vira nos trinta!!!". Aqui abre-se espaço para a ascendência econômica que monopoliza o ensino, na medida em que o empresário que investe em educação investe buscando um profissional capaz de resolver suas demandas, profissional pré moldado. Por outro lado, a tecnologia invade a educação e solicita uma fatia do bolo: ensino à distância, conteúdos curriculares em aplicativos para computadores de mão. Mais máquina, menos homem: a velha fórmula marxiana. E a velha educação não serve mais.

  FORMAÇÃO é quando a instituição de ensino pauta pela educação inserida na sociedade, tendo como pano de fundo as relações dos indivíduos, a divisão de classes, o patrimônio cultural do povo. É na escola onde as primeiras relações sociais são ensaiadas, relações verticais e horizontais. É aqui que Hannah Arendt põe a escola entre a casa e o mundo, é aqui que a autoridade do professor é testada num jogo de imposição e arrefecimento, na miscelânea que compõe a sala de aula e a escola.

  Os dois aspectos que comentamos remontam ao surgimento da escola moderna. Se, por um lado, a reforma protestante colocou o cristão em contato com Deus, por outro, o cidadão francês, fruto da revolução, tinha o direito à educação. A INSTRUÇÃO era necessária para o indivíduo ler a Bíblia, a conduta vinha da palavra e o acerto de contas com Deus seria feito depois da morte. A Alemanha, que perdia guerras para Napoleão, encontrou a causa do problema: soldados não escolarizados não estavam aptos para as modernas técnicas de guerra. Mas, na França, Condorcet editava um código de leis e diretrizes para a educação que valorizasse a cultura e as artes, um projeto universal e igualitário, educação iluminista e de soberania individual baseada no progresso do homem, projeto liberal (embora, 20 anos antes, os projetos de educação de Rousseau tenham ido muito mais na linha da formação ética e política do homem, dentro de sua crítica ao progresso da ciências e das artes, porém, ambas as propostas, de Rousseau e Condorcet, tratando educação como política de Estado e direito do homem). Não haveria mais apelo a uma entidade superior, era a declaração dos direitos do homem.

  Outro ponto importante e que merece um aprofundamento nesse debate é que uma sociedade muito tecnológica não pode se pautar somente pelo progresso, somente por soluções tecnológicos porque fica reificada e presa em tal concepção. É preciso formar para se valorizar a cultura local e pesar as consequências do jogo global. Alternativas são necessárias e devem ser incentivadas.


  Então, que escola queremos? Uma que INSTRUA ou que FORME? Ou ambas? A escola instrui para o mercado e forma para a sociedade. Ou será que é a sociedade que impõe a sua forma/conteúdo ao processo pedagógico? No século passado, Bourdieu, em sua sociologia reprodutivista, atesta que a escola termina a tarefa iniciada pela família. O habitus social ganha corpo na escola e ela reproduz a sociedade. De tal maneira, que faz um trabalho alicerçado na ideologia de dominação: a educação vem de berço e deve ser continuada, os ideais burgueses preservados.

  Que escola queremos? Seria uma de convergência das exigências? Formar um profissional que saiba pensar? Instruir um cidadão a resolver os problemas burocráticas que haverá de enfrentar na ciranda do mercado de trabalho? Menos escola, mais escola ou não escola? Escola de reprodução social ou escola liberal e democrática? Com o pano de fundo da constante mudança da base técnica, apoiado em um sistema econômico e financeiro persistente, não podemos apelar para teorias utópicas e extravagantes. O homem, que vive, deve, necessariamente, trabalhar e produzir, e por isso não podemos nos esquivar da discussão. E quem pode apontar para uma luz no fim do túnel é Mészáros. Falaremos sobre ele brevemente...

* resenha aula de POEB 13/11/2014 - professor Romualdo (com pinceladas apreendidas das questões do ensino de filosofia da FFLCH - Maria das Graças).

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